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A história é de todos

 

Quem é o dono do passado humano? Essa pergunta é cabível? Alguém pode ser considerado o proprietário do que ocorreu com a humanidade ao longo dos séculos?

Aqui dois esclarecimentos são necessários. Primeiro que a palavra história tem vários significados. Ela pode significar tanto a vivência humana ao longo do tempo, a história-vivência, quanto a ciência que estuda e explica o que ocorreu com a humanidade, a história-ciência. Essa polissemia de sentidos precisa ser lembrada, pois pode induzir a erros e confusões.

Esses dois esclarecimentos nos levam a outra pergunta igualmente importante. Alguém tem mais direito, mais crédito, mais conhecimento, mais autoridade para explicar e interpretar o que ocorreu no passado humano?

Essa é uma questão delicada que muitos evitam. Diversas pessoas e profissionais lidam com o passado, a intepretação do que ocorreu ao longo dos séculos e milênios. São eles: historiadores, memorialistas, jornalistas, diletantes, militantes, entre outros. Além destes o cinema, a mídia, a TV, literatos, os movimentos sociais, os partidos políticos, todos também constroem e propõem explicações para o passado.

Dito isto uma pergunta torna-se inevitável: quem entre todos esses profissionais citados possui a melhor, a mais correta, a mais plausível explicação sobre o passado? Questão dificílima, mas que precisa ser abordada.

Decididamente não se trata da melhor e mais correta intepretação sobre o passado humano e o porquê dos caminhos humanos trilhados outrora. Trata-se da explicação mais plausível, ou seja, aquela elaborada a luz das experiências já acumuladas na intepretação de diversos episódios humanos, que considera os avanços de outras Ciências Humanas, e condizente com achados científicos diversos. Essa é a questão.

Quando um cineasta disponibiliza um filme histórico sobre determinado episódio do passado humano eles geralmente avisam aos espectadores que se trata de uma visão, de uma interpretação sobre o que ocorreu em determinado local e época. Alguns não avisam é verdade. Contudo, o cinema, a literatura, a militância política tem outros compromissos que não a exatidão, a correção e a plausibilidade histórica. Não estou dizendo que eles são mentirosos e fantasiosos.

Essa questão é difícil. Mas, resta a dúvida. Quem são os profissionais especializados e formados academicamente e cientificamente para interpretarem, descreverem e explicarem o passado humano? A resposta é: os historiadores.

Isso significa que a explicação dos historiadores é melhor que aquela ofertada por outros profissionais. Conforme, já explicado não se trata de melhor. O cineasta e o historiador possuem objetivos diferentes. Ligam-se a compromissos diferentes. Assim, como os médicos não são os únicos a lidarem com as doenças. Curandeiros, milagreiros, alguns sacerdotes, entre outros, também lidam com o adoecimento.

Atualmente, todos sabem que a verdade completa, absoluta, irretocável sobre o que aconteceu no passado é tarefa inalcançável para todos os seres humanos. As Ciências Humanas não são exatas, mas também não são aleatórias e arbitrárias e caprichosas.

A explicação do cineasta e do literato podem estar romanceadas, esteticamente muito aperfeiçoadas, enquanto historiadores podem produzir textos que são mais descritivos, analíticos e interpretativos.

Enfim, realmente o passado humano não pertence exclusivamente aos historiadores. O história-vivência, ou passado humano, pertence a todos, as gerações do presente e do futuro. Portanto, ninguém pode monopolizar o direito de ser o único intérprete do passado.

Essa é uma questão bem assinalada e destacada na atualidade. Contudo, a partir desta constatação também acreditar ou pregar que todas as interpretações sobre o passado possuem o mesmo status é uma afirmativa incorreta, perigosa e que inclusive pode ocultar interesses políticos escusos, pessoas interessadas em desvirtuar a compreensão do passado para servir a seus propósitos.

Num mundo atual onde os negacionismos históricos são uma triste realidade é preciso esclarecer todas essas questões. Algumas explicações dos historiadores, da história-ciência, desagradam setores poderosos e estes quando contrariados disparam críticas e ataques a academia e aos historiadores.

Contudo, a explicação disponibilizada pelos historiadores é pautada pela plausibilidade, pela observância de diversos critérios científicos, pelo cruzamento de diversas fontes, pela comparativismo das interpretações, pela circunspecção.

Isso dito, significa que até a produção dos historiadores, seus textos e sua ciência, também se tornam patrimônio de toda a humanidade, como aliás, ocorre com as demais ciências. O conhecimento humano é um Patrimônio da Humanidade e a produção dos historiadores também pode ser aí incluída.

Portanto, tanto a história-vivência quanto a história-ciência pertencem a todos. Mas isso significa que os historiadores, assim com a sociedade, precisam se conscientizar, cada vez mais, da importância, da diversidade de intérpretes do passado humano e suas características.

E se o ser humano é controverso, emocional, racional, ambíguo o que nos autoriza a pensar que sua história não teria também essas características. Doce ilusão.

A história é todos, com suas glórias e mazelas, seus momentos de júbilo e de tristeza. Um patrimônio universal.

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 

 

 

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