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Como ser um educador politécnico?

 

Os conceitos de politecnia e politécnico já são consolidados e utilizados, tanto no Brasil quanto no exterior. Em Portugal, por exemplo, existem diversos Institutos Politécnicos que, inclusive, apresentam várias semelhanças com os Institutos Federais e Cefets no Brasil. Na França e na Bélgica também temos instituições politécnicas, algumas delas centenárias.

No Brasil, têm-se a existência de diversos colégios politécnicos como a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, ligada a Fiocruz, e o Colégio Politécnico da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), para citar apenas alguns exemplos. Os dois são instituições originalmente técnicas que depois ganharam novos cursos e novas funções. O primeiro é voltado para a área da saúde e o segundo inicialmente ligava-se a área da agropecuária.

Outro exemplo brasileiro é a Escola Politécnica da USP, ou apenas POLI, que data de 1893, sendo mais antiga que a própria USP, e historicamente esteve envolvida na formação de profissionais de nível superior notadamente na área de engenharia. Outro exemplo é a Escola Politécnica da UFRJ, criada em 1792, e foi a responsável pela fundação do primeiro curso de engenharia do Brasil.

Conforme se pode observar pelos poucos exemplos citados os “politécnicos” são instituições educacionais, técnicas e superiores, que formam profissionais em diversas áreas, possuem atividades de pesquisa que geralmente são de cunho aplicado, além da prática da extensão acadêmica.

Contudo, politécnico e politecnia embora sejam conceitos relacionados, não são idênticos. O primeiro geralmente se vincula as instituições e seus formatos, enquanto o segundo a uma concepção de educação integral. Na Europa, observa-se que os politécnicos são mais voltados para o ensino superior e no Brasil temos diversas instituições híbridas, técnicas e superiores, ainda que em várias delas o ensino técnico por razões históricas sejam os cursos preponderantes.

Portanto, pelos exemplos citados, verifica-se que se trata de instituições de excelência, responsáveis pela aplicação do princípio de uma educação integral, inclusive na formação para o trabalho. A definição desse ideal educativo é o que se chama de politecnia, ou seja, formação integral para todos, inclusive, para aqueles que optaram pela Educação Profissional seja técnica ou superior.

Politecnia a rigor e etimologicamente significa várias técnicas, ou então, o aprendizado de várias técnicas.  Essa análise evidencia que se trata de uma aprendizagem mais ampla, e não apenas de uma única técnica, um ensino dito tecnicista, que se refere a uma educação parcial e não integral. Contudo, a análise etimológica é insuficiente para explicar a politecnia.

Ao longo de décadas o conceito ganhou corpo e passou a designar um tipo de educação para o trabalho que ofertasse uma formação mais completa, uma formação mais ampla e não apenas o aprendizado único e exclusivo de determinado fazer-profissional. Enfim, uma formação que não fosse restrita e alienante.

Assim, é importante esclarecer que politecnia e polivalência não são o mesmo conceito ou sinônimos e equivalentes. Polivalência pressupõe volatilidade no trabalho e alguns casos inclusive esse conceito é utilizado como discurso para justificar formas de trabalho precarizados e superexplorados. Esse conceito não pressupõe uma formação ampla, sólida e consolidada ligada ao trabalho como ocorre com a politecnia. Diz-se que a polivalência está mais ligada aos interesses de mercado que dos estudantes e está voltada para uma concepção tecnicista de Educação Profissional.

Portanto, como pode se perceber os conceitos de politécnico e politecnia estão relacionados. Contudo, é preciso lembrar que infelizmente, muitas instituições que se autointitulam de politécnicas ofertam na verdade um ensino do tipo tecnicista. Certas apreensões e utilizações dos conceitos nem sempre encontram fundamento na realidade. Tal situação é claro, contribui para equívocos e diversas confusões.

Muitos já escreveram sobre a diferença entre os Politécnicos e as Universidades. Essa sem dúvida é uma questão importante, afinal trata-se de duas institucionalidades que apresentam semelhanças e diferenças, e todos os esclarecimentos são sempre úteis e desejáveis. Geralmente estes textos são direcionados para os estudantes.

Mas e para os educadores? Quais são os princípios ou preceitos que os educadores devem conhecer, observar e praticar quando atuam em instituições politécnicas?  No Brasil, por exemplo, temos diversos Institutos Federais, alguns Cefets e colégios politécnicos vinculados às universidades, que objetivam um ensino pautado pela politecnia.

Desse modo, um educador inserido numa instituição politécnica, sejam professores ou funcionários administrativos e pedagógicos, deve além de conhecer as particularidades da Educação Profissional atentar-se para alguns princípios que são importantes para que seja agente de uma educação pautada pela politecnia. A lista apresentada a seguir, não é exaustiva, mas concentra-se em alguns princípios mais estruturantes de uma atuação educadora politécnica. São eles:

 

1) Todos tem direito a uma educação integral, inclusive, os estudantes da Educação Profissional;

2) Formar para o trabalho é mais amplo e não se restringe a preparação para o mercado de trabalho;

3) O trabalho é uma dimensão importante da vida, mas não a única;

4) As regras e princípios do mercado de trabalho não aplicáveis a todos os aspectos da vida social;

5) A vida em sociedade não se limita ao consumismo e a busca de status;

6) Formação Básica e Formação Profissional se complementam e não se excluem ou são incompatíveis;

7) A Educação Profissional não pode se reduzir a um adestramento acrítico para ocupar um lugar no mercado de trabalho;

8) Quem não está apto a refletir criticamente não está preparado para a vida em sociedade e para o exercício autônomo, ético e pleno do trabalho;

9) A Educação Profissional não pode ignorar o trabalho, a vida ou o vestibular. Ela deve contemplar todos os objetivos que uma educação integral preconiza;

10) O educador da Educação Profissional deve procurar conhecer a diversidade de formatos de cursos que esta possui, entender suas particularidades e utilizações, e não desvalorizá-la em função de preconceitos, estereótipos e modismos. Ele deve sempre defender a universalização da Educação Básica, Profissional e Superior e o progressivo aumento da escolaridade da população em geral;

11) Aprender os fundamentos da técnica, tecnologia e da ciência é um direito e uma necessidade da Educação Profissional;

12) O estudo e aprendizado da Ética Geral e da Ética Aplicada ao Trabalho é um direito e uma necessidade dos estudantes da Educação Profissional e um grande benefício para a sociedade;

13) Direitos Humanos, Ambientalismo e Democracia são valores fundamentais para a sobrevivência da humanidade e precisam ser ensinados na Educação Profissional para a formação de profissionais do futuro condizentes com as demandas improrrogáveis de nossa época;

14) A chamada divisão técnica do trabalho, ou especialização do trabalho, é um aspecto da vida social existente desde a pré-história e que foi acentuado de forma exponencial a partir da revolução industrial. Os excessos e mazelas que produz devem ser contrapostos e contrabalanceados com uma Educação Integral para a vida social e para o trabalho e que seja disponível para todos;

15) Valorizar todas as formas de trabalho e não fomentar preconceitos e depreciações quanto ao trabalho concreto ou manual;

16) Compreender a diferença entre ciência básica e ciência aplicada e suas relações e utilizações no universo da pesquisa científica;

17) Conhecer e compreender que a Educação Profissional possui uma história própria e peculiar que se relaciona a Educação Básica e a Superior, mas não se restringe a essas;

18) Valorizar o Ensino Técnico e entender que a comparação deste com o Superior nem sempre é adequada e pode inclusive ser prejudicial;

19) Procurar conhecer a diversidade de cursos existentes pertencentes ao Nível Médio e valorizar esta etapa escolar como estratégica na formação dos adolescentes;

20) Todos os educadores da Educação Profissional devem esforçar-se e lutar para que a formação para o trabalho ofertada na instituição em que trabalhe seja desejável e aconselhável para todos, inclusive para seus próprios filhos.

 

Por fim, resta dizer que conforme já mencionamos muitos outros princípios poderiam ser listados para que um educador da Educação Profissional seja um educador politécnico.

Resta, porém, esclarecer que todos os educadores, independente das disciplinas ou áreas que lecionem ou atuem, devem procurar conhecer o público a quem seu trabalho se destina, a etapa escolar e as instituições na qual exercerão suas funções. Esse é um exercício imprescindível rumo a excelência educativa, inclusive, na Educação Profissional.

 

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Por Editor1

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