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A História como ciência

 

A ciência é um empreendimento humano que precisa ser compreendido na sua complexidade e totalidade. Ao longo da história surgiram diferentes conceitos de ciências e alguns debates intermináveis, alguns deles infrutíferos, sobre a dita cientificidade de determinadas áreas do conhecimento humano.

O ser humano produz conhecimento desde a pré-história e sabemos perfeitamente que não existe apenas um único tipo saber. Artes, técnicas, tecnologia, religião, senso comum e ciências são todos eles conhecimentos produzidos pela ação humana. Contudo, eles não são todos iguais.

Outra questão importante é entender que a própria definição de ciência, assim como de Artes, por exemplo, possui sua história. O que era ciência na antiguidade? O que era considerado ciência na época medieval? O que é considerado ciência na atualidade?

Sabemos que no início da Época Moderna, século XVI, o surgimento da Física, teve grande impacto social na história do pensamento e muitos passaram a tomá-la como modelo para pensar todas as ciências, inclusive, aquelas de outras épocas históricas. A Física representava o surgimento da ciência moderna, matematizável, de base experimental e replicável.

O resultado da adoção da Física como modelo de ciência, ou paradigma para pensar todos as áreas do conhecimento humano, produziu uma redução drástica da quantidade de saberes considerados científicos. Porquê?

Todas as ciências que não se encaixavam dentro do padrão de construção do conhecimento utilizado pela Física começaram a serem tratadas como áreas não-científicas ou não providas de metodologia científica.

De todas as áreas afetadas negativamente, certamente, a principal foi a chamada área das Ciências Humanas e Sociais. Isso teve um impacto ruim, e demandou esforços para ser superado.

Muitos estudiosos então, tentando demonstrar a cientificidade de suas respectivas áreas começaram a procurar “leis gerais do comportamento humano”, “leis humanas”, “leis comportamentais”, entre outras, para tentar demonstrar a pertinência do saber produzido por meio de suas pesquisas. Havia uma intenção de tentar imitar a Física. Importante lembrar que a Sociologia quando surgiu chamava-se Física Social.

Tal situação começou a ser revista a partir do século XIX quando inúmeros estudiosos de diversos países, começaram a questionar a supremacia da Física como modelo de ciência, ou então, a sua aplicabilidade a todas as áreas do saber humano.

Neste momento uma das áreas que reagiram foi a História por meio de historiadores renomados com Leopold Ranke e Johann Gustav Droysen, ambos alemães, entre outros, que trabalharam pela institucionalização acadêmica e científica da disciplina histórica.

Isso também gerou entre alguns historiadores um debate interminável, e muitas vezes improdutivo, sobre a dita cientificidade das Ciências Históricas. Polêmica que ignora o fato de que as Ciências Humanas e Ciências da Natureza, por exemplo, não podem compartilhar das mesmas premissas metodológicas e conceituais.

Esse debate pode parecer tolo ou sem sentido, mas não é. Ocorre que a partir da Época Moderna cada vez mais a ciência ganhou prestígio e notoriedade social. Muitos queriam usufruir desta imagem positiva da ciência, e diversos estudiosos estavam envolvidos no esforço de tornar suas pesquisas rigorosas, conceitualmente precisas e referendadas. Isso foi bom, mas a adoção generalizada do modelo da Física como ciência levou a certos debates infundados que desconsideravam a diferença de objetos e objetivos de pesquisa entre os diversos ramos do saber humano.

No século XIX o filósofo estadunidense John Dewey, por exemplo, dividiu as ciências entre explicativas (Ciências da Natureza) e compreensivas (Ciências Humanas).

No século XX esse debate prosseguiu e continuou-se a revisão e ampliação do conceito de ciência. Contudo, foi no início deste século que Albert Einstein após a publicação de sua famosa Teoria da Relatividade (1905), colocou em xeque a própria Física que antes era adotada como modelo de ciência.

Tal acontecimento levou os cientistas a debaterem com afinco o conceito de ciência durante todo o século XX e muito se escreveu sobre o tema em todas as direções. Contudo, atualmente diversos historiadores passaram a utilizar e trabalharem com uma definição de ciência como atividade humana de produção de conhecimento socialmente instituída ou referenciada. As universidades, institutos de pesquisa, revistas científicas e outras instituições e práticas acabam formatando o modelo de ciência e neste sentido assistiu-se um alargamento do conceito de ciência e a compreensão de sua variação histórica ao longo dos séculos.

Foi um percurso longo, e muito teve que ser debatido e explicado para evitar-se as intepretações apressadas e anacrônicas. Muitos tentavam encaixar os egípcios antigos nas práticas científicas atuais e, obviamente, não conseguiam e terminavam por concluir que não havia ciência no Egito Antigo. Um equívoco.

O anacronismo refere-se a prática de aplicar conceitos modernos ou atuais a outras épocas. É um erro histórico, pois, épocas diferentes possuem conceitos e até valores próprios. Por exemplo, até o século XIX a humanidade não sabia da existência dos microrganismos patógenos causadores de doenças. Tal conhecimento foi alcançado apenas há 250 anos atrás. Então é preciso ter cautela com a medicina grega antiga, pois, ela desconhecia tal conceito. Assim, temos que buscar em cada época o que ela entendia por ciência e valorizava como saber, para não incorrermos em anacronismos graves.

A produção do conhecimento por estudiosos dedicados é atividade científica por excelência, respeitando-se os padrões metodológicos já estabelecidos. A ciência é uma atividade humana e, portanto, não escapa as questões humanas. Contudo, a ciência é pública, revisada pelos pares, submetida a críticas e testes, quando possível, e cotidianamente revista por outros pesquisadores.

Por fim, com a História não é diferente. Depois da chamada Escola dos Annales, a partir de 1929, a área passou por uma ampliação significativa, e atualmente, pesquisa-se “a história de tudo e de todos”. Porque a ciência é um patrimônio da humanidade e a história humana também, e todos os esforços devem ser feitos para democratizá-las.

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

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