Logo Jornal Interação


Bacharéis e Tecnólogos no magistério: um desafio para a Educação Profissional

A carência de professores para a Educação Básica, Educação Superior e a Educação Profissional não são uma novidade na história brasileira. Trata-se de um problema antigo e recorrente e não raro e episódico como alguns querem fazer parecer. Muito já se escreveu, pesquisou e propôs-se sobre esse assunto. Diversas políticas públicas já foram tentadas para sanar essa carência, mas, nem sempre com o grau de seriedade que o problema exige. E assim, esse problema persiste e ainda é uma realidade brasileira em pleno século XXI.
Em 1882, o então deputado Rui Barbosa, figura célebre da política brasileira, apresentou um extenso projeto de lei onde debatia inúmeras questões educacionais, entre elas com certo destaque, a carência de professores. Naquela ocasião ele já propunha a criação de escolas especializadas para a formação de professores, dada a escassez de profissionais para fazer a educação alavancar no País.
Contudo, esse problema sofre variações conforme o tipo de escolaridade. Se na Educação Básica, por exemplo, faltam professores de Biologia, Química, Física e Matemática, em outras áreas como na Educação Superior, o problema é a falta de professores com mestrado, doutorado e experiência em pesquisa. Na Educação Profissional por sua característica híbrida, que reúne traços da Educação Básica e Superior, faltam professores em diversas áreas e também formação pedagógica adequada para muitos que atuam neste tipo de escolarização.
Contudo é importante frisar que o Brasil não consegue formar a quantidade de professores que precisa em todas as áreas, e mesmo assim, nas ditas e controversas áreas que alegam que ele consegue, existem cursos de qualidade duvidosa, notadamente, nos moldes da Educação a Distância (EaD). Enfim, estamos diante de um problema qualitativo e quantitativo grave.
No caso específico da Educação Profissional faltam professores notadamente na área técnica, ou seja, professores que irão ministrar disciplinas técnicas ligadas a formação profissional que os estudantes e futuros profissionais irão receber. São incontáveis os munícipios brasileiros desejosos de implantar certos cursos técnicos, por exemplo, e a carência de docentes pode vir a impedir ou frustrar o atendimento destas demandas.
Para se ter uma ideia da centena de anos que esse problema nos acompanha no Brasil, e em especial, na Educação Profissional, é importante lembrar do célebre episódio da criação da Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, em 1917, na cidade do Rio de Janeiro, na época o então Distrito Federal. Conforme nos ensina Celso Suckow da Fonseca essa escola tinha por objetivo:
A Prefeitura Municipal do Distrito Federal fundara a 11 de agôsto de 1917, a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, com o fim de preparar professôres, mestres e contramestres para os estabelecimentos de ensino profissional, assim como professôres de trabalhos manuais para escolas primárias, desde, porém, que se destinassem à Municipalidade. (Livro: A História do Ensino Industrial no Brasil – 1961 – p.179. Grafia original).

Esta escola posteriormente passou das mãos do governo do então Distrito Federal para o Federal e mais tarde transformou-se no atual CEFET-RJ, que hoje, inclusive, leva o nome de Celso Suckow da Fonseca. Observem que boa parte do problema de 1917 ainda permanece em 2022. Carência de professores para a Educação Profissional e também a falta de formação pedagógica adequada. O mesmo autor salienta essa questão.
Entretanto, desde a criação das Escolas de Aprendizes Artífices (1909) vinha o Govêrno Federal lutando com o problema da falta de professôres e mestres. Talvez fôsse êste o ponto mais fraco da organização escolar naquela época. Na capital do País, como em todos os Estados, havia uma absoluta carência de profissionais competentes que pudessem ser aproveitados como mestres das oficinas escolares. Não encontrando elementos capazes de desempenhar aquela função, resolveu o Govêrno Federal prepará-los. (Livro: A História do Ensino Industrial no Brasil – 1961 – p. 179/180. Grafia original).

Então conforme se pode observar nas próprias palavras de Celso Suckow da Fonseca o problema qualitativo-quantitativo de professores para a Educação Profissional não é de agora, e esse processo de formação de docentes adequados está em andamento, com revezes, diga-se de passagem, até a atualidade, ou seja, 105 anos depois.
Apesar disso, nem tudo é frustração. É reconhecível que o Brasil avançou em muitos aspectos quando o assunto é Educação, mas, inquestionavelmente, ainda negligenciamos muitos problemas.
A questão é que a Educação Profissional, pela diversidade de “ramos e graus” de cursos que oferece, notadamente, o Ensino Técnico, lida com estudantes adolescentes que estão buscando uma formação profissional. Isso é um diferencial que a sociedade precisa perceber e entender. Vejam bem, se no Ensino Médio Regular, que não é profissional, os estudantes estudam as disciplinas básicas para a formação cidadã (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Física, Química, etc.) no Ensino Técnico além destas, eles também aprendem as disciplinas técnicas que são específicas de cada curso.
Nesta perspectiva, Técnico em Administração, Técnico em Informática, em Mineração, e outros cursos entre os mais de trezentos hoje existentes, cada um deles possui um conjunto de disciplinas específicas que necessitam de professores das respectivas áreas para serem ofertadas aos estudantes. Neste ponto, o Ensino Técnico se assemelha a Educação Superior, por isso, entre outros motivos, alguns se referem a essas duas escolaridades de forma conjunta como Educação Profissional no sentido amplo.
Quem leciona essas disciplinas técnicas? A resposta é simples. São profissionais das áreas profissionais, geralmente Bacharéis e Tecnólogos. Assim, Administradores atuam nos cursos de Técnico em Administração, Programadores em cursos de Informativa, Engenheiros de Minas em cursos Técnicos de Mineração e assim sucessivamente.
Mas qual é o problema? Não é assim no mundo inteiro? A resposta é que esses profissionais não possuem formação específica para serem professores. São bacharéis-docentes ou tecnólogos-docentes sem formação em cursos de Licenciatura ou Pedagogia. Essa é uma questão delicada que precisa ser discutida de forma séria, aberta e honesta com a sociedade.
A maioria das pessoas relatam que tiveram alguma vez na vida em suas trajetórias escolares e acadêmicas, algum professor que dominava com maestria o conteúdo ensinado e não possuía didática na elaboração e execução de suas aulas. Esse é um problema seríssimo. Pois bem, nós não podemos reclamar e atribuir toda a culpa aos bacharéis-docentes ou tecnólogos-docentes, afinal eles não receberam formação específica para serem professores. Infelizmente trata-se de uma cultura que se perpetua e nos alerta para a necessidade de estruturar-se a carreira docente em termos profissionais e pedagógicos.
Esse é um problema antigo, e a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, em 1917, foi muito paravelmente a primeira tentativa institucional e governamental de tentar resolvê-la. Em diversos países desenvolvidos, quando um bacharel ou tecnólogo se interessa pelo exercício do magistério, ele dispõe de um prazo, geralmente cinco anos, para providenciar sua formação pedagógica, que quase sempre é custeada pelo Estado.
Existem também um movimento na criação de cursos de licenciatura de algumas áreas, mas não outras. Alguns exemplos seriam: Licenciatura em Administração, em Informática, Enfermagem, Economia entre outras experiências. Cursos de licenciatura e pedagogia formam professores. Geralmente as licenciaturas são comuns nas disciplinas básicas ofertadas na Educação Básica (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Física, Química, etc.). Contudo, considero um absurdo não termos no Brasil uma solução disponível e pronta para utilização em escala para etapas escolares inteiras ou modalidades importantes como é o caso da Educação Profissional.
Como saber quando bacharéis e tecnólogos irão escolher atuarem na Educação Profissional e Superior? Não tem como saber com precisão. A maioria dos bacharéis e tecnólogos atuam no mercado e não no magistério. Mas, quando isso ocorre a solução para convertê-los em professores já deveria estar providenciada e funcionando em caráter permanente, sem improvisação e atropelos.
E qual é a solução? Acredito que a solução seja o curso de Licenciatura em Educação Profissional e Tecnológica, ditos também Licenciatura em EPT, afinal são cursos deste tipo que formam professores. Existem inúmeras licenciaturas, que no Brasil remontam a década de 1930, para nos inspirarmos.
Afinal, no Brasil na atualidade, os cursos que habilitam professores para o exercício do magistério na Educação Básica são as graduações no formato de licenciaturas. Para o exercício do magistério na Educação Superior exige-se cursos de pós-graduação. Como a Educação Profissional transita da Educação Básica à Superior, daí a necessidade da formação em cursos de licenciaturas.
Não acredito no argumento de que a profissão do magistério não careça de formação específica e nem naquele que diz que os anos de experiência são suficientes para formação de professores. Ninguém hoje em dia mais confia em dentistas-práticos, os “tiradentes” do passado, ou cirurgiões-práticos do período medieval. Profissões de alto valor social e econômico como o magistério necessitam de formação própria ou específica. O magistério trata-se de uma profissão que demanda formação teórica e prática e não apenas esta última como argumentam alguns. Afinal é a formação cidadã, ética e profissional das gerações do presente e do futuro que está em questão.
Enfim, o magistério é uma profissão que necessita de formação específica. O estudo de didática, comunicação, oratória, retórica, hermenêutica, avaliação, currículo, planejamento, ética, legislação educacional, história e filosofia da Educação, entre outros, são imprescindíveis na formação de um professor que seja verdadeiramente um educador.
Sempre que este assunto é debatido as pessoas gostam de evocar exceções de professores brilhantes que não possuíam formação em Licenciaturas ou curso de Pedagogia. Tais exceções certamente existem, e não podem comprometer o estabelecimento de normas gerais adequadas e viáveis para a sociedade. Exceções não comprometem a regra. O inverso também é verdadeiro. Existem licenciados que são péssimos professores, médicos formados que são tenebrosos, engenheiros temíveis e assim sucessivamente. Em todas as áreas há exceções de ambos os lados.
A questão aqui não é evocar exceções para sabotar um debate honesto e saudável sobre quais regras devemos adotar para toda a sociedade. A Educação Profissional é uma modalidade e etapa escolar permanente e sempre tivemos esse problema qualitativo e quantitativo na formação de professores. Trata-se de um problema centenário. Quanto tempo ainda precisaremos para começar agir?
Os cursos de Licenciatura em EPT deveriam ser ofertados de maneira permanente para todos os interessados em atuarem na Educação Profissional, seja técnica ou superior, e principalmente para aqueles que já estão atuando sem formação no magistério. As Rede Federal, por exemplo, através dos Institutos Federais e Cefets, por exemplo, deveriam disponibilizar tal formação e também demais instituições públicas e privadas que se interessarem, como já ocorre com as demais licenciaturas.
Resolver o problema da formação quantitativa e qualitativa de professores é um passo fundamental para melhorar a Educação Brasileira como um todo. Educação pública, gratuita e de qualidade para todos sem a formação de professores adequados e na quantidade demandada pelo País é pura demagogia.
Aqui, alguns novamente lembram das exceções. Existem cursos de licenciaturas ruins. Pois bem. Existem cursos de bacharelado, tecnólogos e de licenciatura de boa e má qualidade, presenciais e EaD, em todo o Brasil. Não é essa a questão, o que está em pauta é o modelo que deve ser adotado. Embora, acredito que algumas permissões atualmente existentes no Brasil para funcionamento de certos cursos EaD são muito amplas, permissivas e excessivas e deveriam ser revistas. Deveríamos caminhar para promover um maior equilíbrio entre formatos educacionais presenciais e a distância. Afinal, escolarização é também uma forma de socialização.
Enfim, o que está em jogo é o magistério. Professores precisam receber formação específica para o exercício de sua profissão. Não deveríamos admitir como sociedade, professores sem formação adequada atuando junto de nossas crianças, adolescentes e jovens. Isso é ruim para todos, estudantes, professores, famílias e sociedade.
Ainda há muito por fazer e a formação de professores é uma destas tarefas.

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Por Editor1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *