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Educação Profissional e os interesses de mercado: compatibilidades, incompatibilidades e ilusões

 

 

Este artigo tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre uma questão seríssima, quase sempre abordada de maneira superficial e geralmente privilegiando os interesses da época atual e do mercado financeiro, ou mercado capitalista, em prejuízo do futuro da sociedade. O tema é a Educação e a questão é quais finalidades ou objetivos ela deve almejar. Aqui, neste artigo a reflexão tratada é aplicável a toda Educação, mas neste caso específico, o foco principal é a Educação Profissional.

Costumeiramente as pessoas, e até alguns educadores, consideram a Educação Profissional e a Educação Superior como formas escolares diferentes, embora, as duas formem igualmente para o Trabalho, formem novos profissionais, ou promova o aperfeiçoamento e especialização dos profissionais já atuantes. Porque isso ocorre?

Historicamente a Educação Superior surgiu primeiro e hoje ela se refere aos cursos superiores ou de graduação, a chamada Faculdade, que na atualidade no Brasil possui três modelos: cursos de Bacharelado (Medicina, Direito, Engenharias, Administração….), Licenciaturas (formam professores: Matemática, Língua Portuguesa, História….) e Tecnólogos (Tecnólogos em Gestão Financeira, Turismo, Alimentos….).

A chamada Educação Profissional surgiu posteriormente e hoje no Brasil se refere a uma ampla gama de cursos que possuem formatos e durações variáveis, que vão desde os cursos Técnicos (Subsequente, Concomitante e Integrados), até cursos de qualificação, capacitação, aperfeiçoamento, aprimoramento, aprofundamento e atualização, entre outros, também chamados de Formação Inicial e Continuada (FIC), ou Qualificação Profissional, que também compõem a Educação Profissional. No Brasil existem hoje formalizados e regulamentados mais de 600 cursos do tipo FIC. Esses últimos tem carga horária bastante variadas e exigem graus de escolaridade diferentes para admissão.

Assim, geralmente quando se fala de Educação Profissional podemos pensar esse conceito de modo Amplo (lato) ou Restrito (stricto). De modo amplo significa agrupar num só conjunto, num mesmo tipo escolar, todos os cursos que formam para o Trabalho, desde cursos FIC até o Doutorado, cursos Técnicos e de Graduação, por exemplo. Tal definição é possível se considerarmos o que todos esses cursos tem em comum, ou seja, formam para o Trabalho. Contudo, alguns consideram inapropriado e excessivo reunir estudantes de doutorado e de cursos técnicos sobre o mesmo rótulo, na mesma categoria. Acham que isso pode depreciar os primeiros. Penso que não. Todos estão sendo educados para exercerem funções no Mundo do Trabalho e alguns estão se aperfeiçoando e se especializando para novas possibilidades profissionais.

Para todos que consideram esse conceito amplo inaplicável, utiliza-se então, a Educação Profissional de modo Restrito (stricto), que significa todos os cursos do tipo FIC, cursos Técnicos e superiores chamados Tecnólogos, Especialização, Mestrados e Doutorados apenas do tipo profissional. Ela pode demandar, ou não, escolaridade prévia. A Educação Profissional no sentido Restrito (stricto) não incluiria, por exemplo, bacharelados, mestrados e doutorados acadêmicos.

Essa distinção entre Educação Profissional no sentido Amplo (lato) e outra no sentido Restrito (stricto) tem a ver com história desta forma de Educação escolar.  Aqui é preciso dizer que elas surgiram separadamente e em momentos históricos diferentes, cursos técnicos e superiores, principalmente, devido a preconceitos que rondam o Mundo do Trabalho, desde a Grécia Antiga, notadamente relacionados ao trabalho manual ou concreto.

Apenas no século XX surgiram as condições políticas, intelectuais e materiais para a percepção dos pontos comuns entre elas e estabelecimento de um pensamento educacional utilizável em ambas. Ou seja, apenas no século XX tornou-se possível pensar a Educação Profissional como realidade única, de modo Amplo (lato), ainda que contenha diversidade em seu interior.

Explicada então essa pretensa divisão que ocorre na Educação Profissional algumas perguntas sobre suas finalidades então se impõe. Na Educação Profissional, em sentido Amplo (lato), os interesses de mercado, dos estudantes ou da sociedade é que devem prevalecer? Educar para a vida e para a cidadania ou para ocupar um lugar no mercado de trabalho? Esses objetivos educacionais são compatíveis ou incompatíveis? Tal compatibilidade é uma ilusão ou uma possibilidade real?

Essas perguntas são difíceis e reflexivas. Muitos reclamam que elas embaraçam nossa percepção. Alguns argumentam que numa sociedade capitalista o importante é conseguir uma colocação no mercado de trabalho e ter uma renda para poder consumir. Alguns chegam a dizer, ou constatar, que consumir é viver. Aquele que consome muito, ou pode consumir, vive bem. Será? O importante é ter prestígio em sua época ou se deixar levar por conceitos como ética, sustentabilidade, responsabilidade social, trabalho, democracia e outros relacionáveis? Se todos os indivíduos se comportarem desse modo consumista, que tipo de sociedade teremos no presente e no futuro?

Se acreditarmos que o objetivo da Educação Profissional é apenas conseguir um lugar no mercado de trabalho, então, conceitos como empregabilidade, empreendedorismo e Teoria do Capital Humano (TCH), tem grande valor e centralidade. Esses nos ajudam a entender para onde direcionar os esforços para alcançarmos um lugar no mercado, seja como empregados (empregabilidade) ou como donos do próprio negócio (empreendedorismo). A Teoria do Capital Humano que fundamenta todo esse modo de pensar nos diz que investimentos em Educação direcionados para o atendimento das demandas de mercado podem tornar os indivíduos mais produtivos o que pode influenciar e ampliar as taxas de crescimento econômico de determinados países ou empresas.

Mas então eis que surge uma pergunta: a vida humana pode se restringir as demandas de mercado? Isso não quer dizer que os conceitos de empregabilidade, empreendedorismo e TCH estejam incorretos. Apenas que sua aplicação a Educação, seja ela Básica ou Profissional, é de alcance limitado. Dito de outro modo, tais conceitos são insuficientes para fundamentar e justificar um projeto de Educação Escolar plena e cidadã, notadamente, se estatal, público e destinado a adolescentes e jovens cuja vida está inteira pela frente. Você gostaria que seu filho recebesse uma formação parcial para ocupar um lugar no mercado de trabalho ou uma Educação Integral para a vida, a cidadania e o Mundo do Trabalho?

Muitas pessoas confundem interesses de mercado com interesses sociais, interesses imediatos com formação para a vida cidadã. O mercado de trabalho não corresponde a toda vida social, mas apenas uma parte dela. O mercado de trabalho não corresponde, nem mesmo a todo o Mundo do Trabalho. O Mundo do Trabalho corresponde a todas as formas de Trabalho, remunerados ou não, produtivos ou não, socialmente valorizados ou não. O mercado de trabalho é apenas a parte mercantilizável do Mundo do Trabalho.

As pessoas geralmente confundem Sociedade, Estado e mercado como se fossem sinônimos ou equivalentes. Confusões graves, que se levadas a sério podem ser desastrosas. Veja bem. Aumentar as vendas é fundamental para o mercado.  Certo? A resposta é sim. Mas as vendas de que? Armas, drogas, cigarros ou alimentos e livros?  Se para o mercado a diferença é pequena e ajustável para a sociedade não é a mesma coisa. O aumento do consumo de drogas e armas podem levar a vida social a situações perigosas, por exemplo. Nem tudo que é bom para o mercado é necessariamente desejável para a sociedade. Muitas vezes ocorre o contrário. Quais interesses devem prevalecer? Da sociedade ou do mercado?

Precisamos de um grande número de trabalhadores empreendedores e com empregabilidade ou de trabalhadores cidadãos? O que é melhor para quem?

É comum certas escolas profissionais, empresários e até políticos prometerem empregos para jovens que se tornarem empreendedores e acentuarem sua empregabilidade. Alguns chegam a afirmar que quando a Educação Profissional forma de acordo com as demandas de mercado, sintonizada com o mercado, a chance de colocação no mercado é maior. Isso é uma meia verdade. Porquê?

Ocorre que a formação muito centrada em interesses imediatos tem vida curta, ou data de validade pequena, e logo esses profissionais e seu saber se desatualizam e eles acabam não conseguindo aprender por conta própria. Eles não aprendem a aprender e ficam eternamente dependentes de novas formações e atualizações. Uma espécie de círculo vicioso.

Qualquer cidadão que não receba uma Educação Integral fica com sua formação comprometida. Isso significa que não basta aprender a operar máquinas e executar procedimentos e protocolos, é preciso conhecer seus fundamentos, os embasamentos do Mundo do Trabalho. E também os fundamentos da vida contemporânea: ciência, cultura, tecnologia, trabalho, direitos humanos e democracia.

A educação escolar pode atender as demandas de mercado, da sociedade e dos estudantes desde que seja estruturada para tal e tenha tempo suficiente para formar os jovens para todas essas necessidades. O atendimento a esses objetivos é compatível. Contudo, para isso é preciso que os educadores que atuem no “chão da escola” estejam atentos a todos esses objetivos e finalidades e que compreendam que os interesses sociais de longo prazo não podem ficar esquecidos ou deixados no segundo plano em prol de objetivos imediatistas.

Pois bem, educar as novas gerações não é tarefa fácil. Isso é sabido desde o Egito Antigo. E não é agindo irresponsavelmente com o futuro e com as novas gerações que iremos resolver os problemas. Enfim, a Educação Profissional, Ampla (lato) ou Restrita (stricto), não pode se limitar ao atendimento dos interesses de mercado. Portanto, é importante reconhecer sem rodeios e ilusões que aquilo que estamos fazendo pela Educação na atualidade no Brasil é insuficiente. E procuremos mudar o mais rápido possível uma mentalidade que tem nos presenteado com muitos dissabores.

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 

 

Por Editor1

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