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TARTARUGA, JABUTI OU CÁGADO

7//08/2014- 12:38

PorEditor1

ago 7, 2014

 

 

Por: Lobo Júnior;  

Estamos acostumados desde a tenra idade a chamar qualquer réptil que possui carapaça de tartaruga, nada demais, afinal entre tantos outros erros que assolam o conhecimento/desconhecimento popular, baseados em “causos” e repassados de geração a geração, é ínfimo mas suscita discussões e relatos confusos.

Quando em São Paulo, cerca de 12 anos atrás, fui requerido a encaminhar uma “tartaruga” comprada numa feira na região do ABC, cuja proprietária, amiga de uma amiga, achava que o animal não estava se adaptando em sua casa. Perguntei: “Como é o bicho?”, apostando se tratar de um cágado – “É de terra está numa caixa de sapato, mas ela poem ele na água as vezes…” – “?” – e continuou: “… tem uns 10cm, come tomate e alface… quer dizer, alface ele não gosta, mas aconselharam ela que deveria oferecer.” (Ledo engano sobre a dita verdura)… concluí: “Oras, então trata-se de um jabuti”.  Com mais algumas descrições díspares ficava mais e mais curioso, tanto que julguei se tratar de objeto de estudo à CRIPTOZOOLOGIA (ciência que estuda animais mitológicos ou supostamente vistos – Pé-grande, Chupa-cabras, etc). Qual não foi a minha surpresa ao me deparar com um Cágado de barbicha (Phrynops geophroanus), exemplar aquático cuja “conversão” ao vegetarismo não só era inadequada quanto impossível, afinal são carnívoros, mas frente as necessidades se virou no tomate – o alface estava fora de questão mesmo.

Mas então desfaçamos esta confusão de uma vez por todas: Todo réptil que portar casco são chamados na Biologia de Quelônios. O dito “casco” é composto pela carapaça – parte de cima – e o plastrão – a parte de baixo – e é exatamente esta mesma “armadura” que delimita a movimentação desses animais, mas nem por isso os torna inaptos, ao contrário, chegam a causar uma discreta admiração de nossa parte.

A Ordem Testudine divide-se em animais aquáticos e terrestres (alguns poucos exemplares transitam os dois universos). A língua inglesa nomeia os aquáticos, independentes da água ser doce ou salgada, simplesmente por “TURTLE”. Mas aqui em nossa terra fazemos uma maior distinção ao classificá-los em “TARTARUGAS” – FOTO 1 – para animais marinhos, como a Tartaruga boba (Caretta caretta), T. verde (Chelonia mydas), T. de couro (Dermochelys coriacea) etc e Cágados. Sobre as primeiras, são 7 espécies que vagueiam nos oceanos e 5 destas vem nidificar em nossas orlas. São os maiores quelônios que existem e tem na T. de couro o seu maior representante com consideráveis 600 quilos de peso distribuídos em 2 metros de casco (os quelônios são medidos pela carapaça, desconsiderando pescoço e cauda). Alimentam se de algas, animais mortos, ovas de peixes e o pior: LIXO… São notórias as histórias envolvendo animais que se asfixiaram com sacolas confundidas com Águas vivas, também uma iguaria ao duvidoso paladar destes ameaçados seres de Netuno.

Já o termo “CÁGADO” se aplica aos que vivem em água doce, como por exemplo, o Cágado pescoço de cobra, Cágado da lagoa, o C. feio, as Tracajás, Muçuã e o conhecidíssimo  Tigre d’água – FOTO 2 – (confundido com o norte-americano “Orelha vermelha”, ambos comprados como pets, vias legais ou não)e outras espécies que raramente são avistadas, seja o motivo o que for. São em sua maioria carnívoras, embora haja exemplares que se alimentam de frutos que caem das árvores ribeirinhas, e são estas as que alcançam as maiores dimensões. Um exemplar da Tartaruga do Amazonas (trata-se de um cágado na verdade) alcançou 115cm – recorde nacional. Na média seu peso varia na casa dos 50 quilos ou mais e chegam a botar entre 150 a 250 ovos. Já a Muçuã mede, quando muito, 25cm e não chega nem a 1 quilo de peso, depositando apenas 3 ovos por vez é um dos menores quelônios do mundo e sua área de abrangência é a parte norte do nosso país. Ainda assim, tanto ela quanto a do Amazonas são utilizadas como fonte de proteína pela população local. Alguns cágados como o bizarro Matá matá (Chelus fimbriatus) exala uma secreção semelhante a esgoto, que de tal maneira desencoraja ávidos caçadores a capturá-lo. Outras espécies como o Cágado de barbicha são tão bem adaptáveis que sobrevivem inclusive em águas de má qualidade.  Já os vi em rios como o de Ribeirão Preto e Rio Batalha (Bauru-SP), inclusive em canais cimentados em várias partes desse Brasil. Esse sim é o verdadeiro Herói da resistência, alimentando-se de carniça, detritos e microorganismos em suspensão na água que capta com golfadas aparentemente sem sentido para nós.

Acrescento que alguns cágados podem ainda ser classificados na subordem Cryptodira – quando recolhem suas cabeças para dentro da carapaça (algumas poucas espécies inclusive movem seus plastrões selando-as), ou Pleurodira, quando recolhem lateralmente seus pescoços. A distribuição destes diferentes grupos atestam o megacontinente Pangéia, denotando o status de pré-históricos, uma vez que já existiam há mais de 200 milhões de anos atrás.

Finalizando temos os bonachões e simpáticos jabutis – FOTO 3 – (“TORTOISE”, no inglês), animais terrestres de formato mais oblongo, mais alto também e, sobretudo longevo. Os gigantes, tanto os de Aldabra, no Índico, quanto os de Galápagos, no Pacífico, avançam os 150 anos. As patas dos jabutis são semelhantes aos pés de elefantes, razão pela qual o sufixo “elephantopus” já fez parte do nome científico para designar essa característica.

 

Apesar das 90 espécies de jabutis, apenas 3 constam na América do sul e somente 2 no nosso país: o Jabutipiranga (Chelonoidis carbonaria) e o Jabutitinga (Chelonoides denticulata). O primeiro habita a região Centro-leste enquanto que o segundo ocorre na Noroeste. Ambos são onívoros e são surpreendentes quando o assunto é alimentação, pois seu cardápio é bem extenso: frutas (maduras ou podres), verduras, forrageios, animais mortos, cactos e não dispensam nem fezes alheias (coprofagia), uma maneira de absorver nutrientes e cálcio, por exemplo, para fortalecimento de sua proteção, a carapaça, que nada mais é do que costelas achatadas que são fundidas formando uma abóboda rígida que isola o corpo do bicho. Sobre este “teto” placas escamosas reforçam um design selecionado pela evolução.

Todos os quelônios são ovíparos (poem ovos) e ectotérmicos, isto significa que dependem do sol para manter seu metabolismo e para a absorção do cálcio. Quando em períodos frios, jabutis chegam a “hibernar” por meses até, acordando de vez em quando durante dias mais amenos. Conseguem isso abaixando sua taxa metabólica poupando assim energia. Duas outras curiosidades sobre os terrestres ocorrem durante a época do acasalamento: A primeira depõem a lendária lerdeza relatada por Esôpo em sua famosa fábula, afinal quem pôde presenciar um assédio junto as fêmeas por parte dos machos atesta que sua velocidade triplica frente a segundas intenções e a insistência é desconcertante. A segunda característica ocorre durante a cópula onde machos vocalizam… é isso mesmo, eles dão voz ao frenesi, algo semelhante a um cacarejar com risada, somados a feições hilárias e movimentos laterais de pescoço. Chega a nos fazer pensar em o quanto eles se assemelham a nós em tão íntimo momento.

No mais, são animais que estão sob ameaça por nossa causa (novidade?). E ela se fortalece na forma de crendices toscas, ignorância, predação e até na admiração de pessoas que os querem como pets. Queimadas e desmatamentos de seus habitats também são fatores que interferem na retomada de um número considerado otimista do ponto de vista conservacional.

Há ainda muitos detalhes a respeito dessas criaturas admiráveis cuja aparência e óbvias limitações escondem segredos que contestam nossa supremacia sobre a face da Terra e novamente expõem nossa pequenez.

Por Editor1

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