Logo Jornal Interação

História & Genética

 

A genética pode contribuir para esclarecer o que ocorreu no passado humano? O estudo do passado pode beneficiar-se das descobertas da genética? Pode-se falar em fontes genéticas para a história humana?

Embora, possa parecer estranho que uma área típica da Biologia possa contribuir com o esclarecimento do que ocorreu no passado, isso já é uma realidade.  Milhares de pessoas mundo afora realizam testes de paternidade e de maternidade para esclarecem aspectos referentes a sua história individual.

Não importa a motivação destes testes. O fato é que eles se tornaram possíveis a partir das descobertas da genética. Recentemente a impressa brasileira divulgou que o cantor Gilberto Gil e alguns de seus familiares fizeram testes de ancestralidade para colaborar com a pesquisa da árvore genealógica de sua família.

Os especialistas na área da genética também já sabem que no futuro serão possíveis novos testes e metodologias investigativas a partir do DNA. Isso ocorre porque teoricamente são possíveis, ainda que condições materiais sejam fatores limitantes. Assim, da mesma forma que assistimos recentemente a avanços significativos, isso nos garante que novas possibilidades estão a caminho.

Outros casos envolvendo a genética e a história não deixam de chamar a atenção. Na França, um caso que rendeu polêmicas refere-se a dita refutação do parentesco biológico entre, o ex-presidente e ex-imperador, Napoleão III e seu dito tio Napoleão Bonaparte. O geneticista francês Gérard Lucotte responsável pela pesquisa, a partir de material coletado dos dois, concluiu que eles não eram parentes como sempre se acreditou. As polêmicas não gravitam em torno da eficiência e exatidão dos testes genéticos, mas na forma como foram providenciadas as amostras e algumas teorias contraditórias defendidas por Lucotte.

Seja como for, a genética veio para ficar. E as potencialidades são muitas, mas como tudo na vida é preciso bom senso para evitar os exageros. Atualmente alguns estudiosos deixam transparecer uma verdadeira “genomania”. Desde a divulgação do Projeto Genoma Humano, em 2001, entusiastas, visionários e até românticos acreditaram que a genética poderia ser uma redenção para a humanidade. A solução para quase todos os males humanos.

Prever doenças, possibilitar novos tratamentos, informar-nos de alimentos impróprios, medicina personalizada, alimentos transgênicos e colaboração na investigação de crimes. Tudo isso é verdade, mas passado o boom inicial do entusiasmo verificou-se que muitos das notícias que foram alardeadas não se concretizaram.

E isso não é novidade na história humana. De tempos em tempos as pessoas acreditam que soluções tecnológicas, científicas ou técnicas poderão resolver nossos problemas sociais, políticos, culturais e econômicos. Foi assim com a primeira revolução industrial no final do século XVIII, com a eletricidade e a telefonia no final do século XIX, e com os computadores e a internet no final do século XX.

Não se trata de desmerecer a genética ou qualquer outro avanço científico, técnico e tecnológico. Mas apenas de evitar-se rompantes de entusiasmos e o alardeamento de promessas que não se cumprirão. A genética, como tudo neste mundo, tem potencialidades e limites.

Os historiadores sabem perfeitamente que o surgimento de novas fontes é sempre animador. Inúmeros episódios do passado podem ser esclarecidos, ou melhor compreendidos, com o uso de novas fontes. Pesquisas com utilização de técnicas genéticas recentes, por exemplo, esclareceram que a hanseníase foi introduzida no Brasil a partir de indivíduos europeus e africanos, o que reforçou a tese há muito defendida que essa doença era desconhecida nas Américas antes da colonização.

Enfim, novas fontes são bem vindas. Mas a genética também pode plantar dúvidas como no caso de Napoleão III. Afora alguns projetos improváveis e que ocultam interesses não-científicos como a busca pelo DNA de Cristo e a sonhada confirmação por grupos racistas da existência de raças na espécie humana através da genética.

Houve uma época que os historiadores não utilizavam de todas as fontes disponíveis para a compreensão do passado e a escrita da história. Algumas eram consideradas impróprias. Contudo, hoje essa postura é abandonada. Apesar disso, a cautela, o bom senso, o cruzamento de fontes e a plausibilidade continuam válidas.

Por fim, resta lembrar que passada a onda de otimismo do Projeto Genoma Humano logo verificou-se que o chamado “determinismo genético” não encontrava apoio científico.

Todos os animais, seres humanos e sociedades são produtos de uma relação complexa entre genética e ambiente, ou entre natureza e cultura, biologia e sociedade, inato e adquirido. E mais, o fator ambiental tem se mostrado preponderante na história constitutiva dos indivíduos e sociedades. Ambiental neste caso seria no sentido amplo e não restrito de natureza ambiental.

Alguns genes de determinadas doenças, por exemplo, podem nunca serem ativados em certas pessoas, enquanto em outras isso pode ocorrer muito cedo na vida.  Isso devido a fatores sociais, hábitos de vida, costumes, etc. É preciso cautela para também não criarmos uma espécie de “preconceito genético”, uma condenação a priori de certos indivíduos baseados em sua genética. Um triste engano que podemos assistir de forma magistral no filme “Gattaca, a experiência genética (1997)”. Um ideal que no passado levou ao darwinismo social, a eugenia, ao fascismo e ao nazismo.

O biólogo Richard Dawkins argumentou numa de suas polêmicas obras que os genes estavam silenciosamente no controle de nossas ações. Será? Caso positivo, até que ponto? Quem é o maior protagonista de nossa história? Nossa vontade ou nossa genética? Tudo se inclina na atualidade para nosso lado social, nossas motivações políticas, culturais e econômicas, nossa vontade.

Certamente a genética contribuirá com o esclarecimento do passado humano, mas como todas as demais fontes precisam ser examinadas de forma crítica, sem ceticismo crônico e rompantes de entusiasmo. Sem excessos, sem aplausos e vaias. Apenas de maneira condizente com a ciência e tudo que sabemos até então. Pautados pela ética que deve guiar todas as ciências, em suas práticas internas e externas. Sem genomania e genofobia.

Prof. Luciano Marcos Curi – Pós-Doutor em História Social – IFTM – Câmpus Uberaba – Contato: lucianocuri@iftm.edu.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *