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Carta para Maria:

9//08/2019- 12:31

PorEditor1

ago 9, 2019

“Carta para Maria”

Hoje – 25/07/2019 – é o dia do Escritor.

Conto minha história, passada para o papel em:

 

Belo Horizonte, 21 de agosto de 1974.

 

Moço Hilton – Martins da Costa

 

Bom dia.

Era de manhã. Mês de Abril – 1973

De repente cheguei na casa de meus pais você ali estava, de pé, perto do seu Volks preto.

Calças listradas, camisa escura cinturão largo, sapatos finos, uma presença bem talhada que me atraiu por alguma razão.

Um moço de pé, partindo para a vida, como os meus filhos, os meus irmãos, os meus sobrinhos, os moços desse tempo.

Não Sabia que você era. E não o admirei menos quando soube Respeitei em você, o rapaz que tem a plenitude de viver uma experiência pesada para um corpo tão jovem, mas que veio para você porque você tem alguma coisa positiva para transmitir a cada um que se passa.

Não pretendo ser conformista ou teorizar com argumentos catados nos evangelhos que os homens usam, ou decoram, ou criam para mandar os outros praticar.

Pretendo, sim, usar você a sua estória para tirar dela a lição que se propõe para o meu uso e para você acreditar que a maternidade real, humaniza homens e mulheres, ou não existe.

A “presença cosmética” da mamãe do dia das mães, não cabe num lar, onde justiça, castigo, destroem os filhos dos outros e não devolve os nossos filhos, os nossos mortos.

Você é um filho dos outros, eu não vejo como um A1 Capone ou um dos Lúcio-Flávios, homens pela metade, sem pedirem pela metade, sem pedirem para ser assim, carregam determinismo da espécie-a tara? –  ou serão super dotados fora do caminho?

A bioquímica, a psicanálise parece que encontraram a morada das malvadezas. Uma área frontal, uma mutação celular obnubilam a mente; enquanto no id teorias em lutas respondem pelos homens oscilantes

Nessa linha aceito os crimes, o isolamento dos psicopatas, as determinações legais que protegem a sociedade contra os nocivos. “O egoísmo, a ambição a maldade são vestimentas psicóticas não generalizáveis”.

Aceitar todas as falhas humanas com fraqueza, liberta, conforma, mas não seria favorecer á omissão em massa, estilhaçando o móvel dos troféus olímpicos; a força da vontade, o arsenal volitivo?

Você é capaz de racionalizar Hilton, isso faz de você um informado, uma bem delineada promessa de um cidadão capaz de se integrar no seu tempo criticando e dinamizando a época.

Aprimore a sua bagagem pessoal; só um homem acuado pode transpor as barreiras que reduzem possíveis heróis a soldados rasos. Só de uma situação limite, nasce a esperança e com ela os homens-sinal.

Não sei, Hilton, mas você é um homem-sinal, nas leis do trânsito.

-Pare e olhe.

As campanhas educativas foram intensificadas, há alertas constantes na comunicação planetarizada do nosso tempo,  o limite da máquina, brinque do perigoso, metralhadora repelente nas mãos ingênuas de crianças-choufers, ainda é desconhecido.

Renovam…mudam…buscam um remédio para humanizar o trânsito. É urgente, os slogans apelam…

“Civilização é dignidade no volante”.

Divagar virá a mentalização.

Muitos ainda serão surpreendidos morrendo violentamente.

Muitos, como você, terão de aprender a conviver com o pesar de ter magoado um lar e… não poderem fazer nada, muito menos desesperar.

De uma certa forma, estou na estrada, sem ter carro. Passo pelo presente espiando e temendo, mas sobretudo armazenando vivencias.

“Estradas é liberdade

Estrada é sentimento

Estrada é afirmação

Estrada é amor;

“Guie sem ódio.”

“Guie sem álcool.”

É muito custoso amar quando se tem razões para odiar.

Naquela manhã de abril, você apareceu no meu caminho como um precursor que anuncia uma provação para muito breve.

Silencioso, diferente procurando ser um da turma. Família simples, unida, espontânea e numerosa. Sei que você gostou dela, você lutava para estar presente, mas alguma coisa o afastava sempre; aquela vontade de ser mágico para mudar tudo. Seguia você.

Então Carlos me contou:

– Mamãe, esse moço é o Milton, (tal e tal), diz ele que essa foi a melhor sexta-feira da paixão de sua vida.

Bati um close mental, você deixava a cozinha, e seguia para a varanda, logo atrás de meu saudoso mano, o Ricardo.

Passamos o dia na fazenda, retornando a Araxá á tardinha.

Pensei muito em você tentei compreendê-lo, usando “um coração de carne’, capaz de ser fecundo até nas jogadas da morte, passando pelas agressões da vida.

Não tenho esse coração, mas conheço uma pessoa que tem, já vi minha mãe ser nobre não poucas vezes, suas atitudes reverentes não macularam os homens, mas a colocaram no alto.  “Onde as coisas grandes perfilam”.

Naquela manhã de abril, nascia e se estenderia para o futuro  um princípio da dor, que nos tornou 15 em lugar dos 16 irmãos que você conheceu.

Menos de um mês se passou uma mágoa profunda veio morar comigo.

Ricardo veio a B.H nos visitar, o pânico rondava nosso lar

Meu marido fora operado repentinamente, o diagnóstico – câncer.

Tenho oito filhos dependentes muita fé, muita luta, muito trabalho e dinheiro pouco.

Ricardo chegou feliz, para dar sua presença simples, sincera e pura.

– “Eu vim para te ajudar”.

Foram as suas palavras ao chegar.

Ninguém me ajudou mais do que ele: eu soube depois.

Oferecera a sua vida, pela de meu marido. Vinte-oito anos e muita vontade de ser feliz. Não estou muito certo do meu lado místico, aceito o fato e sua luz.

Para os que crêem em Deus, na linguagem dos homens; Deus negociou com ele.

Os cirurgiões não tinham dúvidas, mas a biópsia foi negativa.

A alegria estaria conosco, outra vez, mas por poucas horas.

À noite, voltando de um festival de chopp em Ravena, uma turma de rapazes, as circunstâncias e a imperícia do motorista tiraram Ricardo do nosso convívio e… acrescentaram mais uma vítima do trânsito, nas estatísticas.

Estou na minha casa prisioneira do pesar.

– Por quê? Carlos levou o Ricardo ao festival de chopp. Porque?

– “O Carlos não teve culpa ele quis só fazer um programa com o Tio Ricardo; Deus é quem sabe o porquê.

Disse minha mãe, diminuindo o sofrimento de um neto, me tirando do choque, ela que sofria a perda de um filho. 17-06-1973

Eu poderia colocar o 361º presidiário no depósito de presos mas… tudo o que se fizer não vai trazer o Ricardo de volta, a morte é irreversível.

E assim, meu caro Hilton transferiu para o chofer o respeito que você me inspirou naquela manhã de abril.

Com a súbita partida de Ricardo, nos sentimos mais irmãos,mais amigos, mais solidários, mais de passagem mais essenciais.

Caminho devagarzinho, aprendo a conviver com a saudades, com a amargura e com a… alegria, porque, a “terra precisa ser azul” e o colorido está dentro de nós.

 

 

A mãe do Carlos.

 

 

Cecília Beatriz Porfírio Pereira Rosa.

 

 

 

 

 

Por Editor1

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