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Por Maurício de Castro Rosa

O ser humano é o único animal que arrisca sua vida sem ser para comer ou se salvar de um predador. Ele arrisca a vida por adrenalina, por emoções, por desafios, pelo prazer de superar seus próprios limites. Desafiando um mar agitado, fortes ventos contra, temperatura baixa da água e tráfego intenso de transatlânticos, a Ultramaratonista  em águas abertas, Catarina Almeida Porfírio, se aventurou na travessia do Canal da Mancha, que liga a cidade de Dover na Inglaterra, à cidade de Calais na França.

Colecionando grandes resultados em provas de Triátlon e natação, Catarina despertou o sonho para tentar a travessia do Canal da Mancha. Foram dois anos de treinamentos intensos, neste período foi conquistando resultados expressivos no meio aquático como: a Maratona Aquática 14 Bis, Ultramaratona de Bertioga – Guarujá e a dificílima Ultramaratona do Rio – Leme a Copacabana, o que lhe credenciou o direito de ir em busca do Canal da Mancha. Muitos atletas que buscam este feito, não conseguem o credenciamento para esta travessia.

Foram mais de dois anos de muito treinamento e participação em Ultramaratonas buscando credenciamento para travessia.

Com cerca 35 km de extensão, o Canal da Mancha é considerado o maior de todos os desafios da natação de águas abertas, ele é um braço de mar que faz parte do oceano Atlântico e que separa a ilha da Grã-Bretanha do norte da França e une o mar do Norte ao Atlântico. São grandes as dificuldades enfrentadas pelos atletas que arriscam superar este desafio, as variações de maré que geram correntes que mudam de direção a aproximadamente cada seis horas,  os ventos fortes são constantes, o clima da região é imprevisível com mudanças repentinas e também porque o Canal da Mancha é cruzado diariamente por mais de 500 embarcações comerciais, muitas de grande porte, outro fator que dificulta muita a travessia dos nadadores é a temperatura da água que mesmo no verão  varia de 10 a 17graus. O período de tentativas para travessia vai de junho a setembro durante o verão europeu, para isto não existe uma data certa, os organizadores criam uma janela que varia de 05 a 08 dias, essa janela é reservada com pelo menos um ano de antecedência, é a natureza que dita a hora exata da partida.

Por mais que o atleta esteja preparado para uma aventura radical desta natureza , por mais que se treine, estude e receba orientações de treinadores, atletas que já tentaram ou realizaram a travessia, todos relatam que é muito tensa a ansiedade, a adrenalina, a emoção, sem contar o medo natural pelo alto grau de dificuldade e riscos iminentes como: contato certo com águas vivas, tráfego intenso de navios, e risco de hipotermia devido a baixa temperatura da água o qual muitos acreditam ser um dos maiores obstáculos, além é claro do esforço físico intenso em torno de 16h. Uma aventura que exige altas doses de determinação, excepcional preparo físico e muita coragem.

A prova

A data definida pela equipe da atleta Catarina foi entre os dias 05 a 12 de agosto, Catarina desembarcou no dia 28 de julho na Inglaterra, carregando na bagagem muito treinamento, coragem e determinação, todos os preparativos foram checados e agora era esperar o sinal de partida que é definido por uma comissão que analisa todas as condições climática visando a segurança da atleta. Não é permitido o uso de neoprene (roupa de borracha para diminuir o atrito com a água e manter o corpo aquecido), a atleta pode usar somente um maiô, uma touca, óculos e uma mistura de vaselina e lanolina sobre a pele.

O primeiro parecer da comissão é que as condições não eram idéias para o momento, ventos fortes e mar agitado acima do normal não permitiria a liberação da atleta. Ali sim, começava o primeiro desafio da travessia, lidar com a ansiedade e a espera por tempos melhores, neste momento o fator psicológico exerce sua força, exigindo muito equilíbrio e vontade para encarar o desafio. Catarina enquanto esperava todas as definições, mantinha com seu treinador a programação de treinamento diário até a data da largada, neste momento  Catarina já sentiu que a água gelada poderia ser um grande adversário. No dia 04 de agosto veio a tão esperada notícia, a comissão liberou a largada para madrugada do dia 06, uma respirada forte, a reação imediata do coração aumentando as batidas como se estivesse conferindo se estava tudo em ordem com seu corpo,  a ansiedade foi ao ápice extremo, “agora não é mais ansiedade é um estado de transe mesmo até eu cair na água”explicou Catarina. A equipe do jornal Interação teve oportunidade de manter contato com a atleta e sua equipe durante todo tempo que esteve na Inglaterra para realização da prova.  Já concentrada, seu experiente treinador Igor Souza, (Vencedor de várias provas de águas abertas pelo mundo, campeão mundial de águas abertas, ele fez a travessia do Canal da Mancha mais de uma vez não só de ida  mas, realizando ida e volta, conseguiu fazer um tempo menor na volta do que na ida, atleta algum no mundo conseguiu este feito ainda) ele passa as últimas informações e pede a ela para se preparar para o martírio durante as próximas 16 horas. Após algumas horas, para aumentar o desafio e ansiedade vem a notícia pelo treinador que a comissão resolve cancelar momentaneamente a largada, novas análises feitas, mostravam que as previsões meteorológicas haviam mudado, impossibilitando a liberação para travessia, concluíram com esta análise que o dia 12 poderia ser a melhor opção e também seria o último dia de janela, se não houvesse condições, a tentativa de travessia estaria cancelada. O tormento da espera foi no seu pico mais alto, tentando não perder o foco na prova e não se abater com tanta pressão sem se quer cair na água, Catarina seguia a risca todas as instruções de seu treinador; como sabemos que na natureza em questão de previsão o previsível muito das vezes é imprevisível, no dia seguinte, o treinador Igor veio com nova notícia de que as condições sofreram nova mudança e que o melhor dia seria para sábado dia 10 mas, com um agravante, as condições estavam no limite, longe do ideal para realizar a travessia, Igor expôs a situação e a opção de escolha ficou exclusiva para a atleta, “você que escolhe se quer tentar, o tempo não é o ideal, a situação esta mais difícil do que o normal e com risco de piorar durante a travessia,”  acrescentou o treinador Igor. Catarina confessa que de imediato foi apavorante a notícia, principalmente por causa da expressão tensa do treinador que realmente estava muito preocupado com a instabilidade das condições climáticas. Neste momento, Catarina conta que passou um filme pela sua cabeça, dois anos inteiros, tudo que passou, o que enfrentou, o que teve que superar nestes meses infinitos de treinamentos, muito desgaste físico e mental, muito suor, cansaço e frio, muitas dores e dificuldades, hoje o seu corpo esta totalmente preparado e condicionado, sua mente esta confusa mas, desejando ao menos desafiar as dificuldades e obstáculos que a tão amiga natureza insistia em lhe oferecer, mesmo sobre pressão psicológica o sentimento de coragem falou mais alto, com a mesma determinação que ousou um dia sonhar com este imenso desafio decidiu que não iria desistir, mesmo que as condições climáticas lhe impunham esta opção, “pensei muito e decidi tentar, porque de tudo que eu passei até agora a virtude que eu quero me orgulhar é de ir até o final é ter coragem, então eu vou tentar, vou pular na água e vou tentar,” decidiu Catarina. A hora da largada foi marcada para as 3:30 de sábado, hora local e 23:30 (sexta feira) hora de Brasília, aqui no Brasil, a família e amigos acompanhavam ansiosos todo o desenrolar desta aventura, inclusive acompanhando ao vivo pela internet via satélite o posicionamento no mapa da localização do barco de apoio que acompanha o atleta, trazendo muita emoção para todos. Diante da situação, a ansiedade agora era da possibilidade da comissão na hora da largada não permitir a partida pois as condições estavam no limite de segurança pra travessia, tensão e emoção se misturam e tomam conta até do treinador experiente para que dê tudo certo. Já seguindo toda preparação de repouso e alimentação, Catarina aguardava ansiosa para a hora de poder cair no mar; a angustia da espera na solidão momentânea, longe dos filhos Henrique, Rodrigo e Ágata e do esposo Dr. Humberto Porfírio, neste momento, já não existia mais tranqüilidade para um sono perfeito, imprescindível para seu condicionamento. Nestes desafios extremos, a adrenalina, ansiedade, saudade e sentimentos diversos se misturam, tentando atormentar o psicológico de qualquer atleta, o medo é o mais forte dos sentimentos, é um adversário que os super atletas aprendem a dominar, naquele momento tudo se voltava para o desejo de realizar este grande sonho, o medo agora tomara novo rumo, era o de não liberarem sua largada.

A bordo do barco Rowena preparando para inicio do desafio

A hora chegou, um despertar ansioso mas, tranqüilo pelo silêncio que a solidão lhe impusera  e pela escuridão da madrugada  daquele verão Inglês, o olhar pela janela se perde na escuridão e imensidão daquele mar negro, que insistia em não acalmar suas águas, uma prece final pedindo proteção divina, a última ceia para garantir o máximo de energia, a farda de guerra que se resume em apenas um maiô, uma touca e um óculos, neste momento, os pensamentos vão se misturando em vários flash, a adrenalina já dita o ritmo para não deixar o cérebro ser dominado pela angustia, pela ansiedade e pelo medo que sempre esta de plantão. Tudo pronto, mantida as previsões anteriores, a comissão permite que o pequeno barco Rowena parta rumo ao local de largada, neste tipo de prova, a atleta tem que pular em  alto mar, nadar até a praia, ficar em pé, erguer os braços sinalizando que esta tudo pronto e um forte apito sonoro da a  partida no desafio, Catarina conta que nesse trecho nadando do barco até a praia, teve um momento estressante pelo fato de estar numa escuridão total, guiada apenas por um facho de luz que vem  do barco, onde a chegada  na praia não é um local  limpo, tem muita vegetação com algas, “realmente chega ser  apavorante com aquelas algas tocando meu corpo, naquela água gelada, sem eu saber se poderia haver qualquer  espécie de animal marinho que pudesse me atacar, me ferroar, ou me morder,” explicou Catarina.

Dada a largada, mar agitado, temperatura da água abaixo dos 15 graus, uma escuridão total naquela imensidão de oceano, dali pra frente era nadar, nadar e nadar. Como previsto, o maior adversário além do mar  agitado com aumento das marolas (as marolas dificultam as braçadas e faz o atleta beber muita água salgada), o frio era desgastante desde o inicio, Catarina relata que começou muito cedo a  negociação com seu psicológico, lutando com o desconforto que sentia; com duas horas de nado  o frio já era insuportável mas, o dia começou a clarear trazendo junto com a beleza do nascer do sol,  uma expectativa e um novo  ânimo, “mesmo sofrendo muito continuei a lutar, apesar da força de seus raios, o sol não trouxe aquecimento que refletisse melhor na temperatura da água, com quatro horas de  braçadas, as dores que sentia com o frio me fez questionar com o Igor a possibilidade de não agüentar”, “esta insuportável!” reclamou a atleta.

Depois de duas horas na escuridão e no frio, Catarina pôde vislumbrar o nascer do sol.

Durante todo o trajeto o treinador mantém uma observação e um controle rígido sobre a atleta, visando aferir todas as reações neurológicas e físicas para preservar a sua integridade, existe ali alto risco de hipotermia (que acarreta a perda da consciência, falência dos órgão e até a morte),  o treinador Igor, incentivou-a para não desistir, disse a ela que estava indo muito bem, mantinha o ritmo bom de braçadas, não tinha indícios de hipotermia, fisicamente estava ótima e que as dores insuportáveis era normal, provavelmente aos poucos ela iria se adaptar. Seguindo a orientação, Catarina manteve seu ritmo, “com cinco horas, tive o momento mais difícil, muitas dores proveniente do frio excessivo, um desconforto muito grande tirava meu foco e capacidade de concentração mas, decidi que não desistiria ali, negociei comigo uma nova meta na expectativa de uma adaptação do meu organismo” acrescentou a atleta.

Araxaense Catarina Porfírio lutando contra as marolas no mar agitado do Canal da Mancha

Apesar de toda dificuldade Catarina buscava desfrutar do prazer de estar ali realizando seu sonho, “eu tinha uma visibilidade muito boa, podia ver a todo momento meu barco de apoio que me passava segurança apesar de minúsculo naquela imensidão de oceano, pude assistir alguns tripulantes do barco passando mal pelo efeito do balanço causado pelas fortes marolas, os óculos além de proteger os olhos permitiam que eu admirasse os peixes, os cardumes das maravilhosas e temidas águas vivas (elas provocam queimaduras em contato com a pele) que passavam abaixo de mim, olhando para frente  via também os imensos e imponentes transatlânticos cortando o canal e aos pouco, no horizonte comecei a avistar as tão desejadas terras francesas”, vislumbrou Catarina.

A batalha foi intensa desde seu inicio, o tempo já contabilizava mais de 30.000 braçadas  naquele imenso oceano gelado que insistia em se manter agitado, já decorridos 8 horas e meia nadando, aproximadamente 24 km  percorrido, em  torno da metade  do percurso, a distancia  do canal é 35 km mas por causa da mudança da maré os atletas percorrem em media mais de 40 km  para conseguirem atravessar; dores insistentes proveniente do frio excessivo que não aliviava, foram torturando e minando o emocional da  atleta Catarina , “eu via a França,  lutava para  continuar,  mas sabia que ainda estava muito longe, naquele momento tinha forças para nadar, o cansaço estava controlado mas, não tive capacidade de aguentar mais tanta dor e tanto frio” lamentou Catarina.

Mar agitado e baixa temperatura da água foram os maiores obstáculos para Catarina na travessia do Canal da Mancha

A bordo do Rowena novamente, sem ter pisado em solo Francês deixou um sentimento forte, “voltei transformada, engasgada pois, não é fácil, foram 2 anos de muito treinamento, por outro lado voltei fortalecida, determinada e ali mesmo percebi que a travessia continuava,” concluiu decidida Catarina.

Experiente treinador Igor Souza que já realizou a travessia do Canal da Mancha, faz todo acompanhamento nos treinamentos com a Catarina

O treinador Igor, lamentou pelo fato de perceber que fisicamente Catarina estava pronta para a travessia, depois de 8 horas e meia naquele mar gelado e agitado, ela mantinha as braçadas fortes em um ritmo muito bom, mas entendeu a desistência, lembrando a ela que em condições de mar normal menos de 10% conseguem realizar a travessia e que ela deveria tentar novamente. De volta ao Brasil o reconhecimento do grande feito realizado foi total, a família e amigos, era só alegria e comemoração.

Já no aconchego de casa, junto da família, refeita do desgaste intenso, Catarina conta que a experiência foi maravilhosa “minha maior dificuldade foram as dores consequentes do frio, um frio que  eu não conhecia, nos não temos no Brasil  um frio  como  o de lá, o verão  de lá para nos  é ainda muito frio, a água fria me trouxe alguns complicadores  mas,  o principal foi a questão  mental, não suportar tanto tempo no meu limite, mesmo assim curti muito, aprendi muito e valeu muito” explicou a atleta

Com o apoio do treinador e de sua família ela decidiu que irá continuar treinando para uma nova tentativa de travessia, “voltei determinada, meu técnico quer que eu volte, minha família quer que eu continue sonhando e eu também quero”, decidiu a super atleta Catarina.

Fica aqui o reconhecimento deste grande feito, toda torcida e desejo de sucesso para continuação da realização deste grande sonho, neste desafio tão radical. Parabéns e boa sorte!

Por Editor1

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