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Nível Médio: início, fim, meio ou estratégico?

 

A reflexão no Brasil sobre o Nível Médio é quase sempre prisioneira ou refém de algumas armadilhas-intelectuais que merecem um combate decisivo caso deseje-se construir no país uma escolaridade de qualidade para todos.

Primeiramente dois pontos precisam ser urgentemente esclarecidos. O primeiro deles é que o Nível Médio possui variações internas que se originaram de modelos escolares que surgiram em momentos históricos e com objetivos diferentes. O segundo é que historicamente esta etapa foi vista como preparatória para finalidades que lhe são exteriores, e quase sempre indiferente as demandas típicas da faixa etária dos estudantes que a frequentam.

Dito de outro modo, uma etapa escolar voltada para objetivos externos, vestibular ou o mercado de trabalho, e que não considera as problemáticas e demandas típicas dos estudantes adolescentes.

Assim, o chamado Nível Médio, composto tanto pelo Ensino Médio Regular quanto pelo Ensino Técnico, surgiram historicamente separadamente e apenas no século XX convergiram para dentro da mesma etapa escolar. O primeiro surgiu na Europa medieval, quase sempre ligado as universidades, e historicamente se constituiu numa etapa preparatória para o ingresso nestas instituições. O segundo também surgiu na Europa, só que no século XVIII, antes da revolução industrial, e se ligou a preparação de jovens pobres para a inserção no trabalho, notadamente, para o trabalho manual ou concreto.

Como se pode observar os dois grandes ramos do Nível Médio, Regular e Técnico, surgiram historicamente voltados para objetivos exteriores e indiferentes as demandas de formação da personalidade e para a cidadania dos seus estudantes. O peso destes objetivos, vestibulares e o mercado, colonizaram o Nível Médio ou pelos menos lhe forçou a adequar-se e ajustar-se a eles, geralmente, de forma imperiosa.

Contudo, ao longo do último século muitas mudanças ocorreram tanto no Brasil, quanto no mundo. A educação universitária ganhou notável expansão e a escolarização básica para todos e para a cidadania se tornou uma realidade em muitos países, principalmente nos países desenvolvidos. O ensino técnico também sofreu o impacto destas mudanças e percebeu-se que ele não poderia ser mais um curso sintético e unicamente voltado para o mercado e dessa forma ignorando-se a formação para a cidadania do público que o frequenta.

Assim, para início de conversa é importante registrar então que as expressões Nível Médio e Ensino Médio embora relacionadas não são equivalentes. A primeira é mais ampla e dentro dela está contido a diversidade de cursos existentes entre o Ensino Fundamental e o Ensino Superior, entre eles o chamado Ensino Médio Regular.

Portanto, no Brasil, tanto na literatura científica quanto na legislação, verifica-se que a expressão Nível Médio refere-se à totalidade de cursos e modelos escolares existentes entre o Ensino Fundamental e o Ensino Superior.  Portanto, o Ensino Médio está dentro do Nível Médio, mas este último não se limita ao chamado Ensino Médio Regular.

Tais reflexões são valiosas para todos os educadores e também pais e estudantes do Nível Médio. A questão é simples, mas de impactos sociais consideráveis. O Nível Médio não pode ser encarado unicamente e exclusivamente apenas para fins que lhe são exteriores. Isso é prejudicial para os estudantes desta etapa escolar, notadamente, para os adolescentes.

É obvio que toda etapa escolar deve preparar os estudantes para as etapas subsequentes, seja a universidade ou a inserção no mercado, ou uma combinação desses dois objetivos. Mas, não pode se limitar a isso. O Nível Médio não pode ser visto com o fim da escolarização para aqueles que buscam inserção no mercado, nem apenas como o meio, o intermédio, para aqueles que buscam o Ensino Superior.

Ele deveria ser visto por educadores, pais, estudante e a sociedade como início da profissionalização, para aqueles que optaram pelo ramo técnico, e principalmente como momento estratégico da educação escolar por todos aqueles que estão cursando o Nível Médio, independente por qual modelo fizeram opção.

Mas porque estratégico? Primeiro porque o Nível Médio é a última etapa da Educação Básica ou Escolaridade Obrigatória. Isso significa que após esta etapa predomina-se uma formação profissional e facultativa, ou seja, irá cursá-la quem quiser ou puder acessá-la. Portanto, todo esforço para zelar, caprichar e tornar mais robusta a formação no Nível Médio é bem-vindo e saudável, pois a sociedade não tem garantias tácitas que os seus egressos irão continuar ou retornar aos estudos.

Segundo, o Nível Médio geralmente coincide com a formação da adolescência, etapa da vida e faixa etária decisiva da existência humana. Inúmeras decisões de vida, profissionais e escolares são tomadas nesta etapa escolar. No geral, o Nível Médio se mostra mais decisivo que o Ensino Superior. Portanto, deixar os estudantes desta etapa entregues a si próprios, é de certa forma uma maneira de consolidar as desigualdades sociais então existentes. Isso porque quando os adolescentes são imaturos ou não encontram espaços para refletirem e estabelecerem seus planos de vida e carreira, acabam prejudicados quando suas famílias não conseguem apoiá-los e instruí-los.

Portanto, o Nível Médio é estratégico no conjunto da escolarização brasileira. No Brasil, é necessário, trabalhar de forma mais detida e séria para torná-lo uma etapa escolar mais robusta, ampla, e condizente com as demandas do público que a frequenta e não somente orientada para objetivos externos e posteriores como tradicionalmente acontecesse. Esse é o primeiro passo.

E não estamos aqui dizendo que essa atual reforma dita Novo Ensino Médio, aprovada em 2017, irá resolver o problema, porque não irá. Ao contrário ela poderá até agravá-lo. Esta trata-se apenas de uma reformulação curricular barulhenta, que muito promete e pouco cumpre, e que obviamente não tem condições de resolver problemas estruturais que o Nível Médio enfrenta. Carga horária insuficiente, ausência de disciplinas vitais (economia, antropologia, noções de direito, entre outras), falta de professores, prédios inadequados, bolsas para estudantes carentes entre outras tantas deficiências. Disciplinas novas com “nomes lindos” e carga horária pífia, ministradas por professores que não receberam formação para executá-las é uma demagogia grosseira bruxuleante e que nada concretiza.

Enfim, por uma Educação Integral para todos, inclusive, no Nível Médio. Momento estratégico da formação escolar brasileira.

 

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Por Editor1

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