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A centralidade dos estudantes na Educação Profissional

 

Parece uma obviedade dizer que a educação escolar deve ser centrada nos estudantes. Contudo, infelizmente, essa premissa constantemente precisa ser relembrada. E não é devido a maldade ou incompetência de professores, diretores, pais, profissionais do mercado e empresários, que precisamos recordá-la. Mas, no geral é a falta de clareza e até incompreensão de muitos educadores quanto aos objetivos da educação escolar nas suas variadas formas que leva a tal situação. O que gera a necessidade de retomarmos essa premissa, aparentemente tão óbvia, mais ainda carente e necessária de ser revisitada, debatida, divulgada, compreendida e vivida.

Na Educação Básica que tem como objetivo a preparação para a vida, para a cidadania e para a continuidade dos estudos o tema da centralidade dos estudantes é no geral mais claro e melhor compreendido. É certo que existem exceções, como no caso do Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, que alguns querem transformar num mero curso preparatório para vestibulares e ENEM.

Contudo, na Educação Profissional que além de educar para a vida tem também o objetivo de preparar para o Mundo do Trabalho, a clareza quanto a centralidade dos estudantes fica menos nítida, mais opaca, envolta em neblinas e as pressões do mercado, ou do mercado capitalista, acabam se impondo, às vezes, infelizmente, nas mentes e nos corações dos professores.

Alguns docentes na Educação Profissional sequer conseguem compreender que desempenham um papel social, educativo e ético perante os estudantes. Confundem Mundo do Trabalho com mercado de trabalho e tornam suas práticas docentes mera preparação alienada para os estudantes ocuparem um posto no mercado capitalista. Alguns são extremistas e acham que a preparação para o mercado inviabiliza a preparação para a cidadania e para a vida, o que não é verdade.

No Brasil, tanto a Constituição Federal quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação preconizam que a educação escolar deve voltar-se para os estudantes e suas necessidades e também para a sociedade e suas demandas por cidadãos, trabalhadores e profissionais. Diz-se: primar pelo “pleno desenvolvimento integral do educando”. Na maioria dos países desenvolvidos também é assim. A educação escolar não pode ignorar as demandas estudantis e focar apenas nas demandas de mercado. Que tipo de profissionais estaremos formando? Que tipo de sociedade teremos no futuro?

Esse debate não é novo. Desde a década de 1970 ele é presente e tensiona toda a educação escolar, principalmente, a Educação Profissional e a Educação Superior, essas duas, voltadas para a formação de profissionais.

Esse debate tem nomes e lados bem definidos, embora, muitos educadores no seu cotidiano não consigam enxergar a questão. Os estudantes devem receber uma educação integral ou apenas uma preparação para o mercado de trabalho? O que é melhor para o estudante, para o mercado e para a sociedade? A Educação Profissional deve ser uma instância de mero treinamento técnico, ou adestramento técnico, para o mercado de trabalho ou um espaço de formação de profissionais conscientes para uma inserção autônoma-crítica na sociedade em que vivemos?

Costumo dizer que os educadores devem pensar em seus filhos. Você gostaria que seu filho recebesse um adestramento técnico ou uma formação integral? O que desejamos para nossos filhos deve ser estendido a todos. Se defendo que apenas alguns precisam de formação integral e outros não, estamos retornando ao passado, da antiguidade ao período medieval, quando apenas uma elite tinha o privilégio de ser adequadamente educada. Educação não pode ser um privilégio, mas um direito de todos como nos ensinou Anísio Teixeira.

Mas, continuando o debate há ainda alguns pontos que precisam ser tratados. Ao longo do século XX o surgimento de correntes teóricas, principalmente vindas da Economia, como Teoria do Capital Humano (TCH), empreendedorismo, empregabilidade e pedagogia das competências, e outras derivadas, plantaram a ideia de que uma mão-de-obra altamente qualificada garante um maior desenvolvimento econômico. Isso é verdade, contudo, cabe aqui um alerta. Desenvolvimento econômico e Desenvolvimento social não andam necessariamente juntos. E, ao contrário do que alguns imaginam, a riqueza econômica não garante que problemas sociais sejam resolvidos, ao contrário, alguns deles podem inclusive agravar-se.

Isso não significa que essas teorias derivadas da TCH, e outras congêneres e relacionadas, estejam incorretas, mas apenas que são insuficientes para orientarem, fundamentarem e organizarem uma formação integral dos estudantes. Afinal, a vida social não se restringe ao mercado de trabalho.

Conheço professores que são indiferentes a sorte dos estudantes. São incapazes de dialogarem com eles qualquer assunto que não esteja “estritamente dentro dos limites da sua disciplina”. Professam e praticam uma prática docente individualista e narcisística que é perigosa. Não são solidários. Não sei se podem ser chamados de educadores. Se todos na sociedade agirem dessa forma, ela se desintegrará em rivalidades, competição e indiferenças. Para onde queremos caminhar?

Alguns acharão estranho este texto e suas reflexões. Contudo, as pressões do mercado capitalista são enormes e em alguns casos podem ofuscar o entendimento dos educadores na Educação Profissional. Nossa vida não se limita ao lugar que ocupamos no mercado de trabalho, não se restringe ao ter, possuir bens materiais. Longe disso, desempenhamos diversos papéis ao longo de nossas vidas. Escolas não são empresas e a Educação Profissional não é uma mera continuidade do mercado.

Enfim, diálogo, solidariedade, compartilhamento de experiências, discussão de questões éticas, debates honestos, francos e que contemplem a diversidade de opiniões são momentos educativos fundamentais. A educação integral não é “um bicho de sete cabeças” que apenas alguns poucos educadores conseguem realizar. Ela demanda humanidade, solidariedade, generosidade, diálogo e boa-vontade.

Qual orgulho pode ter um professor da Educação Profissional que apenas prepara mão-de-obra alienada para o mercado capitalista? A Educação Profissional não existe apenas para atender aos caprichos do mercado e contornar seus eventuais estados de mal humor. O mercado, muitas vezes, é tratado com um deus, que todos devem bajular.

O trabalho é uma categoria importantíssima e a preparação para ele é fundamental, contudo, ele não corresponde a totalidade da vida social. A roda da vida tem várias dimensões e buscar uma formação integral é dever de todos os educadores dignos desse nome.

Esse é o verdadeiro valor do educar.

 

 

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social –

IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

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