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Cafayate, 18 (AE) – Foi como ganhar uma estrelinha de bom comportamento lá na terceira série. Quando escutou a resposta para sua pergunta sobre qual tinha sido meu vinho preferido na sessão de degustação de que acabávamos de participar, André Rossi, relações públicas no Brasil da associação de produtores Wines of Argentina, sorriu com aprovação. Passei no teste.

Era o quarto dia de uma sequência intensa de visitas a bodegas, as casas produtoras de vinhos. Iniciante, passei uma semana entre vinícolas da Argentina acompanhada de gente que conhece a bebida razoavelmente bem. Foram dias de muita informação nova, muita água com gás para rebater e muito vinho delicioso cuspido em baldes e latinhas decoradas. Depois das primeiras degustações, fica claro que não vai dar mesmo para engolir tudo. A vergonha de cuspir desaparece.

Como uma refeição harmonizada, nosso roteiro começou pelos vinhos brancos, em Cafayate. Localizada no norte do país, é uma região de vinhedos de altitude e paisagens espetaculares. A média é de 1.700 metros, mas alguns chegam a 3 mil metros em relação ao nível do mar. Terra das uvas torrontés, nascidas da mistura de cepas europeias como a moscatel com variedades criollas, locais.

Chegar a Cafayate é um deslumbre. O voo vindo de Buenos Aires pousa em Salta e, então, é preciso seguir por cerca de 180 quilômetros pela Rota 68, entre formações geológicas singulares. A Quebrada das Conchas pede paradas e muitas fotos.

Lar por excelência das malbecs, uvas tintas de cor violeta que viraram sinônimo de vinho argentino, Mendoza foi a parada seguinte e, pode-se dizer, o prato principal da viagem. Explico: a província produz 85% do vinho do país e tem 120 bodegas abertas à visitação turística. Por lá conheci uma uva que sequer sabia que existia, a bonarda. Cabernet sauvignon, syrah e petit verdot também são variedades cultivadas em Mendoza.

Como sobremesa, San Juan, a segunda região vitivinícola mais importante do país, mas que, do ponto de vista do turismo internacional, ainda engatinha. Se vale a pena ir lá? Sim, para espíritos desbravadores.

Diferentes – O intensivão serviu também para perceber que sempre existem diferenças entre as vinícolas e, por isso, faz todo o sentido visitar várias delas. Seja pela estrutura da bodega, os passeios disponíveis na finca – termo usado para se referir às fazendas onde estão plantados os vinhedos – ou os restaurantes instalados em suas dependências, sempre caprichados.

Visitar mais de um produtor, pude perceber, é uma forma de aprender depressa, por comparação. Em uma semana entre experientes giradores de taças e enólogos pacientes, minha habilidade de detectar aromas e as tais notas disso e daquilo se desenvolveu respeitavelmente. Claro que o ritmo pode e deve ser mais brando. Primeiro porque só mesmo os enólogos precisam saber tudo (ou quase). “Para mim há uma única premissa a respeito de vinhos: sobre gosto não há nada escrito”, diz Javier Saldaño, enólogo da Piattelli .

Segundo que mais de uma bodega por dia é desperdiçar o prazer que a segunda poderia proporcionar. De resto, será hora de comer bem, atividade tão intensa ali quanto beber. Aproveitar hotéis lindos dentro das próprias vinícolas ou nas cidades próximas. Curtir massagens com vista para vinhedos e montanhas.

 

Empanadas: onipresentes e difíceis de resistir 

Cafayate, 18 (AE) – Empanadas na Argentina são como o pãozinho no couvert dos restaurantes brasileiros. Onipresentes e tão difíceis de resistir que, se não se controlar, você come até ficar sem apetite para o resto da refeição. Que, nas casas de gastronomia tradicional do país, incluirão carnes memoráveis, saladas frescas em boa quantidade e a molleja (ou timo), glândula bovina de textura esponjosa presente em parrillas e em receitas de chefs badalados. Para os destemidos.

El Solar del Convento Caseros, 444; em Salta – O primeiro restaurante da viagem oferece uma parrilla volumosa, individual que serve duas pessoas. Tem um quê de cantina, com mesas grandes, familiares. A conta fica entre 70 a 100 pesos (R$ 27 a R$ 39) por pessoa.

El Rancho – elranchocafayate.com.ar; em Cafayate – No centrinho turístico, grande e simples, faz inesquecíveis empanadas fritas de queijo, as melhores da viagem, fontes garantidas de calorias e felicidade. O cardápio é básico; quem escolheu bife ancho e ojo de bife se deu bem. Assumi o risco de pedir um nhoque: não era o caso.

La Rosa – elesteco.com; em Cafayate – Dentro da Bodega El Esteco, o restaurante do hotel Patios de Cafayate é, para começar, um lugar lindo. Você entra pela sala da enorme lareira e se acomoda entre móveis coloniais. A comida é baseada na tradição argentina, mas há destaque para as influências italianas que ajudaram a moldar a alimentação no país. A sopa de quinoa com legumes da entrada estava apenas morna. No risoto com vinho torrontés que escolhi como prato principal (95 pesos ou R$ 36), senti falta da abóbora anunciada no cardápio, mas o funghi era marcante. O sorvete de torrontés foi a melhor parte do jantar.

Cordillera – cordilleramendoza.com; em Mendoza – Com a maior faca que já tive em mãos e um medinho mal disfarçado, embarquei na aventura de picar carne, bem pequenininha, para as empanadas. Em seis alunos, dividíamos as tarefas da aula no restaurante Cordillera, do bem cotado chef Lucas Bustos. Antes, de giz em punho, ele desenhou na lousa uma esclarecedora trajetória histórica da comida na Argentina que ajudou a entender porque assar é a técnica mais usada no país. A parrilla é resultado disso.

Foram mais de quatro horas de curso e comilança, durante as quais preparamos também pães e sorrentinos (raviólis argentinos, redondos) recheados com truta. O restaurante tem cardápio econômico, com cinco a seis opções para cada fase da refeição (de 40 a 110 pesos ou R$ 15 a R$ 42). A degustação de sorvetes da casa foi o desfecho perfeito.

Siete Cocinas – sietecocinas.com.ar; em Mendoza – Saíram da cozinha do chef Pablo del Río os pratos mais provocantes da viagem. Patê de coelho no couvert, carpaccios de pacu e truta como entrada, canelone de frango e carne grelhada foram passo a passo harmonizados com vinhos argentinos. Com destaque para o Emma Zuccardi bonarda 2011, “o melhor bonarda do país” na opinião do chef. Dessa vez, pedimos e escapamos das mollejas – mas não das risadas dos argentinos da mesa, que adoram a tal glândula.

 

Vinícola El Tránsito, a primeira a ser visitada      

 

Cafayate, 18 (AE) – Uma vez impregnado no nariz, o cheiro dos barris de carvalho é daqueles que nunca mais se esquece. Peço desculpas pela ausência de um teórico que confirme essa impressão muito pessoal, mas foi a sensação que guardei do contato com a cave da vinícola El Tránsito, no centro pequenino e cor de terra de Cafayate. O adocicado da madeira, o azedinho das uvas prensadas, como fruta quando começa a passar do ponto, o frio do ambiente.

El Tránsito foi a primeira da série de 11 visitas a bodegas em seis dias de imersão no mundo do vinho argentino. Por isso foi marcante. Ali aprendi o que é fermentação malolática, processo químico de conversão de ácido málico em lático que dá um saborzinho de manteiga ao vinho. O que só consegui perceber de fato alguns dias e taças mais tarde. Mas sim, consegui em algum momento, e isso é o que importa.

A bodega se declara butique pelo volume comedido de sua produção, 250 mil garrafas ao ano. O espaço onde turistas são recebidos é uma sala grande e bem clean, com paredes chapiscadas, balcão e fotos antigas da família fundadora, os Marini. A linha Pietro Marini tem rótulos jovens de torrontés, a uva símbolo de Cafayate, mais malbec e cabernet sauvignon, e reservados, que descansam meses nas barricas de carvalho.

Pedro Moisés é o rótulo premium da casa, um corte de malbec, cabernet sauvignon, syrah e tannat. Provamos um da colheita 2008 e outro da 2009 que ainda não foi colocado no mercado e nem etiquetado estava. Tinha um cheiro de ameixa mais perceptível e um sabor mais adocicado, tudo possível de ser constatado de imediato. Ótimo.

Na loja da vinícola cada garrafa custa de 30 a 80 pesos (R$ 12 a R$ 27). A visita é gratuita e inclui degustação de três vinhos: bodegaeltransito.com.

 

Por Editor1

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