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Imaginem um professor ou professora na véspera de sua aposentadoria. Pensem na última aula após uma carreira de 25, 30, 40, 50 anos dedicados ao magistério. A última aula deveria ser com as demais ministradas cotidianamente, ou deveria ser diferente, ter alguma especificidade? Caso a resposta seja afirmativa, qual deveria ser a singularidade da última aula? Como deveria ser a primeira e última aula da carreira de um professor?

Embora a profissão de professor, de docente ou o magistério seja antiga e remonte as primeiras civilizações, a reflexão sobre suas características, fundamentos, bem como, o inventário de suas múltiplas formas e manifestações históricas é uma preocupação relativamente recente que se iniciou a partir do século XVII.

Portanto, uma história integral do magistério, ou uma história total como preferem outros autores, que englobe essa profissão em diferentes culturas e épocas e permita um quadro comparativo geral, quando estiver disponível facilitará a compreensão deste importantíssimo trabalho. A Educação e o Ensino são universais, constatação que infelizmente não tem sido suficiente para despertar a preocupação social com o importante trabalho do magistério.

O magistério é a profissão que tem como função a prática do ensino, o ato de ensinar de maneira profissional, e não de maneira amadora ou empírica. No mundo contemporâneo o magistério é predominantemente exercido no âmbito das escolas e universidades, mas, não exclusivamente. Trata-se daquelas pessoas que tem no ensino seu trabalho, daqueles que operacionalizam nas escolas a socialização dos jovens e mesmo dos adultos. Portanto, a tarefa do ensino não é apenas ensinar conteúdos, mas educar de forma integral.

Alguns autores e estudiosos, por razões nem sempre explicitadas, argumentam que o magistério é um ofício e não uma profissão. Essa discussão lembra um tema importante da Sociologia do Trabalho que categoriza e divide os diversos tipos de trabalho existentes no Mundo do Trabalho em ocupações, ofícios e profissões.

Nesta classificação, do menos para o mais complexo, alguns tipos de trabalho são ocupações porque não demandam saberes específicos ou formação prévia. Outros são consideradas ofícios, pois, demandam certa formação, embora não sejam regulamentados por leis e códigos específicos. Por fim, as profissões são aqueles tipos de trabalho que demandam formação prévia mais demorada, geralmente de Nível Superior, e operam sob códigos legais e éticos específicos e formalizados. Nesta concepção, o magistério estaria localizado entre ofício e profissão, dispondo de características das duas categorias. Exige formação prévia, mas não possui códigos de ética plenamente estabelecidos, por exemplo.

Mas esse debate é uma armadilha que os educadores devem evitar. Porque? Áreas como medicina, direito e militar foram as primeiras a se profissionalizar ainda no início do século XIX, e, a partir, daí ditaram os modelos para as demais profissões. Contudo, resta lembrar que essas profissões são socialmente valorizadas, daí receberam historicamente mais atenção e investimentos financeiros, sociais e até formulações conceituais.

Mas a reflexão realmente decisiva, no que tange ao Mundo do Trabalho, não é reconhecer como profissão apenas as áreas que são social e economicamente valorizadas. Isso é até uma certa redundância. Acredito que os critérios devem ser outros, a saber: o trabalho em questão é necessário a manutenção, melhoria e desenvolvimento da sociedade; ele demanda formação prévia, específica e exclusiva; necessita de regramento ético específico; possui singularidades e particularidades que o caracterizam.

Desse modo, pode-se facilmente observar que o magistério atende a todos esses critérios, embora, não seja uma profissão economicamente valorizada e encontre dificuldades para ser plenamente reconhecido. Dificuldade que resulta em demora, equívocos, debates truncados, que, contudo, não anulam sua importância social, política, cultural, ética e econômica. Pela sua importância social, cultural, política e econômica, o magistério deveria se considerado com carreira de Estado.

Essa é a questão do magistério como profissão, ou da profissionalização do ensino. A Educação e o ensino ocorrem em diversos lugares e espaços sociais. Contudo, existem profissionais que ensinam de maneira profissional, que lecionam para diversos estudantes, e não ensinam apenas, por exemplo, para o seu filho ou filha. O professor como profissional do magistério exerce e operacionaliza a socialização secundária, diferente, daquela dita primária que ocorre no ambiente familiar.

Essa é uma questão-chave. Ensinar nas escolas é diferente de ensinar em casa para seus próprios parentes e filhos. A relação estabelecida é outra, o volume de conteúdo e a exatidão é outra, os métodos, técnicas e procedimentos utilizados são outros. Enfim, aquele que ensina e educa nas escolas e universidades tem que dominar o conteúdo ensinado (expertise), mas também, saber como ensinar (didática), saber comportar-se e abordar os estudantes (ética), saber suas funções e compromissos, entre outros fatores. Contudo, não basta expertise, didática e ética. O magistério é uma profissão complexa que envolve muitas outras dimensões.

Assim, esse debate do magistério como profissão é um ponto primordial de nossa época, um “nó górdio” que precisa ser refletido e superado, pois a sociedade humana, a civilização como alguns preferem, depende para sua continuidade, melhoria e desenvolvimento que cada nova geração seja educada e inserida na vida social de forma plena, propositiva e autônoma. É esperado que cada indivíduo tenha condições de cuidar de si e colaborar com a sociedade. Enfim, tarefa para professores-profissionais e não ensinantes-amadores.

É uma ilusão perigosa acreditar que uma sociedade verdadeiramente desenvolvida pode vir a existir com apenas uma parcela de sua população adequadamente educada e preparada. Noutras épocas do passado acreditava-se que bastava apenas a elite ser culta e preparada que ela teria condições de conduzir a sociedade. Tais ideias apesar de antigas não encontram comprovação histórica em nenhum lugar e época, pelo contrário, os países que alcançaram considerável progresso econômico e estabilidade política, cultura e social fizeram justamente o contrário. Isto é, educaram amplas camadas de suas populações desde a infância até a velhice, para depois colherem os frutos desta ação que foi a constituição de uma população cada vez mais equilibrada e qualificada, capaz de cuidar de si e da sociedade.

Na história do Trabalho a invenção da profissionalização é um capítulo importante. Cada trabalho especializado ocupa um lugar no Mundo do Trabalho. Quando um trabalho se torna altamente complexo e passa necessitar de formação prévia demorada, compromissos éticos definidos e, por consequência, restrição de seu exercício aqueles que dispõem de preparação adequada, estamos diante da formação histórica de determinadas profissões.

Tal processo garante que a sociedade desfrute de profissionais adequados e serviços qualificados. Sabe-se que a profissionalização é um fenômeno histórico e que inúmeras profissões que outrora eram exercidas, por práticos sem formação, hoje demandam formação profissionalizada. Um exemplo, bem conhecido dessa situação é a odontologia. A quantidade, variedade e seriedade dos procedimentos disponíveis nesta área, inviabilizam, uma formação prática-empírica como ocorria no passado. Tiradentes, por exemplo, foi um prático nesta área.

Enfim, o magistério é uma profissão e não um sacerdócio como ocorria no passado. Há muita confusão nesta questão. No passado colonial brasileiro, por exemplo, os padres jesuítas eram responsáveis pela Educação, e muitos não recebiam salários pois o magistério era visto como um prolongamento da atuação sacerdotal. Época em que uma minoria inexpressiva tinha oportunidade de frequentar escolas. Portanto, dizer que o magistério é um sacerdócio é retornar ao passado elitista e que restringia a ideia de Educação como um bem universal. Tal comentário não impede de reconhecer que as religiões, em alguns momentos, prestaram algumas contribuições a causa do magistério, mas no geral a Educação era muito restrita e reservada a minorias privilegiadas.

Portanto, para que o magistério trilhe o caminho rumo a uma profissionalização consistente é preciso que todos colaborem para identificarmos, listarmos, teorizarmos e exemplificarmos os saberes específicos dessa profissão. Cada professor e professora quando se aposentasse deveria elaborar e socializar um “memorial magisterial” no qual descrevesse e analisasse suas experiências e vivências. Seria um material rico para o futuro.

As universidades e institutos de pesquisa deveriam procurar colaborar na concepção e formatação intelectual da profissão do magistério. Não podemos reforçar e embalar a ideia de que o magistério não é uma profissão, porque não desfruta de valorização social.

Resta então dizer que os professores e professoras interessados na melhoria e na profissionalização do magistério devem se perguntar cotidianamente qual a contribuição que cada um pode ofertar à essa causa.

Afinal, sem um magistério profissional é ilusão perigosa creditar que dias melhores virão. Um mundo melhor será habitado por pessoas mais qualificadas e educadas e não o contrário. Que os debates empolados que retiram a clareza sobre o magistério como profissão desapareçam e que uma nova Educação esteja a caminho.

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Por ego

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