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Pelo retorno do Normal Superior

 

Contar a história do curso Normal é narrar uma luta em prol da Educação e também, infelizmente, perceber alguns infelizes traços de indiferença e até discriminação com relação a essa relevante atividade social.

A maioria das pessoas na atualidade desconhecem o curso Normal e mesmo entre os educadores há muitas incompreensões. O Normal, durante muito tempo conhecido como Técnico em Magistério, possui uma longa história que deixou legados importantes, e ao contrário do que alguns insistem em dizer, tem ainda muito a contribuir com a sociedade e a Educação.

O curso Normal surgiu na Europa no século XVII inicialmente pelas mãos de religiosos interessados na estruturação de escolas para as classes mais pobres. A primeira experiência de se estruturar um curso específico que formasse professores para atuar nas escolas populares e primárias data de 1672 e foi uma iniciativa na cidade de Lyon do abade francês chamado Charles Demia (1637 – 1689). Sua iniciativa não perdurou após sua morte, mas lançou a ideia de que o magistério requer formação específica para sua execução com êxito e qualidade.

Na mesma época, outro religioso chamado Jean Baptiste La Salle (1651 – 1719), também na França, desenvolveu cursos de formação de professores para as escolas primárias cujo modelo foi depois continuado e inclusive apropriado pelo governo para a formação de docentes para as escolas públicas que começavam a difundir-se a partir daquele momento.

Mas, foi durante a Revolução Francesa (1789 – 1799), principalmente após as inúmeras discussões e trabalhos de Joseph Lakanal (1762 – 1845), que a ideia de uma Escola Normal estatal, pública e acessível a todos os interessados no exercício do magistério ganhou força e tornou-se realidade. Lakanal argumentava que não havia professores disponíveis para uma verdadeira expansão escolar para todos os cidadãos como ambicionava alguns revolucionários. Por fim, também, defendeu que a profissão do magistério requeria uma formação específica para ser útil a sociedade.

O nome Curso Normal ou Escola Normal surgiu na França e refere-se a norma ou regulamento. La Salle e seus continuadores acreditavam que os professores deveriam possuir um roteiro, regulamento ou uma norma para cumprirem ao educar as crianças. Daí o termo normalistas que surgiu posteriormente para se referir aos estudantes deste curso. No Brasil, inclusive, temos o célebre romance intitulado: A Normalista de Adolfo Caminha publicado em 1893.

No Brasil, o primeiro curso Normal foi implantado em Niterói em 1835. Em Minas Gerais em 1840 iniciou-se o primeiro curso em Ouro Preto, na época, capital mineira. Ao longo dos séculos XIX e XX, notadamente devido a influência francesa, as Escolas Normais expandiram-se no Brasil e tornaram-se o principal e maior espaço de formação de professores e professoras para o que atualmente denomina-se de Ensino Fundamental.

Desde suas origens em instituições religiosas e privadas até a posterior expansão e readequações que sofreu ao longo da sua história, o curso Normal sempre formou os professores necessários a escolarização da infância. Atualmente, diz-se que o egresso do curso Normal pode atuar na chamada Educação Infantil. Contudo, durante a maior parte da sua história os/as normalistas atuavam predominantemente como professores do antigo Primário atual Ensino Fundamental Anos Iniciais, do primeiro ao quinto ano, para crianças de 6 a 10 anos de idade.

Assim, é importante ressaltar que o curso Normal sempre foi uma formação para o trabalho docente, portanto um curso profissional, que durante a maior parte de sua história, foi desenvolvido fora do âmbito universitário. Isso se devia a uma questão de época, tanto no Brasil, quanto na França.

Nessa época, o chamado curso primário escolar era geralmente frequentado por crianças pobres, uma vez que as mais ricas estudavam em casa com preceptores particulares. Ao longo do século XIX essa realidade foi gradualmente sendo alterada, à medida que a frequência às escolas tornou-se obrigatória, como forma de socialização e formação da consciência cidadã, republicana e cívica. No Brasil, esse processo foi particularmente acelerado com a criação dos Grupos Escolares, notadamente, após a proclamação da república.

Assim, o Normal foi o primeiro curso de Educação Profissional da história. Posteriormente ele tornou-se, no Brasil, um dos principais ramos do Ensino Técnico de Nível Médio, juntamente com o Técnico Comercial, Industrial e Agrícola. Essa é a razão pela qual o Normal era quase sempre oferecido em escolas que possuíam igualmente o curso Primário. Havia a ideia de que os novos professores e professoras poderiam praticar ali mesmo o futuro ofício. Uma versão do que posteriormente ficou conhecida como Escolas de Aplicação. Uma incorporação parcial do que se convencionou definir como “formar no trabalho para o trabalho”.

Contudo, diferente do entusiasmo do início da sua história, ao longo do tempo o prestígio do curso Normal oferecido juntamente com as Escolas Primárias declinou e sua pertinência foi contestada. Dois fatores contribuíram para isso. Primeiro, o crescente reconhecimento da complexidade da profissão do magistério e consequentemente a exigência de uma formação mais ampla para esta. Isso terminou por propor que a formação de professores ocorresse no nível universitário o que deu origem as Faculdades de Educação e aos cursos de Pedagogia e posteriormente aos cursos de Licenciatura. Segundo, a expansão da rede universitária no Brasil e em diversas partes do mundo, o que ocasionou pressão para que a formação de professores fosse elevada do nível técnico-médio para a graduação-superior.

Foi a partir deste debate que no Brasil, acompanhando o cenário internacional, começou-se gradualmente a exigir formação superior em cursos específicos dos professores da Educação Básica e Profissional. Contudo, durante décadas no Brasil admitiu-se, a existência de professores com o curso Normal de Nível Médio atuando na Educação Básica, cada vez mais em caráter excepcional.

Tal exigência de formação universitária específica para o magistério teve um forte incremento com a criação dos primeiros cursos superiores de licenciatura no Brasil na década de 1930 e posteriormente com a ampliação destes, a partir da década de 1970.

Esse processo de ampliação da exigência de formação para o exercício do magistério no Brasil teve seu ápice na edição da LDB de 1996, quando foi determinado que até 2006, não deveria mais haver professores no país sem formação superior de graduação.

Tal dispositivo legal, se cumprido a rigor, significava que o curso Normal de Nível Médio desapareceria em dez anos. Contudo, não foi o que ocorreu. Nem o curso Normal desapareceu e nem o Brasil conseguiu formar todos os seus professores em nível de graduação-superior.

Neste momento, surgiu então o curso Normal Superior que durante um período ofertava a mesma habilitação do antigo Normal Médio, ou seja, exercício do magistério do Ensino Fundamental nos Anos Iniciais (crianças de 6 a 10 anos) e também da Educação Infantil (crianças de 0 a 5 anos), contudo, agora após a conclusão do Nível Médio, com ingresso via vestibular, já reformulado para ser um curso de graduação.

Essa experiência do Normal Superior, infelizmente teve vida curta e não conseguiu competir com as graduações em Pedagogia que tinham uma habilitação mais ampla e teve a preferência das instituições e dos novos candidatos.

Contudo, o curso Normal de Nível Médio continua sobrevivendo até a atualidade, notadamente, após o reconhecimento que o Brasil ainda precisa ampliar e avançar na oferta de vagas para a formação de quadros docentes. Tal constatação, inclusive, levou a flexibilização da LDB e suas exigências de formação para o magistério. Contudo, neste novo cenário o Normal de Nível Médio passou a formar profissionais para a Educação Infantil (0 a 5 a anos). É uma situação cheia de contradições, afinal Pedagogia, Normal Técnico e Normal Superior habilitam para o exercício do magistério. Importante ressaltar que a graduação em Pedagogia é um curso mais amplo e com outras habilitações.

Contudo, o abandono da experiência do Normal Superior, merece uma análise mais cuidadosa. O curso Normal Superior pode perfeitamente ser a continuidade do antigo Normal com algumas vantagens, se o primeiro incorporar parte do legado do segundo.

Nesta perspectiva, num país como o Brasil que carece de grande número de professores para a Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais, experiências valorosas do passado merecem um apreço mais cauteloso.

O Normal Superior, diferente da Pedagogia que é mais amplo e tem uma duração mais longa, pode ser uma versão de curso superior de Tecnólogo em Educação, semelhante a muitos deste tipo já existentes e que demonstraram sua pertinência. Ele seria um curso mais focado no magistério da primeira e segunda infância e que poderia ser ofertado em diversas instituições, e não apenas nas universidades e faculdades, como ocorria com o antigo Normal. Seria uma ampliação da oferta de vagas.

Não considero muito prudente fecharmos portas de formação de professores num país como o Brasil. Ademais, a ampla formação de professores via EaD (Educação a Distância), ao que tudo indica, não tem conseguido suprir a demanda. Por fim, acredito que professores formados nas próprias escolas de Educação Básica, enquanto grande laboratório prático, é uma ideia salutar que merece uma reflexão mais cautelosa antes de ser descartada. A própria história do antigo Normal evidencia isso.

Aqui, não está defendendo que professores devem receber uma formação técnica e não superior. Não é isto. Apenas que a longa história do antigo Normal tem algo a nos ensinar. Formar professores junto da Educação Básica é uma prática que já funcionou durante séculos e certamente louvável. Isso ocorre em outras áreas do conhecimento e outras profissões, como hospitais-escolas, para citar apenas um exemplo. Porque não podemos ter escolas Normais integradas/conjugadas as escolas da Educação Básica?

Sempre é importante lembrar que a categoria profissional de professores é uma das mais numerosos no Brasil e no mundo. A sociedade necessita de um grande número desses profissionais. Entre os professores aqueles que atuam na Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais são o maior contingente.  Então, não vejo problema em abrir mais portas de formação ao invés de fechá-las. Ademais, o Brasil possui 5.568 municípios e a maioria destes não possuem instituições de Ensino Superior, mas escolas de Educação Básica todos possuem, nas quais poderiam funcionar de maneira integrada/articulada um curso de Normal Superior.

Alguns dirão que esta proposta de recuperar experiências do passado é algo conservador e ultrapassado. Que o melhor são nossas práticas atuais. Será? O Brasil está indo tão bem que não precisa de mais alternativas de formação de professores? Será isso mesmo? Boas experiências do passado devem ser evitadas ou resgatadas?

Acredito que reler o passado com cautela e parcimônia é um ato de sabedoria. E como afirma-se o conhecido provérbio medieval. “É preciso tomar cuidado para não jogar o bebê fora junto com a água do banho”

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Por Editor1

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