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Educação Científica e Sociedade

 

Educação Científica é ensinar ciência. Ela pode ser praticada nas escolas, universidades e mesmo fora das instituições educacionais em espaços não-formais. Educação Científica é uma forma de divulgar e popularizar a ciência, ensinando as pessoas de todas as idades e todas as etapas escolares a metodologia científica, a argumentação, as formas de experimentação e fundamentação utilizadas na ciência. Não se trata da formação de novos cientistas, mas de socializar com a população o modo de funcionamento da ciência e suas características.

Afinal, a ciência é um conhecimento humano acumulado e corrigido durante séculos. As pessoas não precisam apenas entender as conclusões que os cientistas chegaram em suas pesquisas, mas também, como chegaram a tais afirmações. Isso é chamado de Educação Científica. Dito de outro modo, já que a ciência é predominante em nossa época, nada mais justo, vital e necessário do que procurar entendê-la.

Embora, os seres humanos produzam conhecimento desde a pré-história, durante séculos, e até milênios, outros saberes como a religião, costumes e artes, por exemplo, foram predominantes na explicação dos fenômenos cotidianos e da vida social. Assim, embora a construção do conhecimento remonte a pré-história, durante a Antiguidade e mesmo Idade Média outros saberes prevaleciam na orientação da vida social e até individual.

Contudo a partir da época moderna, aproximadamente depois do século XVI, gradualmente a ciência, ou as ciências para ser mais exato, ocuparam espaço social cada vez mais preponderante na vida das pessoas e da sociedade. Alguns autores chamam esse momento de Revolução Científica da modernidade. Outros rejeitam esse nome, pois acreditam que não ocorreu uma revolução, uma reviravolta, mas mudanças graduais que vinham sendo construídas a séculos e que na modernidade dinamizaram e ampliaram a prática das ciências.

Esse ponto pode confundir algumas pessoas. Pode-se falar numa história da ciência no mundo antigo? Ciência Egípcia? Ciência Mesopotâmica? Ciência Árabe? Ciência Medieval? A resposta é: depende. Porquê? Depende do conceito de ciência adotado. Se considerarmos nossas definições atuais de ciência e de pesquisa científica, talvez, os estudiosos do mundo antigo sejam considerados diferentes e alguns deles difíceis de serem enquadrados nos nossos modelos atuais. Contudo, vistos a luz da sua época eles foram estudiosos, contribuíram com o avanço do conhecimento, e corrigiram equívocos, e, neste sentido seriam cientistas.

Por isso, alguns autores divergem quanto a periodização da história da ciência. Alguns consideram todo o período desde que os seres humanos começaram a intervir na natureza, modificando-lhe e acumulando saberes sobre ela e sobre si próprio. Outros consideram a ciência apenas a partir da época moderna, quando formou-se uma consciência mais clara e precisa sobre a atividade investigativa e sua importância, ou uma profissionalização da pesquisa científica. Debates a parte, ciência é conhecimento.

A ciência é um produto humano que surgiu a partir da atitude curiosa e cada vez mais comprometida dos seres humanos de buscarem respostas para os fenômenos, problemas e desafios sociais e cotidianos a partir da razão, da inteligência, da pesquisa, da dúvida, da verificação, da especulação, cada vez de forma mais profissionalizada ao longo da história sem recorrer a religião e explicações sobrenaturais.

Contudo, nem tudo são flores na história da ciência. Nem todas as descobertas científicas, ou achados científicos (como preferem alguns), são acolhidos e recepcionados da mesma forma. Ao longo da sua história a ciência chegou a certas conclusões que nem sempre agradaram, e, em alguns casos contrariaram interesses poderosos que valeram perseguições tanto a cientistas quanto a certos conhecimentos, ainda que produto de investigações rigorosas e reconhecidas por outros cientistas. Certas descobertas científicas podem ser dolorosas, daí, alguns não aceitarem e preferirem a negação, conscientes ou não.

Essa é uma questão que toda Educação Científica precisa contemplar. Conscientizar as novas e velhas gerações que o objetivo da ciência é responder a dúvidas, solucionar desafios e problemas, o que pode as vezes desagradar. É claro que existe a pesquisa científica feita por grandes empresas, conglomerados empresariais, cujo objetivo é manter seus negócios capitalistas ativos e lucrativos. A ciência não é um empreendimento neutro e heroico, ou seja, ela é uma dimensão da vida humana e, portanto, está marcada pelas condições e contradições humanas. Por isso, dizemos recentemente que a atividade científica não pode ser ilimitada e também precisa ser dosada e autorizada pela ética e seus princípios basilares.

Assim, a Educação Científica digna deste nome precisa fazer uma reflexão ampla sobre a ciência em todos os seus aspectos, para que futuros profissionais e cidadãos possam saber lidar com ela, seus frutos, seus benefícios e mazelas.

Quando a ciência faz descobertas, ou achados, que desagradam certos grupos ou pessoas, que então promovem o descrédito de suas conclusões, sem uma contra-pesquisa que lhe reveja os fatos, metodologias, fundamentações dizemos que estamos diante do chamado negacionismo. Na atualidade vivemos um momento de fortes ataques a ciência, por meio de boatos, notícias falsas (Fake News) e campanhas de descrédito que mencionam e criticam apenas parcialmente certas abordagens e argumentações.

Enfim, infelizmente na atualidade vivemos um momento de negacionismo da ciência, endeusamento da tecnologia e desprezo pela técnica. Contudo, felizmente, não são todos, e talvez nem seja a maioria, que neguem a ciência.

Embora, muitas pessoas não percebam a ciência neste século XXI, está presente em nosso cotidiano. Inúmeros objetos, artefatos, alimentos, remédios, vacinas, energia elétrica entre tantas outras coisas, só se tornaram possível devido a descobertas científicas do passado.

Quando um cidadão ou um profissional ignora fatos científicos básicos, ele pode ser um veículo de desinformação na sociedade e ser vítima de charlatões, falsários, mentirosos de toda ordem, e pessoas inescrupulosas que mentem e lucram com isso. Alguns mentem tanto, criando e especulando teorias conspiratórias e explicações mágicas de toda sorte, que não raro mentem a si próprias, enganam a si mesmas, ou têm dificuldades em lidar com certas conclusões da ciência.  É um fenômeno complexo e de difícil interpretação e solução, mas trata-se de um problema real que a Educação Científica deve enfrentar.

Seguramente a humanidade deve muito a ciência e seus conhecimentos. O fato de termos sobrevivido a inúmeras epidemias, fomes, superado dificuldades de transporte, alimentares, comunicacionais só foram possíveis devido aos conhecimentos científicos acumulados. Fazer ciência, fazer pesquisa científica, é ampliar o conhecimento humano ou corrigi-lo, portanto é empreendimento que merece respeito e consideração.

Outra questão importante a entender é que a ciência é um saber humano plausível. Dizemos que a ciência é constantemente conferida, checada, avaliada pela pesquisa de outros cientistas que podem confirmar, refutar ou corrigir pesquisas anteriores. Portanto, a ciência é um empreendimento aberto.

Algumas pessoas, maldosamente ou por desconhecimento, argumentam que a ciência é ideologia e que as explicações científicas não são neutras e isentas. Tal crítica é infundada e tem feito grandes estragos. Ocorre que todas as ciências obedecem ao critério da plausibilidade. Quando se finaliza uma pesquisa e ela será divulgada através de uma publicação, é preciso explicar a metodologia utilizada, os resultados alcançados, os fundamentos escolhidos, entre outros tantos requisitos, sejam também divulgados.

Ou seja, a pesquisa antes de ir a público passa pela revisão dos pares, de outros cientistas, momento no qual muitas pesquisas são embargadas, corrigidas, revistas ou suas conclusões são revisadas. Uma teoria ficciosa, sem fundamentos em fontes, desprovida de metodologia e dos responsáveis pela sua execução, financiadores, não consegue ser publicada em revistas científicas renomadas e de grande circulação. Assim, teorias conspiratórias infundadas são divulgadas noutros meios que não passam por checagem.

É claro que falhas podem acontecer em muitos lugares e na ciência não é diferente. Desde falhas até plágios e invenção de resultados já foram registrados na história da ciência. Infelizmente pessoas incompetentes e desonestas existem em todos os lugares. Contudo, na ciência um episódio destes pode significar o fim da carreira de um cientista, portanto sua probabilidade é menor do que as pessoas costumam acreditar. Muitas revistas científicas quando se deparam com pesquisas muito “revolucionárias” pedem conferência, relatórios adicionais e checagens antes de publicarem seus resultados. Isso é o que se chama de boa prática científica. Ciência não é um jogo de opiniões, uma simples questão de disputas de interpretações, mas um espaço de construção do conhecimento obedecendo os princípios da plausibilidade em cada ciência em particular. A ciência não é inteiramente objetiva, mas também não é inteiramente subjetiva. Não é inteiramente absoluta, nem inteiramente relativa; enfim ela é plausível.

Como a ciência hoje é um saber predominante no mundo contemporâneo precisamos conhecê-la e compreender suas regras e funcionamento. Assim, a Educação Científica é uma demanda cada vez mais presente em nossa época. Precisamos educar “com” a ciência, “pela” ciência e “para” a ciência.

Com a ciência significa que utilizamos os próprios conhecimentos científicos para explicar as pessoas como funciona as diversas ciências existentes. Pela ciência é dizer que não podemos esquecer que o conhecimento científico é um produto de várias pessoas, obra coletiva e individual, trata-se de um fazer humano custoso e que merece consideração e respeito, principalmente ao criticá-la. Para a ciência, por fim, lembremos que a ciência precisa ser ensinada para materializar melhorias na vida das pessoas através da potencialidade que esta possui. A ciência precisa ser ensinada também para ter sua continuidade garantida, afinal precisamos de novos cientistas.

Quanto a população em geral, a sociedade precisa educar-se cientificamente para colher os benefícios que a ciência disponibiliza, não ficar alheia as mudanças que ela possibilita. Também é importante registrar que educar-se com a ciência é fundamental para não ser presa fácil de teorias e notícias falsas que podem prejudicar muitas pessoas que por não conhecerem princípios básicos da ciência.

A ciência é patrimônio humano e não apenas dos cientistas. Quem não compreende minimamente com a ciência funciona tem suas condições de produção de conhecimento próprio severamente limitadas e prejudicadas. A educação escolar, por exemplo, não deve e não pode limitar-se a ensinar apenas aquilo que o mercado de trabalho necessita ou deseja, precisa formação cidadãos ativos, críticos e criativos. Para isso Educação Científica é fator fundamental e decisivo.

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

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