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dor da ciência

 

Por que existem pessoas que desacreditam a ciência? Por que alguns desdenham e desmerecem certas descobertas e achados científicos? Por que existem os negacionismos que infelizmente são tão comuns na atualidade e que rejeitam sem provas e evidências o conhecimento científico? Por que existem pessoas que vivem semeando dúvidas onde a ciência encontrou certo consenso?

Essas perguntas se referem a uma questão difícil de ser abordada, porém importantíssima na atualidade. Essa reflexão poderia ser expressa de outra forma por meio da seguinte indagação: Como deve ser nossa relação com a ciência? Alguns diriam: Como deve ser nossa cultura científica?

Primeiro, é preciso explicar que o termo ciência aqui está sendo utilizado na sua definição mais geral e neste sentido significa todo conhecimento produzido pelos seres humanos, daí dizer-se que todas as ciências são humanas. Contudo, o senso comum, a religião, as artes também são produtos da ação humana que, no entanto, diferem da ciência.

O conhecimento científico é produzido a partir da realização de pesquisas pautadas em metodologias conhecidas, de uma revisão daquilo que já é conhecido e sabido sobre os temas estudados, o chamado Estado da Arte ou do Conhecimento, e com o objetivo de ampliar ou corrigir o conhecimento disponível sobre os mais variados assuntos.

Assim, ao contrário do que o imaginário popular e o senso comum, às vezes, postulam e apregoa, os cientistas são todos os pesquisadores que trabalham de forma metódica e rigorosa, e não apenas aqueles das Áreas Médicas, Química e Ciências Naturais que frequentam laboratórios com microscópios e cheios de frascos. Cientistas não são apenas aqueles que se vestem de branco. Essa é uma imagem bastante estereotipada do que seja a ciência.

Portanto, existem diversos cientistas que não usam roupas brancas, como os praticantes das Ciências Econômicas, Ciências Jurídicas, Ciências Sociais e Ciências Humanas, entre tantas outras. A ciência é um grande empreendimento humano cujo grau de compreensão de seu funcionamento pode variar entre seus praticantes, bem como, varia muito também a compreensão e consciência que estes possuem sobre seu papel social e os impactos de suas pesquisas na sociedade.

Outra questão importantíssima é compreender se a palavra ciência deve ser usada no singular ou no plural. Esse é um debate importante para a sociedade e para a formação de novos pesquisadores. Na verdade, as duas formas são corretas, mas cada uma tem sua utilização. Quando me refiro ao conhecimento científico, a ação humana de pesquisar em busca de conhecimento e soluções para nossos problemas geralmente a palavra é utilizada no singular. Fala-se da ciência, do esforço humano em conhecer e intervir na realidade. No entanto, a pesquisa científica na atualidade se divide e se subdivide em inúmeros ramos e especialidades, daí se falar em ciências no plural. Todos os cientistas são pesquisadores, mas cada um se dedica a um tema e também podem possuir objetivos diferentes. Neste caso utiliza-se a palavra no plural.

Ainda não existe uma classificação das ciências universalmente aceita por todos os pesquisadores mundo afora. Existem divergências e o tema é controvertido em certos aspectos. Contudo, esse debate não é novo. Desde a Antiguidade, diversos filósofos se debruçaram sobre a tarefa de ordenar, classificar e tipificar o conhecimento científico. Nomes famosos como Aristóteles, Platão, Francis Bacon, Auguste Comte, Herbert Spencer, André-Marie Ampère, Rudolf Carnap, Mário Bunge, Wilhelm Maximilian Wundt e Eva Lakatos, entre tantos outros possíveis, já escreveram sobre essa questão.

No Brasil, atualmente utiliza-se a Tabela de Áreas do Conhecimento, ou Árvore de Especialidades do Conhecimento, que foi organizada e publicada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ela divide o conhecimento científico em 9 Grandes Áreas, 76 áreas e 340 subáreas. Essa tabela atribui um nome e uma numeração para cada especialidade.

Portanto, observa-se que o conhecimento científico é na atualidade um empreendimento complexo e colossal que contribui enormemente para a sociedade. Isso nos permite retomar as perguntas anteriores levantadas neste artigo. O que provoca as resistências a ciência e seus resultados práticos e teóricos?

A história é longa, mas existiram diversos cientistas que enfrentaram problemas, dissabores, resistências e até perseguições por suas pesquisas e seus achados científicos. Sócrates, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Galileu Galilei, Charles Darwin e Karl Marx, entre tantos outros, são apenas alguns exemplos famosos dessa triste história.

A resposta para as questões deste artigo é a chamada “dor da ciência” ou “dor do conhecimento”, também chamada de “dor da verdade” revelada pelas pesquisas científicas. De modo geral refere-se aquelas pesquisas que demonstram ou contrariam certas práticas, crenças e ideias que muitas pessoas e grupos sociais não apreciam verem contestadas, ou seja, quando a ciência colide com certas crenças e valores.

Ocorre que muitos achados e descobertas científicas contrariam, questionam e até contradizem muitas de nossas certezas. Nesses momentos instala-se uma tensão e muitas pessoas reagem a ciência de formas variadas, que vão desde a revisão de seus conceitos, passando pelo ceticismo até à negação da ciência e até perseguição dos pesquisadores.

No livro intitulado Histórias, do historiador grego antigo chamado Heródoto ele narra um diálogo famosíssimo entre o filósofo e legislador Sólon e o rei Creso da Lídia, na atual Turquia. Nele, o rei pergunta a Sólon qual era sua profissão e ocupação. Ele então responde que diferente do que diziam a seu respeito ele não se considerava o homem mais sábio do mundo, apenas que era um investigador em busca da verdade, mesmo que esta, muitas vezes, se mostrasse terrivelmente dolorida.

Realmente é uma situação muito difícil e até desagradável, tanto para cientistas quanto para eventuais desagradados ou contrariados, afinal, todas as pessoas merecem respeito e consideração. Portanto, a “dor da ciência” realmente é um dilema muito difícil, pois pode incomodar muitas pessoas inclusive o próprio cientista autor de sua revelação e apuração. Contudo, não é sempre que essa situação ocorre e em alguns momentos acontece o contrário quando a ciência inclusive se torna celebrada e até ovacionada por colaborar na solução de graves problemas sociais ou econômicos. Nesta perspectiva, alguns cientistas se tornam celebridades populares.

Essa questão do papel da ciência na sociedade contemporânea é um debate importante para todos e não apenas para cientistas e futuros pesquisadores. Sabe-se que o conhecimento científico não é infalível e que a ciência é corrigida por ela própria, pesquisas corrigem pesquisas, ciência corrige a própria ciência. Neste sentido todas as ciências são humanas e nenhuma é exata, acabada, perfeita, irretocável.

Portanto, a voz dos cientistas não pode ser ignorada e nem tomada como mandamento impositivo sem apreciação ética. Deve-se primar por uma relação ética e crítica com relação a ciência. Agora, relação crítica não é negacionismo. Recusar os achados de determinadas pesquisas científicas sem provas, evidências ou outras pesquisas que fundamentem tal atitude é uma postura perigosa e desprovida de racionalidade, ética e responsabilidade social.

Enfim, um debate sobres as dores da ciência é uma tarefa necessária e difícil, que necessita de honestidade intelectual de todos os envolvidos e uma visão ética e solidária para com a sociedade. Afinal, fazer ciência é contribuir para um mundo melhor.

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 

 

Por ego

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