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Parte 01

Durante nossas pesquisas e levantamentos de acervo para o Memorial da Escrita e Comunicação Mauricio Rosa entre documentos e acervo, guardados pelo Sr. Maurício Rosa, deparamos – nos com uma publicação que imediatamente identificamos como uma relíquia, não só para o Memorial, mas para toda a história da Imprensa araxaense. Um exemplar do lançamento do Diário de Araxá, datado de 1964.Mal podíamos acreditar no que víamos em nossas mãos, pois se nem hoje a cidade ainda não comportaria um jornal impresso, imaginem  há 58 anos atrás? O documento embora carcomido pelo tempo e pelas traças implacáveis, ainda nos permitia uma leitura bastante informativa, onde conseguimos rastrear alguns dados de suma importância para uma pesquisa mais aprofundada sobre o assunto. Percebemos pelo apoio de um numero significativo de empresários ao projeto, que o Diário de Araxá foi um veículo que encontrou credibilidade e confiança da comunidade em torno de sua circulação. E se o inusitado já nos deixava emocionados e ávidos por descobertas, imaginem então nossa alegria e incredulidade quando descobrimos que o principal responsável por esta ousadia da imprensa de Araxá, talvez até de todo o interior de Minas Gerais, o Sr. Paulo Gomes Menezes, jornalista conceituado, advogado continua na ativa e mesmo com seus 82 anos de vida, continua lúcido, atuante e bastante receptivo em contar para nós esta linda história do Diário de Araxá. Aqui, além de nos contar em detalhes toda a trajetória do nosso diário, Dr. Paulo se deu ao luxo de nos conduzir a uma linda história de família envolvendo diversos araxaenses conhecidos de todos nós, alguns seus irmãos. Uma história com direito a uma viagem pela política local e nacional, com direitos a detalhes e relatos inéditos.

Uma história que contaremos em nossas páginas em nossas próximas em 02 edições para que nossos leitores possam saborear com requinte de surpresa e suspense cada tópico desta reportagem. Tenho a certeza de que após compartilharem conosco essa bela reportagem todos haverão de concordar com a grandeza deste feito para a imprensa araxaense. Ao Sr. Paulo Menezes, só temos a agradecer pelo carinho, atenção e interesse que recebemos na construção desta pesquisa. Domingos Antunes Guimarães especial para o Jornal Interação e o Memorial da Escrita e Comunicação Maurício Rosa.

Tudo começou na rua das flores!

Por Paulo Menezes, araxaense, jornalista, advogado, membro da Academia Nacional de Economia.

No ano em que nasci – 1.939 – a Rua Calimério Guimarães se chamava Rua das Flores.  Nossa casa estava situada numa extremidade da rua e, na outra ponta, ficava a “zona”.  Menciono o fato para relembrar de um episódio pitoresco – se não cômico – que ocorreu envolvendo o meu tio, Zé.

Com a morte do meu pai, minha mãe, premida pelas dificuldades de criar quatro filhos, transformou a sala da nossa casa em “salão de costura”.  Para atender as encomendas que, felizmente, cresciam, contratou algumas moças para ajudá-la.

Certa tarde, meu tio, Zé, estava sentado na porta, quando apareceu um fazendeiro, montado num bonito cavalo. Vendo o garoto, se dirigiu a ele indagando:

– Menino, onde fica a “zona”.

Meu tio, na sua inocência, respondeu:

– Num sei o que é isso não.

O fazendeiro então explicou:

– A zona é uma casa que tem na sala um punhado de moças bonitas, conversando.

Meu tio, lembrando das moças na sala de costura, não teve dúvidas.

Apontou para nossa casa e informou:

– A zona fica ali.

O homem apeou do cavalo e entrou na nossa casa, abraçando as jovens costureiras que, apavoradas, correrem para o quintal gritando para o Zé Abrahão, um preto que morava conosco e que cuidou de nós por muitos anos.

Zé Abrahão, forte como um touro, segurou o homem, falou que era uma casa de família e o intruso saiu envergonhado, pedindo desculpas.

Naquela época, ao errar, as pessoas pediam desculpas!

Algum tempo depois que papai morreu, meu tio, Domingos, que era muito unido à minha mãe, a procurou para dizer que tinha um viúvo interessado em casar com ela.

Deve ter sido convincente, pois meses depois minha se casou com o Sr. Gustavo, que tinha uma marcenaria e que era viúvo também e tinha seis filhos.

Mudamos então da nossa para outra casa na mesma rua, nos fundos da marcenaria. Ficamos aí algum tempo e me lembro que eu estava carregando algumas peças leves quando nos mudamos para a casa da rua de cima, na Olegario Maciel, 831, uma casa que comprei dos herdeiros, quando minha mãe morreu e que está inteira e restaurada no mesmo local.

Eu não tinha ainda completado 7 anos quando minha mãe procurou a diretora do Grupo Escolar Delfim Moreira e pediu para aceitar a minha matrícula, pois faço aniversário em julho e, se fosse esperar, iria entrar com mais de sete anos.

Como tinha bom relacionamento com as professoras, fui matriculado com 6 anos e meio.  Quando iam começar as aulas, minha mãe me chamou e me orientou com palavras doces, falando calmamente:

– Meu filho, você vai pagar os seus cadernos com o que próprio dinheiro. Vou te dar um carrinho de madeira e quando você vier da escola, vai retirar a serragem debaixo da desengrossadeira e jogar naquele terreno baldio defronte à nossa casa. Pode fazer devagar, descanse, mas tira tudo direitinho.

Assim, todos os dias, eu fazia o percurso entre a oficina e o terreno baldio, levando a serragem. No final da semana, eu entrava na fila com os demais empregados da marcenaria. Minha mãe é que fazia os pagamentos. Quando chegava a minha vez, ela me dava um moeda de um cruzeiro e instruía:

– Dá volta e coloca no cofre.

O cofre era de madeira e tinha uma abertura onde colocava a moeda.

De quando em quando, eu procurava minha mãe:

– Mãe, dona Marina pediu para comprar um caderno. Ela então mandava eu buscar o cofre, tirava as moedas e – com o meu dinheiro – comprava o caderno.

Ela, para me estimular:

– Está vendo como já é um hominho!

Depois de algum tempo, fui transferido para a seção de verniz. Lá lixava camas, mesas cadeiras e aplicava verniz usando uma “boneca” de algodão. Também trançava cadeiras com palhinhas, que era moda na época.

Nas férias escolares, eu acompanhava um oficial até o Colégio São Domingos, para consertar carteiras, as camas das freiras e guarda-roupas.

Curioso, ficava bisbilhotando para ver se encontrava alguma peça íntima, mas nunca vi. Apenas hábitos pendurados no cabides.

Algum tempo depois, meu irmão, Elias, que trabalhava e estudava em Belo Horizonte, voltou para Araxá para montar um armazém. Fui escalado para ajudá-lo. De manhã, bem cedo, ia buscar o cavalo no pasto para montar a carroção de entrega. Rodava a cidade, primeiramente a pé e, depois de bicicleta, para anotar os pedidos das freguesas. De volta, pesava, colocava nas caixas e ia, de carroça, fazer as entregas.

Em Araxá tinha uma fábrica de fogos de artifício. Aos 14 anos, decidi tomar um novo caminho e me tornei representante da fábrica: ia de armazém em armazém oferecendo, mas a cidade, pequena, não tinha potencial para grandes vendas.

Naquela época, no Hotel Cruzeiro, que era do meu tio Domingos, ficava hospedado um português, de nome Manoel, que viajava com um carro da Doces Neuza e que percorria toda a região vendendo balas, doces e outras guloseimas. Pedi então ao Manoel para viajar com ele: nós parávamos nas vendas de beira de estrada, eu ajudava descer as balas e, depois, oferecia e vendia foguetes, traques e bombinhas. Lembro-me de passar pelas estradas poerentas até Campos Altos, Córrego Dantas e outras localidades na região.

Por estar sempre viajando, fui reprovado no Ginásio Dom Bosco, onde cursava o terceiro ano ginasial.

Minha mãe, preocupada, pediu que eu parasse de viajar e que fosse trabalhar no escritório da marcenaria, fazendo a escrita e controlando o pagamento dos empregados.

A parte fiscal era feita pelo João Rios, contador, pessoa muito culta, que se tornou professor de faculdade e que faleceu envolvido numa aura de respeito e admiração dos seus alunos e colegas.

João Rios ficou muito meu amigo e, certo dia, me chamou e propôs:

– Paulo, vamos montar um escritório de contabilidade. Você faz essa parte básica e, do lado fiscal, eu cuido.

Aceitei entusiasmado.

Alugamos uma sala no prédio onde morava o Dr. Mario Magalhães, na Rua Boa Vista e começamos o escritório, que se tornou um sucesso.

O João Rios era muito respeitado pela sua cultura e eu conhecia muitos comerciantes. Visitamos vários deles e conseguimos, de início, 17 firmas para fazer a contabilidade.

Vivíamos um período de bonança e respeito.João Rios levou a irmã dele, Adelina, para nos ajudar e assim o escritório cresceu, de tal ordem que tivemos de nos mudar para o Edifício Fonseca, onde alugamos duas salas maiores e mais confortáveis.

Chica, filha do meu padrasto, culta e líder, que foi secretária deTurismo de Araxa e também criou o Ginásio Jesus Cristo, era uma leitora compulsiva. Certa ocasião, comprou a coleção completa de Humberto de Campos.

Na sua estante, os livros ricamente encadernados em azul, chamaram a minha atenção e perguntei se ela me deixaria lê-los.

Ela assentiu, me emprestando um livro de cada vez.

Os dois primeiros foram Memórias e Memórias Inacabadas.

Em um deles, Humberto de Campos conta que era menino no interior do Maranhão, onde, na sua cidade, surgiu um pequeno jornal. Cheio de sonhos, escreveu uma modesta crônica e colocou debaixo da porta da redação do jornal. O editor viu quando ele colocou, procurou-o no dia seguinte e o convidou a colaborar. Ele aceitou, mudou-se depois para o Rio de Janeiro, tornou-se um grande jornalista e acabou membro da Academia Brasileira de Letras.

Na minha pureza de adolescente, decidi que faria o mesmo!

Atanagildo Cortes havia acabado de criar o Correio de Araxá. Escrevi então uma crônica (?), fui à noitinha e coloquei debaixo da porta no prédio que ficava ao lado do Cine Trianon.

Aguardei ansioso o sábado para ver se a minha crônica havia sido publicada. Fui até a agência do “Seu” Genaro e comprei um exemplar.

Estava ali publicada, com o meu pseudônimo: PAGOM – de Paulo Gomes de Menezes!

Não contive a minha alegria: havia dado o primeiro passo, como Humberto de Campos, para me tornar um grande jornalista e membro da Academia.

Imagina!!!

Na segunda-feira, Atanagildo me procurou. Ele tinha visto quando deixei a crônica e saí. Me convidou, então, para colaborar com ele no Correio de Araxá.

Passei a cobrir as reuniões da Câmara, entrevistava o Prefeito. Mais do que isto: procurei o Sr. Mário Del Sartro no Grande Hotel e pedi que me informasse quando um político importante estivesse hospedado.

Sr. Mário, um cavalheiro, então acertava para mim as entrevistas.

Certa ocasião, ele me informou que Arnon de Mello, Governador de Alagoas, estava hospedado. Pedi para coordenar a entrevista, o que ele fez , gentil, como sempre.

Fui ao encontro do Dr. Arnon numa manha e fiz uma longa entrevista, que Atanagildo publicou com destaque na primeira página.

Eu estava terminando o curso básico de contabilidade e convidei Dr. Arnon e dona Leda para a minha festa de formatura, no Clube Brasil.

Eles aceitaram. Dr. Arnon dançou com minha mãe; dona Leda, com o meu padrasto.

A certa altura, Dr. Arnon virou-se para minha mãe e disse:

– Dona Francisca eu quero levar o Paulo para trabalhar como repórter no Rio. A senhora concorda?

Minha mãe, entusiasmada com a oportunidade, assentiu de pronto.

O meu plano de adolescente estava em pleno desenvolvimento. Continua em nossa próxima edição…

Por Editor1

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