Logo Jornal Interação

 

Como é realizada a pesquisa sobre o passado humano?

Como podemos conhecer o que ocorreu no passado?

 

Estas perguntas são comuns nos meios estudantis e mesmo entre as pessoas que geralmente são curiosas para saber como os historiadores obtêm suas informações sobre o passado humano.

Como podemos saber sobre episódios que ocorreram a dois mil anos atrás? E aqueles de dez mil anos? Como podemos fazer afirmações sobre acontecimentos da época egípcia? E de onde vieram as informações sobre os hititas? E o que significa Machu Picchu no Peru?

Quando lemos um livro de história algumas pessoas se perguntam se aquilo que está escrito corresponde à verdade. Como podemos saber tantas coisas sobre o passado?

Primeiramente é preciso esclarecer que essa desconfiança crítica é saudável até certo ponto. Chamamos de ceticismo essa cautela, esse receio, em acreditar. Contudo, quando ela extrapola os limites razoáveis e se transforma numa atitude extremada que tudo desacredita ela pode se tornar perigosa. Porque?

O motivo é simples. Existem certas afirmações e certas fontes para o estudo do passado humano que são amplamente conhecidas. Por exemplo, as pirâmides do Egito sobrevivem até a atualidade e as ruínas de Machu Picchu foram encontradas no alto das montanhas no Peru. Ambos os monumentos podem ser visitados até hoje. Temos inúmeros livros, cartas, documentos, papiros e outros documentos que remontam a época do Império Romano. Todos esses exemplos são fontes para o estudo do passado humano.

Algumas pessoas negam a existência de certas fontes ou movidas por suas conveniências políticas ou até religiosas desacreditam em certos vestígios do passado humano sem oferecer argumentos palpáveis para isso. É uma atitude que se chama habitualmente de negacionismo, quando a negação não é baseada em pesquisa científica, mas pautada em valores morais, religiosos e políticos. Ou seja, algumas pessoas desconfiam de tudo que lhes desagradam. Tal postura é perigosa. Trata-se de recursar-se de enxergar aquilo que a pesquisa científica já conseguiu esclarecer sobre o passado humano.

Nosso conhecimento sobre o passado humano é completo e definitivo? A resposta para essa pergunta é não. Os historiadores recebem formação científica na área de humanidades para fazerem seus estudos. Contudo, de tempos em tempos encontramos novas fontes que estavam perdidas, sejam enterradas ou mesmo guardadas em arquivos e bibliotecas particulares e que não encontravam-se disponíveis para o estudo e, portanto, para auxiliar na ampliação de nosso conhecimento sobre o passado humano.

Novas fontes podem levar os historiadores a revisarem suas explicações sobre o passado humano. Isso não ocorre apenas com a História, mas também, com a área criminal, por exemplo. Quanto encontramos novas provas de inocência ou culpa de determinada pessoa um novo julgamento pode ser requerido e novos resultados podem ser alcançados. Isso não significa que o primeiro trabalho foi malfeito ou desperdiçado, apenas que não dispúnhamos de certas informações que surgiram depois.

Outra forma de se chegar a novas conclusões sobre o estudo do passado humano é a constante revisão sobre as interpretações. A História, melhor seria dizer as Ciências Históricas, é uma disciplina científica e, portanto, seus profissionais podem, à luz de novos conhecimentos, rever certas explicações. Isso ocorreu, por exemplo, com a história do trabalho infantil. Durante séculos ele foi visto como uma prática normal e até louvável. Contudo, depois da Revolução Industrial as jornadas de trabalho excessivas começaram a prejudicar drasticamente as novas gerações. Somado a isso a psicologia e a medicina fizeram diversas descobertas sobre o desenvolvimento do corpo humano e perceberam que a infância era uma etapa da vida decisiva para nossa constituição física e mental. Tudo isso levou a reescrita da história do trabalho à medida que o trabalho infantil começou a ser revisto.

Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados. A ausência da democracia e da liberdade individual começaram a ser notadas cada vez mais à medida que se tornaram componentes sociais cada vez mais valorizados e importantes ao longo do século XX. Foi a partir daí que começou-se a escrever sobre as atrocidades de certos autoritarismos presentes na sociedade e nos governos.

Assim, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, nossa visão sobre o passado humano não é fixa, imutável e definitiva. Novas fontes e novas abordagens nos obrigam a revisitar o passado e refazer nossas explicações.

Mas será que todas as explicações sobre o passado são igualmente válidas? A resposta para essa pergunta é decididamente negativa. Escrever uma explicação histórica sobre qualquer episódio é tarefa complexa e difícil. Muitas pessoas se embaraçam quando resolvem escrever a história de suas próprias vidas, sua autobiografia. De repente percebem que faltam muitas informações, que certas atitudes que tiveram no passado não conseguem explicar e tem alegrias e tristezas para narrar que podem bloquear uma análise criteriosa.

Desse modo, não são todas as interpretações que são possíveis. Nem todas são plausíveis. Algumas são fantasiosas, maldosas e interesseiras e desprovidas de qualquer cuidado e zelo científico. Muitas estão em discordância com uma série de fontes existentes ou mesmo com outras interpretações que já foram testadas e averiguadas e sobreviveram as críticas e contestações. Na atualidade, com a internet, existem pessoas que fabricam ficcionalmente explicações amalucadas e bizarras sobre episódios do passado e as divulgam para leitores que precisam ser educados e críticos para não serem vítimas de tais pseudo-interpretações. Algumas mentem tanto que acabam acreditando nas próprias mentiras.

Essa é uma das razões pela qual o ensino de história cumpre importante função social e cultural. As pessoas têm o direito de receberem uma formação básica na área de história até para saberem minimamente discernirem sobre a qualidade das das informações que recebem sobre o passado humano independente do tempo, espaço ou contexto político.

Sem uma educação histórica, os cidadãos poderão ter inclusive sua própria localização na época histórica em que vivem comprometida. Portanto, tanto a tarefa do historiador quanto a do professor devotado ao ensino de história constituem práticas de grande relevância social e cultural.

Afinal, cada nova fonte pode nos obrigar a rever nossa interpretação sobre o passado humano e cada cidadão que não sabe se orientar no conjunto da história humana pode ter sua vida comprometida e até desperdiçada.

O passado humano pesa sobre nós, queiramos ou não, compreendemos ou não esse fato. E não é a ignorância e o negacionismo que irá nos bem-conduzir rumo ao futuro que desejamos. É a ciência com o conhecimento que produz que pode ser nosso guia na construção de uma nova história. Enfim, um futuro diferente daquilo que nos envergonha no passado.

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 

Por ego

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *