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Ensino de História e cultura visual – Parte I

 

Os desafios colocados ao ensino de história nas sociedades contemporâneas não são poucos e nem fáceis. Diuturnamente os professores de história na Educação Básica e mesmo na Educação Superior são confrontados com situações difíceis que requerem repensar tanto a forma como o ensino é ministrado, quanto a disposição e distribuição do conteúdo. São situações que instigam, exigem compromisso com a disciplina de História, mas também com os estudantes que são o público destinatário do trabalho docente.

Entre esses desafios está posto a questão da cultura visual. Vivemos neste início de século XXI algumas mudanças que tem dado ênfase e colocado bastante evidência na visualidade, nas imagens, na sociedade dita globalizada ou pós-moderna, como nos lembra, por exemplo, o historiador francês Roger Chartier.

Diferente de outros momentos históricos onde a palavra escrita, seja nos livros convencionais ou livros didáticos, prevalecia no mundo escolar, hoje temos a presença em sala de aula de outros elementos que priorizam o visual e a imagem como predominantes. Computadores, cinema, TV, internet e os celulares, dentre outros recursos.

Alguns estudiosos como Gerbem Zaagsma ressaltam que vivemos num mundo atual onde o visual, mediatizado ou não pelas chamadas TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) ou TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação), adentram o cotidiano de bilhões de pessoas mundo afora. Na China, para se ter uma ideia, o vício em internet começa a ser visto como problema de saúde pública. Inclusive, e a OMS (Organização Mundial da Saúde) recentemente cogitou classificar o vício em jogos digitais como uma doença com direito a inserção no CID (Classificação Internacional das Doenças). Sejam imagens fixas ou em movimento, a cultura visual é uma marca da contemporaneidade.

Mas a cultura visual não é uma invenção da atualidade e não está presente apenas nas TICs ou TDICs. Mas, um ponto digno de nota é que a cultura visual é uma realidade presente na vida dos estudantes e está presente nas escolas, e, portanto, o ensino de história não deve se esquivar de abordá-la. Afinal, é esperado que os estudantes, notadamente da Educação Básica, encontrem no ensino de história uma interlocução crítica e ancorada na ciência para os acontecimentos, mudanças e permanências que acontecem no Tempo Presente. Enfim, a dinamização da cultura visual na atualidade é um acontecimento que interessa aos historiadores sobre diversos prismas: história cultural, história do cotidiano, história do Tempo Presente, mas também e, em específico ao ensino de história.

Os estudiosos Anita Lucchesi e Dilton Maynard ressaltam, por exemplo, que os desafios colocados na atualidade devem ser abordados com abertura e reflexão pelos professores de história, e também com zelo, capacidade experimentativa  e a  criticidade que é uma das características da disciplina de História. Afinal, vivemos uma época em que muitas vezes a criticidade fica sonegada e como bem exemplificou o estudioso português Antônio Marques, a superficialidade, infelizmente, é uma das marcas de nossa época.

A cultura visual, tanto pode ser fonte para os historiadores, como ocorre na utilização destas como recursos para a escrita da história, quanto material para utilização no ensino de história. No estudo da história antiga, medieval e mesmo no estudo da pré-história a utilização da produção visual não é novidade. No caso da pré-história, por exemplo, os estudos da arte rupestre estão consolidados e realizados tanto por historiadores, quanto arqueólogos, antropólogos e estudiosos da arte e da estética.

A utilização de imagens, por exemplo, não é nenhuma novidade no ensino de história. Há décadas, por exemplo, os livros didáticos são confeccionados com diversas imagens e ilustrações, que corroboram, ilustram e até ampliam a compreensão de certos acontecimentos históricos.

Contudo, conforme bem observou Roger Chartier as imagens têm potencialidades e limitações. Um exemplo disso é o caso do estudo da pré-história que utiliza-se de imagens de arte rupestre em livros didáticos que precisam ser bem contextualizadas pelo professor. Afinal perde-se nas reproduções fotográficas colocadas nos livros aspectos como textura, profundidade e localizações destas imagens nos seus locais de origem, entre outras informações. As imagens precisam ser trabalhas, examinadas e criticadas e como nos ensinou o historiador francês Marc Bloch elas “não falam por si mesmas”.

Assim, o professor de história na atualidade se defronta com algumas mudanças sociais que o ensino de história não deve ignorar, e sim procurar refletir e trazer a expertise de sua disciplina para ajudar a compreender o mundo no qual estamos inseridos.

Nesta perspectiva, encontra-se consolidado na área de História e mesmo no ensino de história o uso do cinema. Há décadas os historiadores já discutem, interpretam e problematizam as telonas. Eles abordam em seus trabalhos tanto o conteúdo abordado nos filmes, quanto a história da peça cinematográfica, se esta fez sucesso comercial, público, críticas recebidas, quanto as questões estéticas de sua construção.

Contudo, como bem ressaltou, Lucchesi e Maynard, vivemos um momento histórico em que as pessoas estão cada vez mais ligadas às telinhas de celular, e não tanto, as telonas do cinema. Esses mesmos autores lembram que vivemos uma espécie de “era do touch” onde os botões gradualmente vão deixando de serem utilizados.

Aqui não se trata de julgamento ou apreciação, mas de uma constatação. Conforme enfatizou a historiadora Circe Bittencourt, desde meados do século XX, estamos numa sociedade que cada vez mais “’aprende com os olhos”. Enfim, independente das mudanças e permanências ocorridas na sociedade na atualidade, trata-se, sem dúvida, de um desafio, tanto para a História do Tempo Presente quanto para o ensino de história. Não é possível deixar o mundo fora da sala de aula, notadamente na Educação Básica.

Assim, o fato de ter que lidar com a cultura visual impõe, ao professor de história e também a área de formação de professores, inúmeros desafios. Pois, além de conhecer e interpretar essa cultura, tarefa por si só trabalhosa, é preciso também pensar sobre que pressupostos ela deve ser abordada. Uma questão importante para os professores de história é trabalhar com os estudantes a construção histórica ou a constituição histórica da cultura visual.

(Dessa forma, é tratar em sala de aula a historicidade e como nos mostra Foucault a contingência da história. Alguns discursos normativos sobre a suposta superioridade da cultura visual sobre a cultura escrita, para citar apenas um exemplo, precisam ser abordados criticamente. Afinal, não se trata de apreciar o mérito do que é melhor ou pior, comparações difíceis e nem sempre produtivas, mas de procurar compreender criticamente a cultura visual inserida em nossa época.

O historiador francês Roger Chartier ao abordar a história do livro e da leitura, por exemplo, procurou tratar desde os manuscritos antigos em pergaminho até as leituras digitais evidenciando, entre muitos aspectos, que as imagens também podem ser lidas, interpretadas e criticadas.

O estudioso Gerbem Zaagsma, propõe um hibridismo ao referir-se ao ensino na atualidade. Quando sugere tal medida refere-se a duas realidades atuais. Primeiro, a internet e as mudanças que esta acarretou e em segundo, a cultural visual veiculada através das TICs. Argumenta o referido autor que no ensino, incluindo o ensino de história, pode-se articular o novo e o velho, os analógicos e os digitais. Assim, se a cultura visual é uma característica de nosso tempo, então o professor deve abordá-la, ainda que não necessariamente faça uso dela, ou a utilize de maneira comedida ou seletiva. Essa é uma reflexão necessária a área de ensino.

Deste modo, uma questão para o ensino de história são as potencialidades e limitações das TICs, que são grandes utilizadoras do visual na sua estruturação e composição. Um exemplo, são as visitas a museus que estão disponibilizando a opção de “visitas virtuais” a seus respectivos acervos. Grandes museus europeus e estadunidenses já permitem essas visitas virtuais nas quais os estudantes, na maioria das vezes gratuitamente, podem “ver” o acervo de museus que não poderiam visitar presencialmente. Trata-se sem dúvida de uma questão que o ensino de história terá que tratar. Afinal, ao contrário do que alguns entusiastas proclamam, as visitas virtuais têm limitações e potencialidades e ambas precisam ser conhecidas e analisadas pelos professores de história.

Um outro exemplo dessas novas possibilidades são as impressões em 3D (três dimensões) de imagens de artefatos históricos, ou réplicas pedagógicas, já utilizadas inclusive por alguns museus e que também são potencialidades para o ensino de história antiga e pré-história.  Trata-se de uma forma de tornar possível “ver” objetos históricos que antes eram retratados nos livros didáticos apenas através de fotografias. Recentemente, foi divulgado um episódio até em noticiários televisivos, de um grupo de pesquisadores e artistas que divulgaram imagens em 3D do busto da rainha egípcia Nefertiti, cujo original está disponível em um museu europeu.

Atualmente existem sites que disponibilizam gratuitamente inúmeras imagens em 3D para impressão de diversos artefatos históricos do passado, notadamente de história antiga.

Enfim, são formas de se abordar e ter acesso as imagens do passado e que no geral agradam o público estudantil da atualidade, já habituado a essas práticas, seja em computadores ou celulares. Visitar museus, artefatos 3D, são possibilidades já existentes, mas cuja utilização precisa ser mediada e trabalhada criticamente, sem ceticismo e sem adesão apaixonada. Afinal, agradar os estudantes por si só não é suficiente para uma boa escolarização, é preciso educar. E como bem lembra o filósofo espanhol Fernando Savater, o ato de educar nem sempre é prazeroso, é preciso que seja edificante, e alguns momentos inclusive, deve contrastar e criticar os valores atuais e predominantes na sociedade.

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

 

Por Editor1

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