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Na tarde desta sexta-feira ( hoje), dia 04 de agosto de 2017, o Juiz da Vara Criminal de Araxá,Dr. Renato Zoain Zupo, irá conceder uma entrevista coletiva à imprensa para detalhar as sentenças profeirdas no caso dos ex-vereadores de Araxá, envolvidos no esquema de compra e venda votos para apoio político na reeleição do ex-presidente da Câmara Municipal de Araxá Miguel Júnior. De acordo com o Juiz Renato Zupo as sentenças dos ex-vereadores foram as seguintes: José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, foi inocentado ( absolvido) de todas as acusações. O ex-vereador Miguel Júnior  teve a pena de dois anos e um mês de reclusão em regime aberto mais multa no valor de 11 mil reais. O vereador Eustáquio Pereira foi condenado a dois anos de reclusão em liberdade e multa de dez salários mínimos. O ex- vereador Amilton Marcos Moreira ( Sargento Amilton) teve uma pena de dois ano e três meses em regime aberto e multa de 13 salários mínimos. O ex- vereador Marcílio de Faria recebeu uma pena de dois anos e onze meses em regime aberto e multa de quinze salários mínimos. O ex- vereador José Domingos Vaz teve uma pena de  dois anos e três meses em regime aberto e multa de 13 salários mínimos. E o ex-vereador Carlos Alberto Ferreira ( Cachoeira) teve uma pena de dois anos, sete meses e quinze dias em regime aberto e multa de  quatorze salários mínimos.  É bom lembrar que as condenações cabem recursos tanto por parte do Ministério Público, quanto por parte dos acusados. ( sentença completa e detalhada pode ser conferida no site do JORNAL INTERAÇÃO

 

Processo nº 0040.15.009534-4

Ação: Penal

Autor: Ministério Público de Minas Gerais

Acusados: Amilton Marcos Moreira, Eustáquio José Pereira, Marcílio de Faria, José Maria Lemos Júnior, José Domingos Vaz, Carlos Alberto Ferreira e Miguel Alves Ferreira Júnior

 

                                                                           SENTENÇA

 

 

         Vistos.

 

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ofereceu denúncia em desfavor dos acusados Amilton Marcos Moreira, Eustáquio José Pereira, Marcílio de Faria, José Maria Lemos Júnior, José Domingos Vaz, Carlos Alberto Ferreira e Miguel Alves Ferreira Júnior, todos já qualificados, por corrupção passiva, corrupção ativa em concurso de pessoas, por diversas vezes, e em concurso material, preconizados nos artigos 317, 333, 29 e 69, todos do CP. Acompanhou a denúncia o inquérito policial nº 4163897, de fls. 02/547, contendo diversos documentos, bem como depoimentos de testemunhas e acusados. As investigações policiais que deflagraram a colheita das provas foram alimentadas com pedidos deferidos de interceptações telefônicas obtidas com a necessária autorização judicial e que tramitaram em autos apensos, já com as transcrições realizadas por policiais civis. Ao longo do inquérito também foram realizadas prisões temporárias dos acusados, todos envolvidos em um suposto esquema de corrupção e de compra de apoio político para a reeleição de um dos acusados, o vereador Miguel Alves Ferreira Júnior, para a presidência do Poder Legislativo desta cidade sede da comarca. De resto, todos os denunciados foram suspensos de suas funções públicas logo no alvorecer das investigações policiais e até aqui. Os denunciados Miguel Júnior e Eustáquio Pereira renunciaram aos respectivos mandatos, e o denunciado Amilton Marcos Moreira foi cassado através de decisão política e comissão processante por aquela multimencionada casa legislativa.

 

Apresentada denúncia, foi determinada a notificação dos acusados nos termos do artigo 514 do CPP. Os denunciados foram devidamente notificados e apresentaram defesas preliminares, conforme fls. 570, 617/626, 628/642, 645/661, 663/671, 687/724 e 725/729.  Analisadas as teses defensivas, a denúncia foi recebida nos termos em que foi apresentada, conforme decisão de fls. 755/759. Os denunciados foram devidamente citados e apresentaram defesa prévia, conforme fls. 761, 828/857, 794/797, 813/814, 816/826, 838/841 e 842/844. Às fls. 868/868 verso, o processo foi saneado e novamente teses e pedidos da defesa foram decididos e então designada audiência de instrução.

 

Audiência de instrução iniciada em 26 de agosto de 2016, oportunidade em que foram ouvidas quatorze testemunhas, conforme fls. 959/979. Audiência em continuação realizada em 19 de setembro de 2016, sendo ouvidas três testemunhas e interrogados os acusados, conforme fls. 980/1104. Ouvidas três testemunhas via carta precatória, conforme fls. 1259 e 1318/1319, sendo então encerrada a instrução. Oferecido acordo de colaboração premiada ao réu Miguel Alves Ferreira Júnior, sendo realizada sua oitiva e homologado o acordo, conforme autos 0040.17.001724-4, apenso. As partes pleitearam por novas oitivas, após a delação, sendo o pedido indeferido por não constar qualquer nulidade, conforme decisão de fls. 2540.

 

As partes apresentaram alegações finais e o Ministério Público às fls. 1337/1368, pugnou pela procedência integral da denúncia, eis que demonstrados todos os crimes lá capitulados, com a condenação dos denunciados na forma lá requerida. A defesa do acusado José Domingos Vaz às fls. 2484/2519, pugnou pelo reconhecimento da inépcia da inicial, requerendo também a nulidade de toda a investigação pela usurpação da competência, pleiteando ainda pela absolvição por ausência de provas e por não restar provado que o denunciado concorreu para o crime. A defesa do acusado Carlos Alberto Ferreira, apresentou alegações finais às fls. 2548/2574, aduziu preliminar de usurpação de competência, aduzindo que as interceptações telefônicas não podem servir como prova lícita, pois obtidas em outros autos. No mérito, requereu a absolvição do acusado por atipicidade de sua conduta e por insuficiência de provas. O denunciado Amilton Marcos Moreira apresentou alegações finais às fls. 2577/2606 aduzindo preliminar e requerendo a conversão do julgamento em diligência para que seja oficiada a Prefeitura Municipal e a Câmara Municipal para que informem o período em que o ex-prefeito Jeová Moreira da Costa encontrou-se afastado de suas atividades e em seu lugar permanecendo o denunciado Miguel Júnior. Argüiu preliminar de nulidade absoluta das interceptações telefônicas por terem sido feitas em outros autos. Ainda na fase preliminar, aduziu prova ilícita por usurpação de competência por envolver nas escutas o atual prefeito Aracely de Paula. Por fim, aduziu preliminar por cerceamento de defesa, pois requer nova oitiva do delator, corréus e testemunhas. No mérito, requereu absolvição do acusado por não haver provas da existência dos crimes e por não existir provas para condenação. Em paralelo, requereu, em caso de condenação, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, eis que o acusado confessou na fase extrajudicial, bem como o não reconhecimento do concurso material, além da aplicação da pena no mínimo legal. Eustáquio José Pereira, em suas derradeiras falas, requereu a absolvição pela atipicidade dos fatos narrados na denúncia, a nulidade do processo por inépcia da inicial e, por fim, a absolvição do acusado, por não existir provas suficientes para condenação e, em paralelo, em caso de condenação a aplicação da pena no mínimo legal. A defesa do denunciado José Maria Lemos Junior, aduziu preliminar de nulidade absoluta, tendo em vista que as interceptações foram colhidas em processo diverso deste. No mérito, requereu a absolvição do acusado pois não existem provas da existência do crime, por estar provada a inexistência dos fatos e por não existirem provas suficientes para a condenação. O denunciado Marcílio de Faria requereu a improcedência da denúncia pois diante das provas colhidas, não restou provada a existência dos crimes e ainda a absolvição por não existirem provas suficientes para condenação. Por fim, o denunciado Miguel Alves Júnior, requereu em suas falas às fls. 2674/2675, o reconhecimento da confissão espontânea e aplicação da pena no mínimo legal e conversão em pena restritiva de direito.

 

DECIDO.

 

         De início, saliento a existência de insólito pedido firmado às f. 2467 há inoportuno pedido de vistas, de ilustre advogada estranha aos autos, e que foi negaceado até aqui e tendo em vista a tramitação vertiginosa do feito. Como já deliberado naquela ocasião, o pedido é estranho à tramitação e deverá e poderá sem dúvida ser deferido nestes autos que são públicos tão logo possível. A pendência, por se tratar de pedido de estraneus, tampouco prejudica o desate desta ação.

 

Também vejo a existência de pedido outro, contido às f. 2608\2641, em que outro estraneus, aparentemente portador de interesses diversos daqueles aqui em litígio, pede dilação probatória oral extemporaneamente. Este pedido em específico não foi considerado, mas a nova oitiva do colaborador premiado por fim se deu (f. 2682\2683), sendo também irrelevante para a instrução a pretensão daquele que não é parte no processo e que não foi admitido nesta lide penal.

 

Há preliminares, que rejeito.

 

Diversos acusados, através de seus notáveis advogados, insurgiram-se quanto ao aproveitamento da prova decorrente das interceptações telefônicas havidas por força de decisão judicial. Conquanto legítima a prova, para a defesa de vários dos réus a degravação e transcrições dos trechos interceptados não poderiam ser aproveitados nestes autos, uma vez que a providência policial solicitada (interceptação telefônica) ocorreu em inquérito distinto daquele que deflagrou a esta ação penal. Ou seja, trocando em miúdos, a interceptação se deu em outros autos que não estes, e assim não podem ser aqui utilizados, muito menos para condenar.

 

Ocorre que a prova em sua origem é lícita. Foi deferida pelo juízo e, depois de homologada, escancarada às partes, que sobre ela puderam se manifestar e produzir provas tão logo as transcrições e degravações foram desoneradas do manto protetor do sigilo judicial. A prova foi colhida ainda em sede inquisitorial, ao longo de inquérito policial instaurado para apuração de delitos outros e, diante daquilo que as escutas telefônicas revelaram, através do Ministério Público se deflagrou nova persecução criminal visando apurar a estes novos fatos revelados – aí sim, nos autos deste processo.

 

Não seria nem o caso de se falar aqui em prova emprestada. A prova, a interceptação telefônica, realizada com a indispensável autorização judicial, se presta em tese para fomentar várias distintas investigações sobre diferentes e hipotéticos crimes envolvendo as pessoas alvo das interceptações telefônicas. Seria absurdo crer diversamente, que a prova A somente pode servir para o processo A, e ainda que se refira a fatos outros, interessantes ao processo B, devem a este respeito ser descartadas ou novamente produzidas, porque colhidas em inquérito diverso. Raciocinar desta forma seria ver o processo penal, e o inquérito que o antecede, como um fim em si mesmo, e não o caminho para a obtenção daquilo que todo operador do Direito Penal persegue obstinadamente: a verdade real.

 

Neste sentido: “A captação de conversas telefônicas obtidas dentro dos padrões legais, mesmo que aclarando realidade nova, pode sustentar uma persecução autônoma, ainda mais quando o seu conteúdo se mostrar fiel ao transcurso da investigação originária. Inteligência do artigo 5º , inciso XII , da Constituição Federal , bem assim, da Lei nº 9.296 /96.” [1]

 

Outra preliminar pela qual os acusados se batem quase em uníssono se trataria da usurpação de competência para julgamento desta ação, uma vez que em seus meandros versa sobre hipotético crime de responsabilidade perpetrado em tese pelo atual prefeito de Araxá, o Dr. Aracely de Paula. Neste caso, possuindo referida pessoa foro por prerrogativa de função junto ao Colendo Tribunal de Justiça deste Estado, toda a persecução criminal estaria contaminada pela mácula da nulidade porque presidida por este juízo manifestamente incompetente. É o que se extrai desta preliminar suscitada.

 

Novamente sem razão. O atual alcaide de Araxá, ou mesmo o anterior, não estão sendo investigados e nem processados aqui. O fato de que trechos das conversas interceptadas são protagonizadas pelo atual prefeito, Dr. Aracely de Paula, não usurpa ou retira a competência deste juízo monocrático e natural para presidência e julgamento da causa, porque não foi o terminal telefônico da referida autoridade aquele que a polícia civil interceptou com a autorização judicial.  De idêntico modo, tão somente porque uma ou outra conversa entre os réus deste processo se refira ou mencione ato do prefeito atual, ou de seu antecessor, Dr. Jeová Moreira da Costa, não retira a competência do juízo monocrático. Isto porque estes fatos mencionados não são aqui investigados, e as supostas responsabilidades destes alcaides não se encontram escrutinadas nestes autos, que a eles não se referem.

 

A divergência não é nova. Recentemente e de maneira escandalosa o Brasil inteiro assistiu em cadeia nacional de TV, na internet e através de redes sociais, a conversa telefônica entre dois ex-presidentes da república, Dilma Roussef então ainda no cargo, porém interceptação realizada a mando de juiz monocrático, magistrado federal de primeira instância. E, de igual modo, as partes interessadas se contorceram em argumentos jurídicos pretendendo demonstrar com isto a incompetência do magistrado de origem e a nulidade da prova obtida.

 

Aqui e ali, em vão.

 

O fenômeno vem sendo estudado pela doutrina penal como serendipidade. A saber, durante investigação deflagrada se chega a fatos novos não primitivamente vinculados ao processo ou inquérito de origem, ou a pessoas que não estavam sendo, até então, investigadas, algumas delas porventura e acidentalmente detentoras de foro por prerrogativa de função. Com a palavra a doutrina: “durante a interceptação telefônica é possível que fatos novos (não objetos da autorização judicial) ou nomes novos (não indicados pelo Magistrado) possam vir a ser citados. Nestes casos, discute-se doutrinariamente, e mesmo na jurisprudência, a validade probatória do que foi interceptado casualmente (ou mesmo como mero ato investigatório ou como uma notícia-crime).”[2]

Nestes casos, o STF tem sido peremptório: o órgão jurisdicional competente para julgar é também o responsável pelo supervisionamento das investigações policiais que antecedem a lide penal. Descoberto envolvimento, ainda que perfunctório, de autoridade pública acobertada pelo foro de prerrogativa de função, todo o expediente investigatório, todo o processo penal daí decorrente, devem ser encaminhados imediatamente ao conhecimento de Superior Instância, sob pena de usurpação de competência e, mesmo e ad extremis, caracterização de crime de abuso de autoridade.

 

Nos autos do inquérito STF 3305, que versava sobre envolvimento de então Deputado Federal em organização criminosa, o Ministro Marco Aurélio foi enfático:  “É inadmissível que uma vez surgindo o envolvimento de detentor de prerrogativa de foro, se prossiga nas investigações”. Na AP 933, o mesmo STF, a partir do relator do julgado, entendeu contaminado o processo ou inquérito que não obedeça ao foro por prerrogativa de função, tão logo insinuado, tão logo delineado: “a usurpação da competência do Tribunal Regional Eleitoral para supervisionar as investigações constitui vício que contamina de nulidade aquela investigação realizada em relação a este detentor de prerrogativa de foro”.

 

E ainda assim: “A outorga de competência originária para processar e julgar determinadas Autoridades (detentoras de foro por prerrogativa de função) não se limita ao processo criminal em si mesmo, mas, à base da teoria dos poderes implícitos, estende-se à fase apuratória pré- processual, de tal modo que cabe igualmente à Corte – e não ao órgão jurisdicional de 1ª instância – o correlativo controle jurisdicional dos atos investigatórios(STF: Reclamação 2349/TO, – Reclamação nº. 1150/PR).

 

No caso presente, todavia, ocorre o inverso: autoridade pública com foro por prerrogativa de função (“privilegiado” – sic)  é surpreendido em conversas que não se referem ao teor do inquérito que originou esta ação. Ele é mencionado superficialmente por alguns dos acusados, sem contudo se alinhavar hipótese concreta de envolvimento do aludido agente político nos eventos criminosos em análise. O que fez a autoridade policial ainda no curso do inquérito em andamento? Decotou das degravações e transcrições o que poderia interessar à apuração do suposto ilícito funcional do atual prefeito e encaminhou todo o material para a Procuradoria de Justiça mineira, competente como dominu litis e para protagonizar, ou supervisionar, a apuração de fatos distintos deste autos e que porventura alcancem o agente político detentor do foro por prerrogativa de função.

 

Ou seja, o fato discutido aqui é outro, e nem hipoteticamente se refere ao atual alcaide municipal, Sr. Prefeito Aracely de Paula. Este não foi alvo de interceptação telefônica alguma. Interagiu ao telefone com suspeitos interceptados. E suas falas foram decotadas e encaminhadas à PGJ. A providência parece-me adequada, não configurando em hipótese alguma e ab absurdo  a usurpação de competência do Colendo TJMG.  Aqui o importante é ater-se às regras de competência preconizadas no Código de Processo Penal, o CPP: em regra a competência jurisdicional é aquela do local da infração (art. 69, I, e 70, CPP);  a competência se dará por conexão quando se tratarem de eventos criminosos interligados e autores em concurso de agentes e infrações (art. 76, I, CPP); a competência ainda será por conexão quando um delito for praticado para facilitar ou ocultar a prática de outro, ambos a serem apurados pelo mesmo juízo criminal (art. 76, II, CPP); quando a prova de uma infração influir na apuração de outra, também haverá conexão (art. 76, III, CPP).

 

O CPP trata, ainda, do aparente conflito de competência entre feitos e jurisdições, dada a conexão ou a continência entre os fatos delituosos sob apuração. Para estes casos, cria regras: em se tratando de jurisdições da mesma categoria, prevalecerá o critério do local da infração ou da prevenção (art. 78, I, CPP) ; em se tratando de jurisdições de distintas categorias (atenção: o que é o caso), prevalecerá a de maior graduação ou especial (art. 78, III e IV, CPP).

 

Em havendo crimes em tese cometidos por diversas pessoas, uma delas em concurso de agentes (art. 29, CP) e concurso de crimes (art. 69 e 70, CP) com os demais, em sendo este suposto autor agraciado com o foro por prerrogativa de função, a competência extraordinária para seu julgamento atrairá a causa dos demais, tornando competente o órgão jurisdicional especial ou de maior graduação. No caso de que aqui se trata, todos os réus deveriam ser encaminhados a julgamento pelo Colendo TJMG, se o prefeito atual fosse um deles, se em apuração qualquer fato imputável também ao prefeito.

 

Não é este o caso. A denúncia ontologicamente se prende ao funcionamento da Câmara dos Vereadores de Araxá que, durante a presidência do acusado Miguel Alves Ferreira Júnior, teve questionadas as ações deste e de outros vereadores, todos réus neste processo, e que teriam comprado e vendido apoio político na gestão da edilidade local. Como se vê, fato exógeno às atribuições políticas e administrativas do atual prefeito, Sr. Aracely de Paula, na gestão da municipalidade local, chefe do Poder Executivo desta cidade sede da comarca. Como não se trata de ação atribuível ao prefeito, como não se investiga qualquer ação ou omissão deste agente político, simplesmente porque acidentalmente se perscrutou conversa dele – criminalmente irrelevante e inócua a estes autos– com um dos acusados, somente por isto não é o caso de, acatando-se a incidência do fenômeno conhecido como serendipidade, reconhecer a existência de investigação ou culpa em tese em detrimento deste agente político dotado de foro por prerrogativa de função e que porventura atraísse a competência jurisdicional para presidência e deslinde desta ação por órgão jurisdicional superior e colegiado, no caso o Colendo Tribunal de Justiça deste Estado de Minas Gerais.

 

Feitas estas considerações, afasto também a esta prefacial.

 

Mas é novamente a suposta participação de agente político com foro por prerrogativa de função e a prova supostamente “emprestada” decorrente das interceptações telefônicas, que aguçam duas outras preliminares suscitadas pelas partes.

 

Em uma delas, a defesa de Carlos Alberto Ferreira, o “Cachoeira”, brada pelo reconhecimento da ilicitude desta prova a conspurcar todo o processo tal como os frutos da árvore envenenada, fruits of poisoned tree (f. 2551\2557). Isto porque, além das interceptações terem ocorrido em outro inquérito (tema já rebatido aqui), o acusado teria deposto na polícia sem a prévia ciência do teor das gravações decorrentes das interceptações, ou de sua transcrição. A este respeito, assevera que as degravações não foram contemporâneas aos fatos versados nesta denúncia e portanto não são válidas como meios de prova, anulando todo o processo.

 

No que toca à esta preliminar, já alinhavei aqui a tese consolidada nesta instância de que o fenômeno da serendipidade não inviabiliza que a prova buscada em um inquérito aproveite à deflagração de outro por fatos diversos e distintas imputações, contra outros suspeitos. O fato desta prova ter sido produzida antes do indiciamento é banal, data venia, porque foram justamente as interceptações, além de outras provas indiciárias e inquisitoriais produzidas, que deflagraram a propositura da ação penal.

 

Tampouco aproveita ao acusado Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, ou mesmo aos demais, o fato de desconhecerem seu teor quando ouvidos na polícia, ou que os fatos supostamente suscitados diante do escrutínio das gravações referirem-se a eventos remotos. Aqui, forço-me a relembrar às partes que as provas produzidas ainda em sede de inquérito policial não se encontram sob o crivo do contraditório e não são produzidas também para a defesa, mas para o Estado que até então apura os fatos. E, é claro, justamente por se tratarem de eventos passados é que justificaram as novas investigações instauradas, pelo prosaico motivo de que não poderiam anteceder os supostos crimes. O “pré-crime” só existe, até aqui, na ficção científica e no cinema.[3] Refuto, portanto, também a esta preliminar.

 

Na outra, a defesa de Amilton Marcos Moreira, o “Sargento Amilton”, após provocar juntada de documento novo (f. 2691), chancela sua anterior aspiração ao reconhecimento da usurpação de instância, desta feita ao fundamento de que as conversas entre o acusado Miguel Júnior e seus diversos interlocutores, alguns dos quais réus neste processo, teria se dado quando Miguel ocupava interinamente a função de prefeito deste município de Araxá. Desta forma, à época, com foro por prerrogativa de função, inclusive no tocante às investigações policiais que contra ele então eram deflagradas.

 

De idêntico modo, merece repulsa esta prefacial. Quando o réu Amilton Marcos Moreira, o Sargento Amilton, afirma através de seu ilustre advogado que as interceptações telefônicas colhidas diante das conversas do réu Miguel Júnior, quando este se encontrava à frente da municipalidade, exercendo a função interina de prefeito de Araxá\MG, o faz sem razão alguma.

 

Como se vê do documento de f. 2691, o acusado Miguel Júnior exerceu a interinidade como prefeito nos períodos de 14\05\2014 a 21\05\2014, 11\06\2014 a 25\06\2014 e 30\10\2014 a 12\11\2014. Isto durante os afastamentos impostos pela justiça eleitoral ao então alcaide do município, o Dr. Jeová Moreira da Costa, e de sua vice-prefeita, Edna Castro. Nestas circunstâncias, o acusado Miguel Júnior seria o natural e legal substituto a exercer interinamente o cargo, e foi o que fez nos mencionados interstícios.

 

Dois inquéritos foram produzidos em torno das interceptações telefônicas tão mencionadas nestes autos. Encontram-se ambos em apenso: o IP 416389-7 e IP 419253-9. As escutas telefônicas em ambos, com a evidente e prévia autorização judicial, somente se deram a contar de 18\11\2014, portanto, pouco tempo depois do derradeiro período de interinidade de Miguel Júnior à frente deste município sede da comarca. Não era, portanto, prefeito, e tampouco detinha foro por prerrogativa de função à época das conversas telefônicas que protagonizou e que foram interceptadas e transcritas. Ainda que assim não fosse, e como é por demais sabido, cessada a função que lhe dava a prerrogativa funcional do foro, voltaria a ser processado e julgado pela instância monocrática – fato que em seguida ocorreu. Afasto também a esta preliminar.

 

Também se sustenta às f. 2491 et seq que a denúncia seria formalmente inepta, dificultando a defesa ampla, porque eriçada em cogitações vagas e descrições genéricas de práticas criminosas imputáveis ora a este, ora àquele réu. Mais uma vez a defesa o faz sem razão.

 

A denúncia é minuciosa ao narrar que o acusado Miguel Alves Ferreira Júnior, na condição de Presidente da Câmara Municipal de Araxá-MG, como seu principal mandatário e visando manter-se no poder, por diversas vezes teria concedido vantagens ilícitas e indevidas aos também Vereadores Marícilio, Eustáquio, José Maria Lemos Júnior (Juninho da Farmácia), Amilton Marcos Moreira (Sargento Amilton) e José Domingos Vaz (Zé Domingos). Estes, por sua vez, teriam claramente facilitado a carreira política de Miguel à frente da edilidade local, votando conforme recomendava a vontade do seu presidente, inclusive no tocante à eleição, reeleição e deliberação sobre a lei que autorizaria a esta última, dentre outras facilitações corriqueiras entre os membros daquele colegiado político.

 

Para tanto, e aqui perseveram as falas da denúncia, Miguel teria se valido da intermediação e apoio de outro dos vereadores, Carlos Alberto Ferreira (Cachoeira), que participou assiduamente, por exemplo, em contatos com o vereador Zé Domingos, visando cooptá-lo para beneficiar Miguel.

 

De quais outros dados precisa a valorosa defesa para produzir uma resistência eficaz ao pedido condenatório ministerial? A denúncia é exaustiva, exauriente! Exigir-lhe mais seria impor a necessidade de esgotamento da prova previamente ao processo, tornando-o um compartimento estanque e desnecessário do caminho para a condenação ou a absolvição. Refuto também a esta prefacial.

 

Por fim, no entardecer instrutório, surge à lume a colaboração premiada do co-réu Miguel Júnior concatenada com o Ministério Público oficiante e, em decorrência disto, homologada pelo juízo. Em decorrência desta inesperada, mas legítima, prerrogativa ministerial fundamentada no art. 4o da Lei 12.850\2013, a defesa se insufla e pretende sua desconsideração, anulação e, por fim e em virtude da homologação da colaboração premiada, almeja a juntada de novas provas e novas oitivas. É  o que ressai da expressiva resistência da defesa exteriorizada às f. 2520\2525, 2531\2533, 2539, etc…

 

Ora, conforme já tive oportunidade de decidir às f. 2540, 2543 e 2575,  a delação de Miguel Júnior apenas reitera fatos que o mesmo já anteriormente havia explanado em seu interrogatório de f. 1.021\1.027, tornando desnecessárias novas oitivas ou novas provas que não aquelas já produzidas até então e cotejadas entre as partes. Evidente que a oitiva de Miguel como colaborador premiado e em concomitância testemunha por fim se deu às f. 19 dos autos da colaboração premiada, 0040.17.001.724-4 e f. 2682\2683 destes autos. Tão remansosa aludida conclusão que a defesa contra ela esgrimiu Habeas Corpus, oportunamente não conhecido por Superior Instância (f. 2685\2688). Portanto, e ainda aqui, não cabe o acatamento quanto à esta derradeira preliminar.

 

Via de conseqüência, o processo encontra-se maduro para sentença.

 

Finalmente, vou ao mérito.

 

Antes de ingressar na imprescindível análise da prova, é imperioso destacar que este processo é difícil, árduo, doloroso de ser decidido, não por conta dos holofotes da mídia e do escândalo governamental provocados pelo inquérito, prisões, delações, etc… Enfim, o strepitus judicii a que se referia Nélson Hungria, e aqui tão presente. Esta ação penal é de íngreme, escarpada e quase inexpugnável transposição, porque trata de supostos desvios criminosos de cidadãos até então acima de quaisquer suspeitas, dignatários do município, homens de reputação ilibada e exemplos públicos de caráter, dedicação a causa pública e denodo na defesa dos interesses do povo araxaense.

 

O ultraje coletivo gerado com a prisão temporária dos envolvidos, a publicidade em torno de trechos das interceptações telefônicas, todo o alarde decorrente do afastamento dos acusados de suas respectivas cadeiras junto ao Poder Legislativo Municipal, tudo isso tampouco auxilia desassombrar a sociedade. Os eleitores, o povo, se sente desamparado diante das notícias, do escândalo, da decepção provenientes da conduta suspeita exposta e eviscerada ao espanto coletivo, por conta das graves acusações que permeiam estes autos. Isto porque, como dito, não estamos tratando aqui de desconhecidos ou de cidadãos que vivam à margem da lei. Muito antes pelo contrário, há no banco dos réus deste processo cidadãos que, até o início das investigações que corporificam esta ação penal, eram os representantes da fina flor da sociedade araxaense, pais e avós de estimadas famílias, gozando do apreço de seus circunstantes e da admiração de toda a sociedade.

 

Sociedade esta que, agora, quer explicações e quer justiça.

 

Mas não é só por isto que esta sentença é dura de ser prolatada. Ao longo de mais de uma década em Araxá, convivi socialmente e trabalhei com os réus, todos eles. É inevitável em uma cidade ainda provinciana, em que os representantes dos poderes constituídos trabalham coesos e harmônicos, em que há inevitáveis conexões sociais e afetivas, que os juízes e as partes que julga se relacionem e se tratem para além dos autos do processo.

 

Por isso é que conheço, e bem, todos os acusados.

 

Miguel Júnior, então Presidente da Câmara dos Vereadores local ao tempo dos fatos deste processo, foi meu aluno na faculdade de Direito desta cidade, assim como também o foi o acusado Amilton Marcos Moreira, o “Sargento Amilton”. Com Miguel me encontrei diversas vezes em eventos sociais e cívicos, e o mesmo freqüenta o grupo de orações da senhora minha mãe.  Sargento Amilton, que também é militar da reserva e radialista, já me entrevistou inúmeras vezes. Com Eustáquio participei de fóruns comunitários e conheço muito bem seu irmão, Valdir, tendo com este último laços sociais mais estreitos. Marcílio, como vereador, já me condecorou por ocasião do lançamento de uma de minhas obras literárias. Tínhamos, Marcílio e eu, um grande amigo em comum, José Cincinato de Ávila, falecido recentemente.  José Maria Lemos Júnior, o “Juninho da Farmácia”, é figura notória e querida por todos, foi por muitos anos meu farmacista de confiança e por diversas vezes entreguei em suas mãos minha saúde e a de meus entes queridos. Trabalhamos juntos, eu e os então secretários de governo e aqui réus, José Domingos Vaz, o “Zé Domingos”, e Carlos Alberto Ferreira, o “Cachoeira”, na gestão pública do anterior prefeito desta cidade, Dr. Jeová Moreira da Costa. Ambos se exauriram em dedicação ao tentar resolver problemas que eu lhes propunha: trabalho externo de presos, auxílio na gestão da internação de adolescentes em conflito com a lei, auxílio ao Conselho Tutelar local, apoio cultural a entidades e escolas. Como sou também juiz das execuções de penas e da infância e juventude, sempre dependi das pastas ocupadas por Zé Domingos e “Cachoeira” `a frente da gestão municipal de antanho, e ambos sempre me foram extremamente rápidos, prontos, bem intencionados. Com “Cachoeira” sempre bati papos amenos e possuímos inúmeros amigos em comum. Já fui muito bem recebido por Zé Domingos na prefeitura, já o recebi e aos seus familiares no fórum local, e tenho apreço e respeito por sua família simpática e inatacável.

 

Nenhuma destas conexões pessoais ou profissionais me torna amigo íntimo dos réus, nunca os aconselhei ou tratei informalmente sobre os fatos destes autos, tampouco manifestei previamente a intenção de absolver ou condenar quaisquer dos acusados. Portanto, não me encontro impedido ou suspeito de julgá-los. Mas é uma decisão difícil, dolorosa, sofrida, mas que deve ser prolatada. Com a graça de Deus, me considero preparado para proferi-la, amparado por vinte anos de carreira como juiz, pela minha consciência, pelo que aprendi ao longo da vida e refinei na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes – berço fértil da magistratura mineira.

 

Além disso, a justiça penal não julga pessoas. Julga atos. Aqui, não há espaço para reprovações morais, mas para a análise fria das ações e omissões em tese praticadas por agentes políticos. Este parâmetro, acoplado ao olhar cristão que contempla a extrema falibilidade humana a qual todos nós, sem exceção, somos propensos, serve como guia e norte no dificílimo ofício de julgar.

 

Passo, portanto, à prova do processo, salientando que – para fins retóricos e para facilitar a análise e compreensão deste julgado já extenso – irei tratar os acusados pela forma mais coloquial com a qual são mencionados inúmeras vezes em degravações de conversas telefônicas, depoimentos e relatórios das autoridades envolvidas no processo. Assim é que Miguel Alves Ferreira Júnior será tratado doravante como “Miguel Júnior”, Amilton Marcos Moreira como “Sargento Amilton”, Eustáquio José Pereira como “Eustáquio”, José Domingos Vaz como “Zé Domingos”, Marcílio de Faria como “Marcílio”, José Maria Lemos Júnior como “Juninho” ou “Juninho da Farmácia” e Carlos Alberto Ferreira como “Cachoeira”. E abolirei as desnecessárias e estilisticamente redundantes aspas.

 

Os réus se vêem processar porque, segundo o Ministério Público Estadual, porque entre os anos de 2012 e 2014, o acusado Miguel Júnior, então vereador e subsequente presidente e presidente reeleito da Câmara dos Vereadores em Araxá, e por três vezes prefeito interino deste mesmo município, teria corrompido seus pares e também vereadores, Sargento Amilton, Eustáquio, Zé Domingos, Juninho da Farmácia e Marcílio de Faria. Para tanto, teria se valido dos préstimos, intermediação e augúrios do comparsa e também vereador Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira.

 

A denúncia é minuciosa ao recontar o que o inquérito policial que a secunda apurou: a) Miguel Júnior teria prometido e por fim pagado parte do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para que Sargento Amilton o apoiasse e nele votasse para o cargo de presidente da Câmara dos Vereadores daquele respectivo biênio. b) Miguel teria de idêntica forma cooptado o vereador Eustáquio, pagando-lhe R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para que este o apoiasse na indigitada eleição interna para deliberar sobre a presidência da câmara, e para tanto contou e obteve o voto de Eustáquio. c) Carlos Alberto Ferreira, o “Cachoeira”, fez empréstimo consignado que repassou integralmente ao também vereador Marcílio, para que este apoiasse primeiramente a este, depois a Miguel Júnior, favorecendo a ambos à frente dos negócios da edilidade araxaense. d) Miguel Júnior teria oferecido e efetivamente pago ao vereador Juninho da Farmácia cerca de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais) por alguns meses, montante que era repassado ao primo deste, Francisco Fernando do Prado, vulgo “Chico”, e para que Juninho o beneficiasse em votações e assuntos internos da câmara, com ênfase para a decisão que sufragou emenda parlamentar que autorizou a recondução de Miguel ao cargo de Presidente da Câmara em 30.09.2014. e) Miguel também corrompeu José Domingos Vaz, o então vereador Zé Domingos, fazendo-o em primeiro lugar ao prometer através do comparsa Cachoeira sua blindagem política, abstendo-se a edilidade de verificar sua atuação pretérita à frente de uma das pastas do governo extinto de Jeová Moreira da Costa. f) Miguel ofereceu propina aceita por Zé Domingos e consistente no repasse de R $ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) por alguns meses e entre fevereiro e maio de 2015 e que visariam auxiliar no pagamento das despesas da faculdade de uma das filhas deste último, em troca votando e apoiando Miguel na sua recondução à Presidência da Câmara dos Vereadores. g) Miguel, posteriormente, também corrompeu Marcílio, auxiliando em R$ 2.000,00 (dois mil reais) no pagamento da dívida que este nutria com o também vereador Cachoeira, e que serviria para sedimentar a aprovação da emenda parlamentar que permitiria sua recondução ao cargo de chefe da edilidade local, tendo Marcílio aceito e praticado ingerências em torno de sua suplente, Onilda Elias Soares, para que esta – na ausência de Marcílio – apoiasse Miguel. h) Cachoeira se endividou ao realizar evento esportivo e o poder executivo municipal não o auxiliou saldar dívidas com o evento denominado “Copinha”, idealizado e empreendido por este réu. Miguel então liberou verbas públicas municipais para o pagamento destas despesas, sempre em troca do apoio político de Cachoeira.

 

Por tais fundamentos, pretende o Ministério Público a condenação de Amilton Marcos Moreira, o Sargento Amilton, pelo crime de corrupção passiva e por duas vezes em concurso material (art. 317  e art. 69, CP); Eustáquio José Pereira por um crime de corrupção passiva (art. 317, CP); Marcílio de Faria por três crimes de corrupção passiva e em concurso material (art. 317 e art. 69, CP); José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, por onze crimes de corrupção passiva (art. 317 e art. 69, CP); José Domingos Vaz por cinco crimes de corrupção passiva em concurso material (art. 317 e 69, CP); Carlos Alberto Ferreira, o “Cachoeira”, pelos crimes de corrupção ativa e em concurso de agentes com Miguel Júnior, e por crime de corrupção passiva, por duas vezes e em concurso material (art. 317, 333, 29 e 69, todos do CP); e Miguel Alves Ferreira Júnior, o Miguel Júnior, por vinte e três crimes de corrupção ativa (art. 317 e 69, CP). E o Ministério Público oficiante, em seu derradeiro arrazoado, ratificou integralmente sua pretensão acusatória (f. 1367 e 1368).

 

Uma das inúmeras dificuldades presentes nos autos está a de diferenciar, joeirar, apartar o que de fato é corrupção, punida como crime em lei, da escaramuça política, da troca de interesses, da jogatina por vezes imoral envolvendo favores políticos nos meandros do poder e que, conquanto repugnantes, são ações penalmente inócuas, não são crimes.

 

A corrupção, passiva ou ativa, é um crime gravíssimo e não somente porque dele decorra o enriquecimento ilícito do servidor corrompido. A corrupção esmorece o cidadão comum, avilta a imagem dos homens públicos e instituições, envergonha a nação, agride a imagem da administração pública governamental e de seus diversos tentáculos nos três poderes da república.  Já era uma preocupação nos idos de 1958, quando o maior jurisconsulto que este país já produziu, Nelson Hungria , advertia:

 

“O afarismo, o crescente arrojo das especulações, a voracidade dos apetites, o aliciamento do fausto, a febre do ganho, a steeplechase dos interesses financeiros sistematizaram, por assim dizer, o tráfico da função pública. A corrupção campeia como um poder dentro do Estado. E em todos os setores: desde o contínuo, que não move um papel sem a percepção de propina, até a alta esfera administrativa, onde tantos misteriosamente enriquecem da noite para o dia. De quando em vez rebenta um escândalo, em que se ceva o sensacionalismo jornalístico. A opinião pública vozeia indignada e Têmis ensaia o seu gládio; mas os processos penais, iniciados com estrépito, resultam, no mais das vezes, num completo fracasso, quando não na iniquidade da condenação de uma meia dúzia de intermediários deixados à sua própria sorte. o ´Estado maior´ da corrupção quase sempre fica resguardado, menos pela dificuldade das provas do que pela razão de Estado, pois a revelação de certas cumplicidades poderia afetar as próprias instituições.” [4]

 

Há sessenta anos atrás nossos jurisconsultos já se preocupavam com a bancarrota moral das instituições do Estado diante da praga da corrupção a corroer-lhe as entranhas. Isto em 1958, data da publicação mencionada supra. “A corrupção campeia como um poder dentro do Estado”, foi o que disse o mestre Nelson Hungria, naqueles distantes idos. E de lá para cá, a derrocada só agrava. Urge, portanto, e como se tornou um lema midiático, acabar com a corrupção em todas as suas esferas e nuances, ou ela acabará com o país.

 

Porém, é o mesmo celebrado autor que adverte:

 

“Deve notar-se, porém, que as gratificações usuais, de pequena monta, por serviços extraordinários (não se tratando, é bem de ver, de ato contrário a lei), não podem ser considerados material de corrupção. Também não se entendem como tal as tradicionais ´boas festas´ de natal ou ano novo aos carteiros e lixeiros. Não incorrem igualmente na censura penal as dádivas em galardão de um mérito excepcional, as quais, segundo Manzini, são símbolos morais, expressos materialmente, e não equivalentes econômicos.”[5]

 

         A este respeito, inclusive, uma das testemunhas ouvidas, Mauro da Silveira Chaves, então vereador por ocasião dos fatos do processo, salienta: Muito embora não pactue com algumas tendências corriqueiras no mundo político dos municípios, admite que existe uma troca velada de favores entre prefeitos e vereadores dos diversos municípios que conhece. Aparentemente, há prefeitos que nomeiam pessoas para cargos a pedido de vereadores, que depois aprovam projetos do prefeito com mais facilidade na câmara.” (f. 1.068, destaquei).

 

         Justamente preocupado com o tênue contraste entre a malandragem política e a corrupção, ao longo do interrogatório do principal acusado, Miguel Júnior, a ele perguntei sobre o significado dos mimos que distribuía aos colegas vereadores, o dinheiro, pagamento de prestações, remuneração de parentes, blindagem política, auxílio no pagamento de faculdade de filha, etc… Afinal de contas, eram favores a colegas ou propina? Assim, curto e grosso.

 

O que me respondeu Miguel?

 

” Deseja esclarecer aqui que não está falando de favores entre colegas, de simpatias veladas em troca de contraprestações corteses. Está falando de compra descarada de apoio político, de comprar apoio político claramente oferecido a venda pelos demais acusados.”  (f. 1022, destaquei).

 

Mas permitamos uma análise mais acurada nas falas de Miguel Júnior, ouvido nestes autos por várias vezes, na polícia duas ou três, em juízo interrogado, depois ouvido de novo na audiência homologatória de sua delação premiada, e por fim e novamente como testemunha em decorrência da homologação desta colaboração. Eis o que diz, no que interessa, o acusado Miguel Júnior, sempre coerente e sem contradições nas informações que presta:

 

(…)Parte do dinheiro que angariou com o desvio de verba da Santa Casa utilizou para comprar apoio político. Resolveu passar sua vida a limpo depois dos erros que cometeu e seu compromisso aqui é com a verdade. Jamais iria inquinar de corrupto ou dizer de fatos sobre pessoas inocentes. As pessoas que apontou, os fatos que narrou, correspondem à mais pura verdade. Deseja esclarecer que na presidência da Câmara precisava de apoio político para tudo, e não está falando aqui só de eleição para a presidência ou de reeleição. Também se refere à mudança da lei orgânica e ao dia a dia na Câmara. Governar e liderar seus pares poderia ser difícil com adversários políticos a espicaçá-lo. Passou então a construir alianças, conquistar seus pares, se necessário com vantagens. Isso foi contínuo. Era rotineiro. Nunca parou. Suas tratativas com seus colegas vereadores se deram de forma diferida no tempo e ao longo de todo o período em que ficou na presidência da Câmara, três anos. Foi procurado por José Domingos. José Domingos lhe falou que precisava de dinheiro para ajudar no pagamento da faculdade da filha. Eram mil e seiscentos reais por mês aproximadamente. Não sabe dizer se José Domingos de fato pegou esse dinheiro e pagou a faculdade. Sabe que ele recebeu vários meses, que não sabe precisar quantos, esse valor mensal, que certa vez lhe exibiu um carnê da Uniube, mas não conferiu e não sabe dizer se de fato era verídico ou não a necessidade alegada por José Domingos. Quanto a Marcílio, lhe disse que devia parcelas de financiamento contratada em nome do também vereador Carlos Cachoeira. Dava mil reais por mês a Marcílio para que esse saudasse a dívida com Cachoeira. O fez até que Cachoeira lhe procurou e disse que era para parar com aquilo, que aquela dívida não era responsabilidade do declarante, aquilo era problema de Cachoeira com Marcílio. Chegou a pagar por dois meses. (…) Amilton e Eustáquio lhe pediram para conversar em particular. Primeiro conversou com um, depois com outro, sempre em particular. Amilton lhe pediu vinte mil reais para apoiá-lo, na primeira vez em que disputou a presidência da Câmara. O depoente topou, pagou dez mil e ficou devendo o resto, que não conseguia pagar dados os compromissos assumidos com os demais vereadores. Quanto a Eustáquio, lhe pediu quinze mil reais. Pagou Eustáquio integralmente da maneira como pôde, parceladamente. (…) Já com Marcílio, barganhou com ele para que o mesmo votasse favorável à lei orgânica que tornava reelegível o presidente da Câmara. Ouviu aqui nesta audiência, em sua primeira sessão, a testemunha Juarez faltando com a verdade que o declarante devia dinheiro a Marcílio de eleição que se candidatou em 2006 para deputado estadual. Tal fato não aconteceu, não devia Marcílio, não devia Juarez, a dívida teria sido cobrada bem antes e Juarez não foi contratado para o mister que o alegou. Se houvesse dívida, deveria ter sido cobrada antes e jamais foi. Juarez só agora passados dez anos fala de pretensa dívida. (…) Já de José Domingos, comprou-lhe a adesão para que votasse em seu nome para reelegê-lo presidente da Câmara. Quanto a Juninho da farmácia, José Maria Lemos Júnior, foi formulado um TAC com o MP e o declarante como presidente da Câmara precisava demitir de maneira escalonada a servidores não concursados. Acabou chegando a vez do Sr. Francisco, que é primo primeiro de José Maria. Foi obrigado a demiti-lo. Juninho reclamou. Em troca do apoio político de Juninho, para o dia a dia na Câmara, bem como para a mudança da lei orgânica que autorizaria a reeleição, o declarante ficou de pagar do próprio bolso o equivalente ao salário de Francisco, mesmo com Francisco ficando em casa e nada fazendo, nenhum trabalho para o declarante, para a Câmara ou para Juninho. Parou de pagar Francisco quando Juninho se tornou secretário de agricultura do poder executivo municipal, justamente porque aí deixaria de existir a contraprestação de Juninho no apoio político que vendera para o declarante. Deseja esclarecer aqui que não está falando de favores entre colegas, de simpatias veladas em troca de contraprestações corteses. Está falando de compra descarada de apoio político, de comprar apoio político claramente oferecido a venda pelos demais acusados. (…) Reitera o que disse, para Juninho da farmácia era condicionante para que apoiasse o declarante a remuneração precária e regular de seu primo primeiro Francisco. Juninho apoiaria politicamente o declarante no cotidiano da câmara e na mudança da lei orgânica em troca da doação mensal de Francisco. Esse apoio era genérico as vezes. Era para sustentação política. Não necessariamente seus favores financeiros redundavam em votos diretos em proveito de seus projetos no que se refere a sua eleição e sua reeleição. Passou três anos comprando vereadores. (…) Quanto a Carlos Cachoeira, ele era o líder do governo na Câmara quando o prefeito era Jeová. Era sua função tentar aprovar o máximo de projetos para o alcaide de então. (…) Fazia contatos. Articulava apoio, mas se soube de algum proveito econômico barganhado com vereadores, guardou para si e jamais o explicitou para o declarante. Certa vez a pedido do declarante ligou para José Domingos e o “assustou um pouquinho”, conforme se expressa. Cachoeira procurou José Domingos para dizer que ele não teria o apoio do declarante ou de Cachoeira para eventualmente acobertar problemas seus na gestão pública municipal, como secretário de governo que José Domingos havia sido pouco tempo antes. Se houvesse problemas, que José Domingos não contasse com seu apoio, esse era o teor da ameaça velada, porque Cachoeira não sabia que José Domingos e o declarante já estavam conversados financeiramente. Alimentava a ignorância de Cachoeira para se proteger dele caso necessário. Quanto a Marcílio, a dívida dele era com Cachoeira. Pagou por dois meses a Marcílio. A primeira em mãos. Quando pagava a segunda vez, surgiu Cachoeira e disse para o declarante parar de se intrometer naquilo, que aquilo era problema dele Cachoeira com Marcílio. Cachoeira jamais soube que Marcílio obtinha aquele auxílio do declarante em troca de apoio político. Se Cachoeira soube de alguma corrupção, (…) Cachoeira negociou com José Domingos para que esse fosse blindado de qualquer responsabilização diante de seu passado recente como gestor da secretaria, mas nada se apontou de concreto, não se disse de problema específico, não se disse de escândalo pontual, para fomentar a adesão de José Domingos. Certo dia Cachoeira o procurou e tomou a iniciativa, dizendo saber como fazer José Domingos votar de acordo com os interesses do declarante e aí comentaram dos receios de José Domingos conforme narrado. (…) A ideia e a iniciativa foram de Cachoeira. O depoente concordou e Cachoeira deu prosseguimento a trama. Cachoeira lhe disse que conversou com José Domingos como prometido. Jamais José Domingos lhe disse que conversou com Cachoeira. Nunca lhe perguntou e ele jamais disse. Segundo Cachoeira a conversa foi na casa de José Domingos. Pelo teor da informação de Cachoeira, sentiu que não houve terrorismo, foi uma conversa. Cachoeira disse que estava tudo ok, José Domingos tinha prometido conversar com o declarante, mas só que o declarante e José Domingos já tinham conversado. Se recorda de uma gravação de áudio seu em que Cachoeira reclama prejuízo por conta de um evento esportivo e não teria alcançado sucesso desejado por ele e deflagrado algum prejuízo para Cachoeira. O declarante tinha acabado de fazer uma partida de futebol comemorativa com os veteranos do Cruzeiro e lançou a ideia para Cachoeira. Seria um plano B. Na época o prefeito era Jeová. Cachoeira queria convencer Jeová de que o evento ruinoso fora deflagrado em benefício da administração dele e que portanto ele alcaide deveria cobrir o prejuízo. Se não o convencesse, então o declarante apoiaria Cachoeira no plano B que era contratar os veteranos do Cruzeiro. Não teria condições de sozinho impedir José Domingos de sofrer sanções, CPI, etc. Principalmente se fosse coisa muito escandalosa, mas se não fosse algo tão escabroso, eventualmente poderia tentar ajudá-lo por meio da rede de apoio político. Marcílio na verdade lhe pediu que pagasse um empréstimo inteiro. Só houve interrupção no pagamento por interferência de Cachoeira. Tem certeza que Marcílio não teria influência sobre a vereadora Onilda, que é muito independente. Ela não se sujeitaria a esse tipo de interferência. Honestamente, não se recorda se Marcílio de fato bravateou que iria fazê-lo. Se recorda dele vagamente mencionando Onilda. Se tivesse prometido contatá-la, não acreditaria, porque foi sua professora, não esperava voltar à vereança, nunca fez articulações, se desligou da vida pública e não tinha mais aspiração. Deseja esclarecer que também negociou com o restante dos vereadores a saída de Amilton da mesa diretora. Não mais o suportavam. O grupo político queria alternância e não queriam Amilton, não concordavam com o seu jeito, mas Amilton não abria mão de permanecer na mesa diretora. Conversou com Cachoeira que se Amilton não saísse por bem, seria derrubado no voto. É como se diz no mundo político. Cachoeira quando impediu o declarante de continuar pagando a dívida de Marcílio, disse que eram vinte ou trinta mil reais ao todo, que não era justo o declarante pagar Marcílio e que ele, Cachoeira, não tinha garantia alguma de que o declarante continuasse a pagar por Marcílio. Eustáquio em momento algum disse para o depoente que o dinheiro que pedia era para a assistência social. Nenhum deles relatou tal fato. Nenhum deles disse para que era o dinheiro. (…) Muito embora matematicamente não precisasse dele ou daquele voto, quanto mais folgada fosse sua vitória, mais fácil seria governar. No caso de José Domingos e Marcílio, ainda que tivesse maioria regimental, seu poder para governar estaria mais sedimentado com apoio maciço de opositores, até para que eles não tumultuassem os trabalhos, dentre os quais o processo de reeleição e criando por exemplo movimentos paralelos com a indicação de outros candidatos. (…) Sentiu que sua prisão foi justa porque pagou o preço de sua culpa, que divide com os demais denunciados. (…) Seria incoerente pagar contas de Marcílio sem uma contraprestação dele, no caso apoio político. (…) Mesmo Amilton vice presidente, havia interesse dele em vender seu apoio, ao menos para permanecer vice e uma vez que Amilton era rejeitado, até mesmo para manter-se compondo a mesa diretora pelos demais pares. Só Amilton pleiteou a vice presidência e por isso era necessário comprá-lo. (…) Achava que não precisava pagar Eustáquio. Não gostou de pagar. Mas Eustáquio o exigiu. Foi uma condicionante. Foi pagando-o paulatinamente. Cumpriu sua palavra com Eustáquio porque precisava do trabalho político dele na câmara. Queria ter cumprido na íntegra com Amilton, mas não deu conta. Eustáquio nunca se tornou dissidente e nunca teve rejeição do grupo. Prometeu mais dinheiro para Amilton e Eustáquio porque eles pediram primeiro. Se não tivesse cumprido acordo com Eustáquio e Amilton teria havido ruptura política. (…)” (f. 1021\1027, destaquei).

 

O que impressiona na delação de Miguel Júnior é que ela é pontual, cirúrgica, não escolhe gregos ou troianos. Ele deixa de lado de suas acusações pessoas que seriam seus adversários políticos e insere em suas narrativas a cumplicidade de pessoas que, até então, eram seus correligionários, colegas de trabalho ou até mesmo amigos. Por exemplo, nada evoca quanto ao vereador César Romero da Silva, o “Garrado”, seu notório desafeto político, e insere na sua delação a Eustáquio e Sargento Amilton, ambos segundo  a testemunha de defesa do próprio Amilton, “eram super amigos.” (f. 981). Quanto à Garrado, as interceptações telefônicas retratam perfeitamente a animosidade, a desafeição, entre Miguel Júnior e Cachoeira para com o mesmo:

 

Cachoeira: E com o cara sem rabo, cê vê que o Eustáquio agora sossegou, né? Até o jeito dele conversar mudou.

Miguel Júnior: Nó! O Garrado é um imbecil, cara, o Garrado tá… tem o negócio de uma menina aí que ele tem um filho com ela por fora… A menina era menor, sabe….       (f. 117, IP 4163897).

 

E nem assim Miguel Júnior acusa o “Garrado”. Ao contrário, surpreendentemente, dirige sua espada aos aliados. Voltando ao acusado Eustáquio, por último mencionado por Miguel Júnior, confessa na polícia ter vendido seu apoio político a Miguel ao longo dos anos de gestão deste último à frente da edilidade araxaense. É o que Eustáquio informa ao delegado de polícia, na presença de testemunhas, seus advogados, promotores públicos, etc… Veja-se:

 

“(…) Salvo engano em 2013, em decorrência da primeira eleição de Miguel Júnior para a presidência da Câmara, aproximadamente uns três meses depois da eleição, Miguel Júnior chamou o declarante, por telefone, marcando um encontro no estacionamento da câmara, dizendo: ´vem aqui que eu tenho que te entregar um negocinho´. Miguel Júnior entrou no carro do declarante e entregou um envelope pardo contendo aproximadamente quinze mil reais, ´de quinze mil pra trás, entre doze e quinze mil´, conforme se expressa. (…) Miguel não tinha qualquer dívida pessoal prévia com o declarante. (…) votou no Miguel Júnior para eleição da presidência e Miguel Júnior votou no declarante para primeiro secretário. Miguel Júnior disse que ´recompensaria´ o declarante posteriormente, pelo apoio político. O declarante quitou suas dívidas de campanha como por exemplo gráfica e outros (…)”  (f. 85).

 

Isto, repita-se, na presença do advogado deste réu, do Ministério Público oficiante, da autoridade policial. o relato é idôneo, e se transforma em poderosa prova apta a alicerçar condenação segura, quando corroborado pela delação de Miguel Júnior e das falas do próprio acusado Eustáquio em juízo.

 

É fato que Eustáquio nega em juízo a confissão que proferiu em sede policial. O faz, certamente, como um direito seu negar a verdade, ou se calar, reflexo do princípio constitucional do nemo tenetur de tegere insculpido no art. 5o, LXIII, da CF. Ainda assim, e conquanto Eustáquio coroe suas alegações judiciais de circunlóquios inverossímeis, de evasivas incompreensíveis e histórias rocambolescas, ainda assim Eustáquio finda por confirmar que recebeu vantagem patrimonial de Miguel Júnior. Basta, para tanto, a análise cuidadosa das declarações verbalizadas em seu interrogatório:

 

 “(…) Não se recorda do que disse às fls. 85. Ficou intensamente transtornado com sua prisão e lhe deu um branco na cabeça. Foi amparado por seu advogado, mas só se recorda disso após sua oitiva. Sempre mexeu com festas para crianças. Todo ano amealha dinheiro. Termina uma festa e já começa a amealhar dinheiro para a festa seguinte. Em 2013 teve dificuldades para arrecadar dinheiro para a festa que ficava em torno de vinte e seis mil reais. Sentou com Miguel para conversar. Bolaram primeiro pedir para a Bunge. A Bunge respondeu que não era assistencialista e negou o pedido. Então o amigo comum ficou de conversar com o proprietário da Minax. A Minax também não deu o dinheiro. Miguel então, sabedor da importância da festa e da premência do declarante, prometeu dar do bolso dele um dinheirinho que estava guardando. Se encontraram a pedido dele no estacionamento da câmara. Lhe passou cinco mil reais, que comprou de picolé para as crianças. Não se lembra onde Miguel lhe passou o restante do dinheiro. Ao todo Miguel lhe pagou cerca de dez mil reais, mas não foi comprando seu apoio político. Foi por caridade, para ajudá-lo na festa para as crianças carentes. Indagado porque os pagamentos foram feitos na surdina, uma vez que não representariam a prática de crime, respondeu não saber, respondeu que os locais escolhidos para entregar o dinheiro eram determinados por Miguel e que não o questionava. Nunca teve problema pessoal ou político com Miguel. Foi secretário de sua segunda presidência. Aliás, na primeira e na segunda. O apoiou em ambas as eleições da presidência da câmara. (…) Nas duas vezes em que votou em Miguel, o fez sem interesse financeiro algum, o fez por opinião política. (…) Não pode afirmar que Cachoeira fosse articulador político de Miguel. (…) Não sabe se Cachoeira intercedeu a favor de Miguel face este ou aquele vereador. O convívio de Cachoeira e Marcílio é meramente profissional. Não sabe de amizade íntima entre eles “absolutamente”, conforme se expressa. (…) Não havia inimizade ou impasse de Marcílio e José Domingos com Miguel. Jamais nesses anos todos soube de qualquer dívida entre Marcílio e Miguel. Só soube depois do fato da denúncia alardeado, mesmo assim soube da suposta dívida através da imprensa. (…) Jamais soube de Miguel pagando faculdade para a filha de José Domingos. Se recorda de Francisco, primo de Juninho da farmácia. Se lembra de Francisco na câmara. (…) Atua faz quase trinta anos em campanhas eleitorais. Antes de ser político era presidente de bairro. Era e sempre foi muito assediado por políticos. Tem atuação engajada nas campanhas e até as eleições. Só veio a conhecer Marcílio nesta legislatura. Nunca antes o vira trabalhando em campanha alguma, para qualquer candidato. Nunca viu Marcílio trabalhando com pintura de muros ou arregimentando trabalhadores. Amilton era mal visto por alguns funcionários da câmara por sua postura militar na vice presidência da edilidade, mas é porque gostava das coisas muito certinhas. (…)  Pelo que sabe Juninho da farmácia queria ser presidente e tinha o apoio de dois vereadores cujo nome não se recorda, mas esses vereadores mudaram de ideia de última hora e aquilo freou o ímpeto de Juninho. Não se recorda do nome dos vereadores. Não sabe dizer se Juninho conversou com Miguel antes de decidir por não mais concorrer com ele para a presidência. Indagado porque Miguel que o ajudava em causas caritárias e era seu correligionário o está acusando falsamente, ao mesmo tempo em que poupa outros vereadores que eram seus adversários políticos e com os quais não tinha qualquer vínculo, informou não saber. Preferiu renunciar a receber para ficar em casa e não trabalhar. Nunca antes foi preso ou processado. (…)  Indagado o acusado, respondeu que está de fato nervoso e está com hipertensão arterial. Sob conselho de seu advogado, informou que não irá responder mais nada. Afirmou que melhorou, mas não irá responder. O MP fez constar suas perguntas: “(…)5- Quando e onde teria sido realizado esta festa das crianças?; 6- Quais foram os valores gastos em tal festa?; 7- Onde estão as provas documentais dos gastos com a referida festa?; (…) 11- O interrogado, durante o recesso na última audiência, na semana passada, abordou este promotor de justiça para conversar sobre o conteúdo deste processo, confessando ter de fato recebido dinheiro de Miguel Alves Ferreira Júnior, porém dizendo que o dinheiro foi aplicado em questões sociais e que não sabia de que o dinheiro teria sido desviado?”.(…)”  (Eustáquio, f. 1094\1.097, destaques meus e do original).

 

Eustáquio, no entremeio de suas inverdades, acaba afirmando que de fato recebeu propina de Miguel Júnior, mas para comprar picolés para uma festa de crianças, daquelas que Eustáquio comumente realiza. Cinco mil reais em picolés, e recebidos de maneira clandestina, dentro do carro de um deles, no estacionamento da Câmara dos Vereadores (f. f. 1095). É desnecessário salientar que, para que se configure a prática do crime de corrupção passiva, desnecessária a destinação a ser dada à propina recebida. Pode Eustáquio, perfeitamente, usá-la para causas caritárias e humanas, como aliás é de sua índole.  A destinação proba da verba criminosa não desnatura a prática do crime de corrupção passiva preconizado no art. 317 do CP. Isto porque Eustáquio, confessadamente, recebeu o montante em dinheiro, seja cinco, doze, quinze mil reais, que era o “agrado”, o “prêmio” que Miguel Júnior lhe prometera em caso de êxito de sua campanha para a Casa de Leis Araxaense, o que acabou se consumando.

 

Lamentavelmente para Eustáquio, não se está aqui julgando pessoas, mas fatos por estas praticados. É induvidoso que Eustáquio falou a verdade na Delegacia de Polícia, verdade que procurou maquiar sem êxito em juízo. Estava acompanhado de seu advogado, seu depoimento em sede policial foi colhido na presença de representantes do Ministério Público. Em juízo, passou a se sentir mal quando inquirido pelo mesmo parquet, que lhe perguntou por provas das tais despesas com “picolés” (sic), e insinua que informalmente ouviu de Eustáquio confissão posterior à uma das audiências instrutórias (f. 1.097).

 

Eustáquio jamais trouxe aos autos prova de cinco mil reais gastos com picolés para crianças. A hipótese é ridícula demais para ser demonstrada, data venia. Cinco mil reais em dinheiro, em moeda sonante, abasteceriam de picolés toda a população infantil de Araxá por vários meses e o donativo certamente ingressaria no Livro Guiness dos recordes. Seria estrepitoso. Ao contrário, nada se falou e nada se disse, não se comentou e nem veio aos autos prova da retumbante festa.

 

De todos os acusados, e isto as interceptações telefônicas também dizem, Eustáquio era de longe o mais afinado a Miguel, mesmo se considerarmos a amizade antiga entre este último com Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira. Miguel não teria motivo algum para mentir e incriminar falsamente o amigo, e Eustáquio sempre foi dos mais inatacáveis dentre os edis desta cidade. Sua índole humanitária, voltada à infância e à educação, sempre foi do conhecimento de todos. Uma mentira mal direcionada contra este réu teria o condão de se transformar em verdadeiro tiro no pé do delator Miguel Júnior, caso sua delação não retratasse a fria verdade dos fatos, como de fato e neste ponto o faz.

 

Tamanha a estreiteza e a intimidade no relacionamento entre Miguel e Eustáquio que às f. 60\67 dos autos do IP 419539 se capta longa e reveladora conversa entre ambos, preocupados com a resistência de outro vereador, este o opositor Sargento Amilton, em concorrer com Miguel nas eleições para sua recondução à presidência da Casa de Leis desta cidade.

 

A delação do comparsa, quando não visa sua isenção da responsabilidade criminal, é poderoso meio de prova, conforme remansosa jurisprudência. A inexistência de atritos e inimizades entre o delator e o delatado impulsionam esta delação a um patamar de relevo probatório somente alcançável pela confissão, e Eustáquio confessa na polícia, e a seu modo reitera esta confissão, repleta de floreios inúteis, em juízo. Como se não bastasse, o ônus probatório seria deste réu ao tentar demonstrar a idoneidade do regalo, do mimo, da propina que recebeu, a teor dos dizeres do art. 156 do CPP.

 

É fato que é impossível proferir sentença condenatória com base exclusiva nos termos da colaboração premiada, a teor do art. 4o, parágrafo 16, da Lei 12.850\2014. Contudo, a prova acusatória não se resume à delação, como já exteriorizado, e assim a condenação de Eutáquio pela prática isolada do delito preconizado no art. 319 do CP é a medida que se impõe.

 

Indo adiante, e como já dito, passo à análise da prova colhida em detrimento do acusado Amilton Marcos Moreira, o Sargento Amilton, a fim de verificar se é apta, idônea e suficiente também para a sua condenação. Abro um parênteses, contudo, para salientar que diante da narrativa dos fatos pelo Ministério Público na Denúncia, é impossível convir com o parquet de que se esteja diante da prática de crimes em profusão e cometidos em substancial concurso material, na forma do art. 69 do CP, quanto a este réu, Sargento Amilton, e os remanescentes.

 

Teço estas considerações nesta oportuna fase da sentença porque de todos os acusados, somente contra Eustáquio pesa a mácula isolada de um único delito. Quanto a todos os demais acusados, o que a Denúncia pede é a condenação cumulativa via soma de penas em observância das regras do concurso material preconizadas no art. 69 do CP, já mencionado. Então, já dissecada a responsabilidade criminal isolada de Eustáquio, faz-se premente analisar agora, antes do julgamento dos demais réus pelos alvitrados crimes em concurso, dizer se este concurso de fato existiu, e se é material e cumula penas.

 

O que observo da inicial acusatória é a narrativa do que  seria a prática perniciosa e rotineira de alguns dos vereadores de Araxá durante o período descrito naquela referida peça processual, entre 2012 e 2014, desde a campanha para a primeira assunção de Miguel Júnior à presidência da Câmara dos Vereadores até após sua reeleição. Neste entremeio ocorreram três votações relevantes, e que ensejaram de maneira mais contunde a alegada compra e venda de apoio político entre os acusados: a eleição de Miguel, a votação da emenda parlamentar que autorizava sua recondução ao cargo, e esta última propriamente dita.

 

Não que as ações confessadamente corrompidas de Miguel se restringissem a estas três ocasiões políticas. É ele mesmo quem informa em seu já decantado interrogatório que…

 

Deseja esclarecer que na presidência da Câmara precisava de apoio político para tudo, e não está falando aqui só de eleição para a presidência ou de reeleição. Também se refere à mudança da lei orgânica e ao dia a dia na Câmara. Governar e liderar seus pares poderia ser difícil com adversários políticos a espicaçá-lo. Passou então a construir alianças, conquistar seus pares, se necessário com vantagens. Isso foi contínuo. Era rotineiro. Nunca parou. Suas tratativas com seus colegas vereadores se deram de forma diferida no tempo e ao longo de todo o período em que ficou na presidência da Câmara, três anos.” (f. 1021, destaquei).

 

É perceptível a assertiva, diante do que informam os próprios acusados em suas declarações em juízo e fora dele, mesmo quando negam a acusação ministerial. A barganha política era um continuum com picos e crises em momentos de votações internas mais polêmicas, mas todo o tempo havia articulação política – as vezes normal aos meandros do poder, as vezes criminosa. E já foi dito em outro ponto desta decisão que é sutil a diferença entre a troca de interesses políticos e os crimes de corrupção passiva e ativa.

 

Para que se tenha idéia do cotidiano de negociações e negociatas entre os vereadores, basta a análise do teor de degravações transcritas a partir dos áudios interceptados nos inquéritos apensos a estes autos:

 

Miguel Júnior: É. Isso é o que eles falam né? Falam, falam o tempo todo né? Falam de mim na câmara. Falei ah mas eu sozinho, mas eu sozinho, eu un dou conta não viu? Pra mim poder fazer bancada pra vocês na câmara, cê sabe melhor do que eu, Aracely, lá a macacada gosta de comer banana. Você pode repartir.

Jairinho: (risos).

Miguel Júnior: Falei na lata assim na frente da Lídia.

Jairinho: Lógico, ué! Num tem que esconder não ué?

Miguel Júnior: Você é deputado, você sabe melhor do que nóis, cê sabe como é que funciona Brasília. Lá é um milhão de vezes maior. Aqui é um pouquim parecido.

Jairinho: os macaquim aqui em baixo, os miquim também gosta de banana.

Miguel Júnior: É falei desse jeito. Falei que aqui também a macacadinha aqui também gosta de banana. (F. 04, IP 4163897).

 

Cachoeira: Não, vai escutando, aí eu vou falar Zé, eu vou lá na casa dele perto da Elaine, falar ó ééé você me deu uma força quando eu fui ser presidente da câmara, nós trabalhamos aqui na sua casa, eu vim falar pra você o seguinte: se você quiser ter vida boa lá, vier cassação vier problema pra cima de você, se você tiver o presidente do seu lado, a gente manobra tudo isso aí , agora, fica como Mauro, fica lá com ele, toca taoca sua viola, sabe?  E ocê vai ver o que é que vai acontecer. Se você vier, a gente vai garantir o Miguel, garantindo o Miguel, cê tá garantido cara. Nós, nós noós com conversamos o Erígio e com o Aracely, nós vai pra cima e nós vamos ter força. Agora, chega lá cê o que sabe, c~e vai decidir hoje comigo aqui, eu vou falar Elaine, a gente fala alguma coisa com ele, chega lá dando tchau, não concentra viu, não concentra, entende? E, aí porque, eu acho que ele vai aceitar, eu tinha trocado uma ideia com Jeová…

(F. 09, IP 4163897). (para Miguel Júnior).

 

Cachoeira: (…) A única forma de levar o Mateus, que trabalhou na campanha, que teve voto, é tirar o Junim pra agricultura, ou ou dá pro pro, dá a agricultura pro Miguel pra ele por o Jairinho ou coisa assim, sabe? (…) Ou levar Pezão, ele tem que, ele tem que fazer uma, uma gracinha lá. Agora ele sabe fazer, ele sabe, ele vai investir, sabe? Ele já foi na câmara conversar com os vereadores duas vez, viu? Essa política dos ceis antiga de esquema, de como fala, de toma lá dá cá , falei ah Jeová, (inaudível) sua é boa mas eles te cassou.(F. 10, IP 4163897).

 

A sucessão reiterada, contínua, de articulações que beiram o crime ou nele se inserem tornam impossível a individualização de práticas criminais autônomas, em concurso material e na forma do art. 69 do CP. Na verdade, as tratativas de Miguel Júnior e Cachoeira com os demais acusados e mesmo com outros parlamentares e envolvidos nesta infeliz trama se sucediam de maneira a tornar obrigatório o reconhecimento de que um ajuste, um “ajeito”, puxava outro, uma propina deflagrava outra obrigação e criava naquela casa legislativa o desagradável hábito da deplorável política do “toma lá dá cá” que tanta vergonha causa a este sofrido país.

 

A própria denúncia, ao retratar, por exemplo, a vinculação entre Marcílio de Faria e Cachoeira, e depois entre estes dois e Miguel Júnior, robustece a tese da indissolubilidade das ações criminosas aqui em estudo. A certo tempo da inicial acusatória, o parquet afirma e informa que Cachoeira primeiro contraiu empréstimo para beneficiar Marcílio, quando então pretendia ele, Cachoeira, a presidência da Câmara dos Vereadores. Quando seu grupo político se esfacelou, em decorrência da cassação do prefeito Dr. Jeová Moreira da Costa, líder dos situacionistas, Cachoeira foi para a penumbra até novamente se articular com Miguel Júnior. Como em tese não tinha mais força política para disputar a presidência daquela edilidade, Cachoeira passou a receber em tese a dívida anteriormente contraída em parcelas, pelo menos duas, que Miguel – já então interessado em angariar o apoio político de Marcílio – repassava ao primitivo credor.

 

Ou seja, uma tramóia alinhava a outra, que por sua vez a liga a uma terceira, tornando as acusações um emaranhado intrincado de impossível compartimentalização. Nestas circunstâncias, inviável aquiescer à regra do art. 69 do CP, que prevê o somatório de penas tendo em vista condutas criminais isoladas, apartadas umas das outras no tempo  e no espaço.

 

Dada esta peculiaridade, inevitável o reconhecimento da continuidade delitiva, razão pela qual a regra a ser seguida por esta sentença, se admitida a prática dos crimes em detrimento dos demais réus, será aquela preconizada no art. 71 do CP, a saber: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços“.

 

         Portanto, os réus cuja culpa de seus atos doravante será analisada, responderão, se procedentes as acusações por mais de um delito a cada um deles de per se imputados, responderão conforme as regras da continuidade delitiva prevista no art. 71 do CP, e não conforme o concurso material disposto no art. 69 do mesmo diploma.

 

Então, fechado o parênteses, voltemos ao acusado Sargento Amilton.

 

Segundo a denúncia, para apoiar politicamente Miguel Júnior, Sargento Amilton teria exigido e recebido propina, na verdade parte dela, de um montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) combinados com Miguel. Na polícia, Amilton confessa a trama, fazendo-o na presença dos advogados, delegado e de dois promotores que acompanharam as investigações desde os seus primórdios:

 

“Miguel ofereceu ao depoente um ´prêmio´ para que o declarante desse apoio político ao mesmo; Miguel ofereceu R$ 20.000,00; Miguel é um ´caloteiro´, ´vagabundo´, pois só pagou R$10.000,00 em duas parcelas de R$ 5.000,00 em dinheiro, na porta da casa da mãe do Miguel e dentro do carro do declarante.Miguel deu R$ 5.000,00 antes da eleição e os outros R$ 5.000,00, salvo engano em fevereiro de 2013. (…) o declarante não cobrou de Miguel Júnior o restante do pagamento, ´os R$ 10.000´, no período da reeleição, ´ele é caloteiro´. Votou no Miguel Júnior para reeleição, ´acompanhando seu grupo político´” (f. 94).

 

Em juízo, o acusado Sargento Amilton se desdiz. Afirma que combinou a falsa confissão com o apoio dos advogados que o acompanhavam visando sua rápida libertação, uma vez que se encontrava preso em virtude de prisão temporária decretada e depois renovada. Segundo este réu, sua filha se encontrava grávida e enfrentava complicações na gestação em decorrência da preocupação que nutria quanto ao pai preso. Premido por estas circunstâncias, teria confessado falsamente, e na verdade nada recebeu de Miguel Junior, em tempo algum comprometendo sua atuação como edil à qualquer tramóia traçada por seu pretenso corruptor. Eis, em suma, o que relata Amilton em sede judicial:

 

(…) Na ocasião estava preso temporariamente no quartel da PM de Araxá. Era um local isolado dos demais praças. Tinha apenas o acesso a familiares e advogados. Disse o que se encontra retratado nas suas declarações, mas é mentira. Mentiu por orientação de seus advogados. Foi o único vereador que ficou mais de dez dias preso. Acredita que se não tivesse confessado em falso estaria preso até hoje. Se sentiu constrangido desde já o primeiro momento de sua prisão. É militar da reserva. Entende que conforme a lei seu comandante é que deveria tê-lo buscado detido. No entanto foi abordado na porta de sua casa por policiais civis e só depois o comandante da PM foi notificado. Era sempre o último a ser ouvido nas suas oitivas e a polícia civil endurecia com o declarante. Ouviu aqui nesta instrução um dos delegados admitindo isso, para dizer que o declarante era “duro” e a polícia civil trabalhava mais pesado em cima dele. Ouviu isto nesta instrução. Descobriu que sua filha estava grávida e que, nervosa, poderia por a perder a gravidez. Sua filha é sargento da PM. Disse para seus advogados que não suportaria permanecer detido diante de uma situação daquela e que de qualquer modo precisaria sair. Seus advogados o alertaram que se não confessasse, provavelmente veriam sua prisão temporária se transformar em preventiva e provavelmente estaria preso até hoje. Seguiu o conselho do seu advogado e resolveu mentir, concordando com tudo que Miguel lhe acusara. Ainda a pedido e conselho de seu advogado, deu uma modificada no final para não parecer um jogral, foi quando chamou Miguel de caloteiro. Seus advogados lhe trouxeram o depoimento de Miguel, em que o acusava falsamente, e em cima dele erigiu sua farsa. Não concordou com tudo que o delegado dizia sobre conselho do seu advogado Dr. Fabiano porque aí não seria necessário, como de fato não foi. Aquiescendo ainda que apenas em parte com o conteúdo das denúncias que sofria, já foi liberado. Não estava bem psicologicamente quando depôs, mas estava tranquilo. Tem por hábito usar gel no cabelo, inclusive quando apita jogos de futebol, porque também é arbitro. Por inúmeras vezes já conduziu presos até a presença de autoridades, delegados, promotores, juízes, e sempre viu neles uma preocupação em se apresentar bem nas suas oitivas. Por isso estava bem vestido, com gel no cabelo, afetando tranquilidade. Miguel não lhe deve dinheiro algum. Logo que eleito, foi o quarto vereador mais votado, formaram o grupo dos 9 e havia uma tendência a eleger Juninho ou Miguel para a presidência da câmara. Por exigência de seu partido, que amealhara três cadeiras daquela legislatura, se candidatou a vice presidência. Seu concorrente era Marcílio. Ganhou de Marcílio e se tornou vice presidente. Apoiou Miguel para a sua primeira presidência e entrou como vice. Também ficou muito constrangido porque é radialista. Quando foi preso as redes sociais acabaram com o declarante. O chamaram de ladrão da Santa Casa. Quando foi absolvido do processo da Santa Casa, ninguém falou nada. Se sente em prisão domiciliar hoje. Está aviltado em sua honra. Parou de trabalhar em rádio. Foi cassado pela câmara dos vereadores em um processo estranhamente rápido tão logo saiu da cadeia. Entende que houve perseguição contra o declarante. (…) Também apoiou a proposta que autorizava a recondução do presidente da câmara, proposta por Alexandre dos Irmãos Paula, outro vereador. Se recorda que Miguel disse naquela época que não iria tentar sua recondução à presidência, que iria apoiar alguém para prefeito. A votação em questão foi tranquila. (…) Fizeram uma reunião do grupo dos 9 no restaurante Horizonte Perdido no período de tempo que antevceceu a reeleição de Miguel. Foi o último a chegar e o primeiro a sair. Quando chegou, rapidamente viu que o grupo já havia decidido que Miguel seria reeleito, Fabiano seria o vice e Eustáquio o secretário. Na hora indagou porque não poderia o declarante ser de novo o vice. Pezão já estava alcoolizado e respondeu que era porque o declarante era muito chato. Então foi embora. Mesmo assim por inexperiência política apoiou a reeleição de Miguel porque ficou com medo de se tornar minoria se opondo ao grupo dos 9 e em assim o fazendo não ter projetos e propostas aprovados, sofrer com a indiferença de seus pares ou com oposição interna às suas ações legislativas. Seu convívio com Marcilio era formal e sem afinidade. Sem inimizade também. Jamais chegou ao conhecimento do declarante que Miguel devesse dinheiro a Marcilio. Jamais chegou ao conhecimento do declarante que Marcilio tenha dito no bar do betão que Miguel é caloteiro. Marcilio foi derrotado pelo declarante na primeira legislatura de Miguel porque Marcilio se candidatou a vice-presidente e perdeu para o declarante. (…) Apoiou Miguel nas duas eleições dele, pelos motivos que já explicou. Pelas degravações que depois ouviu, descobriu que não era bem quisto no grupo, coisa que até então não sabia. (…) Não sabe dizer, se Cachoeira passou a articular adesão a Miguel depois da queda de seu antigo padrinho político, Jeová. (…) Eustáquio foi eleito secretário na recondução de Miguel multimencionado cargo. Não sabe de dívidas ou acordos financeiros entre Eustáquio e Miguel. Não tem conhecimento se José Domingos se opunha a Miguel Júnior. Não é correto afirmar que Miguel se opusesse a Jeová ou fosse adversário político do cunhado de Jeová, José Domingos. Miguel Junior é político experiente. Ele não se opunha a ninguém declaradamente. Evitava polêmicas. O relacionamento dele com José Domingos era normal. Jamais chegou ao conhecimento do declarante que Miguel auxiliasse no pagamento da faculdade de uma das filhas de José Domingos. Se recorda quando o vereador Juninho da Farmácia se tornou secretário de governo. Já era então Aracely de Paula o prefeito. (…) O relacionamento de Cachoeira com Marcílio era normal, como com os demais vereadores. Jamais ouviu dizer que Cachoeira e Marcílio fossem amigos íntimos. Não sabia de intimidades deles. Isto não se percebia na câmara. (…)  Foi convidado pelo novo prefeito Aracely de Paula para assumir a secretaria de esportes. Na época, Miguel lhe deu estranho apoio. No entanto, recursou, dizendo ao prefeito que fora eleito para ser vereador do povo. Depois descobriu que aquela era uma tramoia para que sua suplente Valeria Sena assumisse seu lugar, tanto que ela depois de fato assumiu e propôs a comissão processante contra o declarante. (…) Já confrontou bandidos diversas vezes. Entrou em tiroteios e em situação de risco pessoal. Enfrentou situações de muita pressão. Sempre esteve acostumado com pressão. Está preparado para morrer em serviço e para defrontar perigos quaisquer, mas sua netinha que ainda não havia nascido mas já estava gestada não estava preparada para sofrer a pressão do avô preso e por ela fez o que deveria ser feito para apaziguar a gravidez de sua filha. Nunca recebeu qualquer dinheiro de Miguel. Longe de tranquilizá-lo, a presença de promotores na sua oitiva o assustou, porque em mais de uma década de atividade policial, diariamente conduziam detidos até o delegado, nunca tinha visto promotor presente nas oitivas. Quando viu no seu caso, se alarmou. A situação em si era torturante, até porque pairava a possibilidade da conversão de sua prisão em preventiva, não se refere à atuação específica de qualquer autoridade como pendente a torturá-lo. O promotor presente nada falou com o declarante. Como já disse, o que alarmou foi a presença do MP, porque em outros casos de crimes sanguinolentos graves, nunca viu promotor acompanhando a oitiva. Quando viu promotor na sua oitiva, a primeira coisa que pensou é que seu suposto crime e sua situação eram vistos com muito maior gravidade pelo MP. Também é a primeira vez que vê oito vereadores presos. Já tinha comprado seu carro e o pagava dentro de suas possibilidades por ocasião do fato da Santa Casa. (…) Desde criança tem por hábito guardar dinheiro vivo dentro de casa. Desde os 9 anos trabalha. Não depende de política. Consegue cuidar da família só com sua aposentadoria como policial. Não se recorda qual quantia exata disse que tinha por hábito deixar em casa, mas estava abalado e que o lhe fosse perguntado responderia conforme combinado com seu advogado. Considerou estranha a iniciativa de Alexandre dos Irmãos Paula de propor emenda legislativa autorizando a recondução do presidente da câmara, quando já se falava na impossibilidade de que isto fosse autorizado. (…) Acredita que Miguel o acusou porque não gosta do declarante. Indagado porque não acusou também outras pessoas, afirmou acreditar que Miguel delatou falsamente apenas aqueles que seriam “pedras do seu caminho”, e que ele está em busca de uma delação premiada. Foi uma honra ser convidado a ser vice presidente. O grupo dos 9 o escolheu. Durante sua oitiva via a um canto da sala do delegado papéis da associação dos aposentados e pensionistas de Araxá. Na época era seu presidente atuante. Acreditava que a papelada ali também era para intimidá-lo, até porque seu advogado lhe dizia que a mídia já especulava de desvio milionário da entidade por parte do declarante. Depois houve inquérito e que se constatou sua inocência. (…) Chegou a ensaiar com o Dr. Fabiano as mentiras que iria dizer, por isso foi rápido na sua derradeira declaração policial, quando confessou em falso. Seria ouvido na terça, mas sob promessa de colaborar, sua oitiva foi antecipada para sexta e em seguida foi solto. Miguel jamais foi a sua casa levar dinheiro. Recebia à época como aposentado da PM, blogueiro, árbitro de futebol e radialista. Sua filha estava na primeira gravidez e teve problemas para engravidar. Seu pai tinha também por hábito guardar dinheiro em casa e guardava dinheiro para ele. Ouviu nas escutas Cachoeira e Miguel dizendo que não precisavam de seu voto para a reeleição de Miguel. Se considerou enganado ao ouvir as gravações. É bacharel em Direito. Inclusive este juiz foi seu professor. Não foi algemado porque a súmula vinculante número 11 diz que a algemação tem que ser justificada. Marcílio era atuante contra Miguel. Como já disse, Miguel procura delação premiada ao acusá-lo e aos demais réus falsamente. (…) Cachoeira jamais lhe pediu para votar em favor de Miguel. Cachoeira jamais lhe prometera vantagem qualquer. No grupo G9 havia o costume da votação em bloco. Juninho da farmácia cogitou se candidatar à presidência da câmara por ocasião da reeleição de Miguel Jr. (…) No caso do declarante, votou pela reeleição porque acreditou em Miguel quando este afirmou que não iria tentar se reeleger. Presume que outros vereadores tenham votado pró reeleição por idêntico motivo, e por idêntico motivo se enganado dado a burla de Miguel, mas não saberia declinar nomes. Encontrou com Eustáquio por ocasião de suas derradeiras falas na DEPOL. Eustáquio estava algemado. Eustáquio estava triste.(…)” (Amilton Marcos Moreira, f. 1088\1093).

 

Observo que, por mais boa vontade que se tenha, é impossível crer nas evasivas do acusado Sargento Amilton. É bastante provável que tenha confessado para se ver livre da prisão, e que o premia a necessidade de acompanhar liberto a gravidez da filha. Mas acredito piamente que nem isto o faria confessar um crime tão infamante, ele, Sargento Amilton, um homem da lei, um policial militar duro, reformado mas escolado e escaldado na rudeza do combate ao crime. Ele que afirmou em juízo que, ao longo de sua carreira militar, que está preparado para morrer em serviço e para defrontar perigos quaisquer” (sic – f. 1090).

 

A não ser, é claro, que a confissão fosse verdadeira.

 

A confissão colhida somente no inquérito policial e, principalmente, por réu confessor ainda preso, é de ser admitida com extrema cautela como prova a ensejar condenação. Sozinha, esta confissão de nada vale, não somente pela regra do art. 155 do CPP, como também pelas regras do bom senso. Presos, há indiciados e suspeitos que tudo confessam, tudo dizem para se verem libertos. Há necessidade de mais, muito mais do que a confissão extrajudicial, para permitir o decreto condenatório seguro embasado na certeza técnica necessária a ensejar a procedência da denúncia.

 

Realmente, das inúmeras falas entre Miguel Júnior e Cachoeira, ou mesmo entre Miguel e o acusado Sargento Amilton, não há menção à propalada propina, em momento algum. Contudo, esta lacuna não impressiona, tendo em vista que os réus, se não são e nunca foram bandidos perigosos e reiterados, tampouco podem se comparar a virgens vestais e noviços quanto às coisas da lei. Dentre estes, o próprio Sargento Amilton possui o plus de ser policial reformado, bacharel em direito e repórter policial. Ou seja, por todos os ângulos que se perscrute, teria motivos de sobra tanto para saber dos efeitos perniciosos, ainda que não definitivos, de sua confissão extrajudicial, bem como do intenso perigo que correria se falasse abertamente em propina, valores e corrupção em conversas telefônicas com seu suposto aliciador, Miguel Júnior. Nenhum dos réus é tão inocente assim.

 

Fato é que ninguém mais sabe, concretamente, da prática corrupta entre Miguel Júnior e Sargento Amilton. Esta condição é bastante natural em um delito desta natureza subreptícia, e se não está registrado explicitamente em gravações telefônicas, tampouco (e obviamente) as tratativas referentes ao repasse financeiro, e mesmo a entrega do dinheiro. iriam ocorrer às escancaras e na presença de testemunhas. Seria uma utopia esperar por uma prova de culpa assim tão clara.

 

Os trechos transcritos das interceptações telefônicas, no entanto, fornecem entrelinhas que podem ajudar a colmatar as lacunas inerentes ao surpreendente apoio político que Amilton, detestado por todos os vereadores e inclusive por Miguel Júnior, forneceu para a consolidação da eleição e reeleição deste último à presidência da vereança local.

 

Miguel Júnior: Bão ué, tudo bem, eu tô falando isso, num tô, num tô defendendo o Eustáquio então não. Eu tô falando que eu preciso de alguém que se candidate a secretário porque ninguém quer ir. Todo mundo que cê pergunta ou? Ninguém quer. Todo mundo ranca de quinta, entendeu?

Sargento Amilton: Eu vou, eu vou… eu podia tá até numa boa, igual eu fiz com você, nós conversamos, batemos papo, houve um acordo entre nós, tudo beleza, entendeu? Agora, só dele chegar, como se diz… Ó pro cê ver, comigo ele num falou nada, ele foi só nos bastidores e aí eu descobri que ele já tava armando, porque foi até bão que o Germano me ajudou. Agora meu filho, agora eu vou… O Romário diz que vota em mim.

(IP. 4192539, f. 12, destaquei).

 

Cachoeira: O Zé Domingos falou que não vota no Hamilton pra vice.

Miguel: Ah, não, o Hamilton bateu no rosto dele. Assim, falando subjetivi… Como é que chama? Metaforicamente. Bateu nele quando fez aquelas críticas lá, então…

Cachoeira: Não. Num vota não. O Zé falou o seguinte: pode ficar tranqüilo que ele não pode ficar na mesa, Miguel, porque ele se desgasta. O Hamilton é dali pra fora. Ele é fraco. Não tem jeito.

(IP 419539, f. 45, destaquei).

 

Cachoeira: Fabiano já tem os oito votos?

Miguel: Tem. Tem sim sô! Contano com ocê lá… O Zé Domingos… Tem sim. Agora eu vou ter que falar pro Amilton: Amilton, o grande problema seu eu vou contar o quê é: fica debatendo aí falano em diretoria, falano o quê? Como é que ocè quer ter voto de algumas peças?

(f.71, IP 419539, destaquei)

 

 

Ainda às f. 60\67 do IP 419539, anexo, há uma conversa longa e aqui já mencionada entre Miguel Júnior e Cachoeira visando conter a vontade ferrenha de Amilton em concorrer à vice-presidência da Câmara em decorrência da reunião realizada no restaurante Horizonte Perdido com os vereadores membros do Grupo “G9”. Referido grupo buscava votar em bloco as medidas, moções e leis, e comandar o Poder Legislativo local. Até aí, nada ilegal em se formatarem subdivisões ideológicas e práticas dentro de colegiados. O incrível é que o teor degravado transcende, assim como dos demais excertos aqui transcritos, para demonstrar que o acusado Sargento Amilton era um vereador com peso político “zero” dentro da Câmara dos Vereadores. Poderia a população adorar-lhe, seus eleitores admirarem-no, e até acredito que assim o fosse, mas seus colegas o reprimiam intensamente.

 

Então, surgem duas indagações. Em primeiro lugar, porque comprar – e caro – o apoio político do Sargento Amilton? Já que não tinha a adesão de seus pares, já que em inúmeros trechos Miguel e o próprio Cachoeira deixam claro que não precisavam de Amilton, então porque arriscar-se na prática do ilícito penal? Em segundo lugar, e não menos importante, é saber por qual incrível interesse Amilton, político debutante e vaidoso, iria simplesmente aderir e pactuar, e não se contrapor, a um grupo político que claramente o repelia?

 

Embora Amilton afirme em seu interrogatório que desconhecia a aversão que lhe nutriam seus pares até ouvir o conteúdo das interceptações telefônicas, é também ele próprio quem assevera neste mesmo interrogatório que foi o último a chegar ao Restaurante Horizonte Perdido, no dia da reunião do G9, e o primeiro a sair (f. 1090). Isto porque ali se sentiu defenestrado e o repeliram para compor a mesa diretora da Casa de Leis, cuja candidatura era articulada naquele encontro. O finado vereador Pezão, inclusive, teria dito a Amilton que não o apoiariam porque ele era “muito chato” (f. 1091).

 

É este Amilton que teria cobrado caro por seu apoio político a Miguel Júnior, abstendo-se de opor-se à vontade do então presidente da Câmara dos Vereadores. O fez, contudo, na primeira eleição de Miguel à presidência daquela Casa de Leis, quando então seu fator de rejeição não era assim tão evidente, não era ainda o “espalhador de bolinho” que viria a se tornar ao longo da primeira gestão de Miguel Júnior e conforme o próprio Sargento Amilton admite em suas declarações em juízo (f. 1090). Portanto, o peso político, ou na verdade o preço político, de Amilton era diferente naquela primeira legislatura, e estava inflacionado. Pago, ao menos parcialmente, por Miguel Júnior, compôs-lhe a chapa e acompanhou-o aderindo às suas decisões e medidas administrativas, até causar intensa repulsa em seus pares e se tornar “politicamente incorreto” apoiá-lo para compor a mesa diretora.

 

Por isto, é possível que Amilton não tenha sido assediado novamente por Miguel, ou também por este motivo talvez se possa afirmar que Miguel Júnior acabou não pagando a integralidade do valor previamente acordado com o comparsa corrompido, porque já então o apoio comprado valia bem menos, ou nada valia.

 

Todos queriam se ver livres de Amilton, e os trechos das conversas telefônicas deixam claro que na primeira oportunidade surgida, quando da reeleição de Miguel Júnior para a Presidência da Câmara, ejetaram-no do poder. Esta intenção praticamente generalizada dos demais vereadores em retirar de Amilton qualquer destaque ou importância dentro do parlamento municipal fica bem clara quando, diante do convite para que o Sargento Amilton assumisse a secretaria de esportes a convite do novo prefeito, Aracely de Paula, ovacionam e apupam para que aceda e vá polemizar em outros cantos, incensando-lhe a vaidade para que abandonasse a Câmara para integrar o novo Poder Executivo do município.

 

Isto demonstra que ao receber a propina de Miguel, o Sargento Amilton era um opositor de peso às intenções deste seu par. Posteriormente, perdera em importância e acabou apeado da mesa diretora. Mas não explica porque Amilton, que já não possuía motivos para apoiar Miguel (afinal de contas, o caloteiro que não lhe pagara a íntegra da propina), não se indispôs contra seu primitivo corruptor. Se fora afastado do “G9”, era independente e não possuía compromissos com a situação, poderia perfeitamente ter feito oposição ferrenha ao grupo de Miguel Júnior.

 

No entanto, não o fez.  Já então, sentia-se um apadrinhado de Miguel Júnior, e somente vislumbro um fomento para esta subserviência imposta a um homem de personalidade tão forte, um policial militar destemido, um político atuante e um radialista midiático e popular: o conluio com a propina anteriormente paga e que os atava, Miguel e Amilton, ao mesmo segredo criminoso.

 

Se as provas contra Amilton acabassem aqui, estaríamos diante de meras ilações e raciocínios dedutivos, indícios e “sherloquismos”, tão inviáveis para condenar quanto a confissão extrajudicial isolada. Não que esta seja de todo sem valor, muito antes pelo contrário. O Sargento Amilton é brilhante ao tentar desmistificar sua adesão à delação de Miguel Júnior quando, em juízo, salienta que combinou com seu valoroso advogado confirmar aquilo que a polícia queria, acrescendo um ou outro detalhe ínfimo, suprimindo o desnecessário, para dar coesão e credibilidade àquela falsa confissão. Ou seja, falou o simples e o necessário, floreou um pouco e se viu livre da prisão temporária que o afligia.

 

No entanto, mente brilhante alguma, criminosa ou não, se valeria de artifícios tão fantásticos em situação tão crucial quanto aquela então enfrentada pelo acusado Amilton. Ele fornece detalhes que nem Miguel Júnior afirma lembrar como, por exemplo, a forma e o local de pagamento de parte da propina (f. 94). Mas não é só. Informa-o o brilhante delegado regional a supervisionar o inquérito, Dr. César Felipe Colombari, que Amilton se apresentava bem disposto, com gel nos cabelos, barbeado e tranqüilo, e que fora colocado em prisão militar e condições dignas e bem superiores à carceragem comum dedicada aos demais réus deste processo durante o cumprimento de suas respectivas prisões temporárias. Esta testemunha afirma peremptoriamente:

 

“Amilton, já sabendo da denúncia de Miguel, a confirmou. Amilton estava na companhia de três advogados, dois delegados e dois promotores de justiça, salvo engano. Estava tranqüilo. Estava recolhido no batalhão da PM. Ele vinha depor sem uniforme de preso, banho tomado, roupa trocada, em condição carcerária muito superior a dos demais acusados. Ele estava tranqüilo.” (f. 974).

 

Este estado de ânimos não combina com as agruras e aflições que teriam inspirado Amilton ao suicídio político e social da confissão falsa premido pelo nascimento do neto e pela gravidez da filha. Gente assim, transtornada, não se comporta da maneira orquestrada e serena demonstrada por este réu durante sua derradeira oitiva na polícia, quando se auto-incriminou. Seria monumental a farsa, e por isto inverossímil.

 

Tampouco se pode crer que Amilton, dotado de todas as condições pessoais aqui já amiúde alinhavadas, fosse se comportar de maneira tão melindrada diante da perspectiva de permanecer alforriado dos rigores da prisão comum em uma sala do Batalhão PM local em que gozava do conforto legítimo de prisão especial, sozinho, sem uniforme de presidiário, hígido e barbeado. Este estado de coisas não atemoriza, não a um homem como Amilton. Esta é também a conclusão a que chegou o ilustre representante  do Ministério Público, Dr. Marcus Paulo de Queiroz Macêdo, oficiante nestes autos. Em alguns trechos de suas derradeiras razões, o culto promotor disserta:

 

“Os delegados ouvidos em juízo (f. 1015, in fine e fls. 977), os quais colheram a confissão de Amilton, asseguram que ela se deu de forma tranqüila; que ele estava calmo e no domínio perfeito de seus atos; que não estava utilizando uniforme, mas com roupas civis e com bom aspecto; que ele não ficou em momento algum detido em presídio, civil ou militar, mas recolhida ao batalhão PM e que não teve seu cabelo raspado. (…) De se considerar tratar-se de um ex-militar e de um ex-policial militar, portanto acostumado a pressões de toda a sorte, inclusive a situações que poderiam lhe ceifar a vida (´pronto para matar´, como disse em juízo). Não seria uma mera prisão provisória, de alguns dias, como ele bem sabia, por também ser bacharel em direito, que o abalaria psicologicamente, a ponto de inventar uma confissão.” (f. 1345).

 

 

A delação de Miguel, como já se viu, não visava alforriar a este de sua responsabilidade penal. Ao contrário, quando delata Amilton e outros vereadores, amplia o espectro da própria culpa, isto em um momento no qual ainda não fora beneficiado com o pacto de delação premiada a ele oferecido somente ao fim da instrução. Não teria motivos para enredar Amilton em mentiras, quando este último é o único dos réus a ser mencionado apenas an passant ao longo das degravações, em momento algum nas conversas interceptadas se aferindo afirmação expressa a qualquer prática criminosa clara.

 

Observo também dos procedimentos legislativos incrustados a estes autos (f. 466), e é também este o relato dos envolvidos, que Amilton chegou a se candidatar à presidência da Câmara, em descompasso aos interesses de seu mecenas Miguel Júnior, para depois retirar sua candidatura (f. 1089), conduta anômala e somente explicada diante dos interesses escusos que, então, moviam a este réu.

 

Como se não bastasse todo este arcabouço probatório e argumentativo, há duas testemunhas que efetivamente presenciaram Miguel Júnior narrando o suborno que então pagava ao colega vereador, Amilton Marcos Moreira, e que relatam:

 

 “(…)Se recorda que Miguel lhe disse que precisava do dinheiro da Santa Casa para pagar o carro do vereador Sgt Amilton que já o estaria amolando. Não se recorda de ter ouvido de Miguel sobre pagar vereadores ou repassar dinheiro para vereadores. A conversa se deu no contexto da destinação a ser dada ao dinheiro desviado da Santa Casa. Confrontado com suas declarações de f. 21, se recorda que Miguel falou que iria repassar dinheiro para vereadores, mas o único nome que citou foi o de Amilton. Esteve acompanhado de advogado em todas as oportunidades em que foi ouvido. Acatou acordo de delação premiada nos autos do referido processo. Se Miguel repassou dinheiro para outros vereadores o depoente não sabe dizer. Esse dinheiro a que Miguel se referia era dinheiro da Santa Casa. (…)” (Adalberto Alves Pedrosa, f. 961).

 

(…)Estava com Adalberto quando ouviram de Miguel que o dinheiro que lhe caberia no desvio serviria para comprar o apoio político de alguns vereadores. Confirma o que disse às fls. 06, no que interessa. Miguel se referiu expressamente ao Sgt Amilton e a Pezão e a um outro que o depoente realmente não lembra, vereadores que Miguel iria subornar em troca de sua adesão política à reeleição dele, Miguel, para a presidência da Câmara. Não teve qualquer desinteligência com o vereador Sgt Amilton. Nunca travou contato direto com ele. (…) Ficou claro para o depoente, quando se beneficiou com o acordo de delação premiada, que esta somente se referia aos fatos relacionados com o desvio de dinheiro da Santa Casa. Ficou claro que não precisaria dizer da destinação dada por Miguel a parte do valor desviado. Ficou claro para o depoente que não precisaria dizer de compra de apoio político para se beneficiar do acordo mencionado, a ele bastando que ajudasse a deslindar com suas declarações a questão exclusiva do desvio de dinheiro da Santa Casa. (…)” (Adair da Silva, f. 1017\1019, destaquei).

 

Ainda que a valorosa defesa do acusado Sargento Amilton se bata contra a credibilidade da testemunha (na verdade informante) Adair da Silva, dada suposta desafeição entre ambos, tampouco vislumbro aqui a possibilidade de encampar a esta tese defensiva de Amilton. Adair se encontrava preso, processado e enredado com a lei em outros autos a que responde como indiciado e, recentemente, réu, porque seria co-autor de desvio de dinheiro da Santa Casa de Misericórdia local. Dinheiro este que, como revelado por Adair (e Adalberto, e Miguel), teria servido para comprar o apoio político de vereadores (assim mesmo no plural), dentre os quais o especificamente nominado por Miguel, o Sargento Amilton. Adair não iria piorar ainda mais sua situação judicial acusando Amilton em falso, e nem parece que a desinteligência funcional que ambos porventura tenham tido e que é narrada por Amilton e pela testemunha Luiz, f. 980\981, seria de molde a causar em Adair ódio visceral suficiente para engendrar uma trama diabólica e caluniosa.

 

Outrossim, Amilton não explica, ou não consegue explicar, porque Adalberto, este sem nenhum problema pretérito com o acusado, também teria ouvido o mesmo relato de Miguel Júnior: de que o dinheiro desviado da Santa Casa destinava-se ao pagamento da propina que Amilton iria utilizar para pagar seu carro recém adquirido. Assim como não explica porque guardava dinheiro embaixo do colchão, à moda antiga, como disse na polícia, isso em tempos de crise e violência galopante, ele um policial experimentado sabedor dos riscos desta conduta nostálgica e arriscada. A única explicação plausível, aqui, realmente é a origem espúria do dinheiro, proveniente da propina paga por Miguel Júnior a este seu colega edil.

 

Com algum cuidado se percebe que a prova é suficiente para condenar Amilton. Sua defesa é brilhante, e o próprio Sargento Amilton se desconstrói e reconstrói ao longo da sua narrativa. É um homem inteligentíssimo. Os elementos de convicção em sentido contrário, porém, arruínam-lhe a defesa. A delação não exculpante de Miguel, a confissão extrajudicial, a inverossimilhança do embuste na confissão, o estado anímico de Amilton ao confessar, as testemunhas que ouviram de Miguel a história do suborno a Amilton, a forma exótica com a qual este réu admite guardar dinheiro em sua casa, sua conduta parlamentar indo e vindo aos sabores dos interesses patrocinados de Miguel Júnior, tudo isso faz com que lamentavelmente se imponha a condenação do acusado Amilton Marcos Moreira.

 

O Sargento Amilton deve, no entanto, ser condenado uma única vez pela prática do delito previsto no art. 319 do CP, e sequer naquela continuidade delitiva aqui já cotejada e presente no art. 71 do CP. É que Amilton pode ter recebido parcelas do acordo escabroso que firmou com Miguel Júnior, este recebimento de propina pode ter sido diluído, o que não lhe retira seu caráter unívoco.

 

Passemos agora ao caso do vereador Marcílio de Faria.

 

Este réu está se vendo processar porque, por três vezes, teria recebido vantagens financeiras para apoiar seus colegas edis, primeiro de Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, depois de Miguel Júnior. Cachoeria teria contraído em nome próprio empréstimo cujo montante repassou a Marcílio. Cachoeira pretendia a presidência da Câmara dos Vereadores do Araxá, e perdeu a esta eleição ainda nos idos de 2012 para Miguel Júnior. Perdeu também seu padrinho político, o Dr. Jeová Moreira da Costa, prefeito que viria a ser cassado pela Justiça Eleitoral. Amuado, Cachoeira largou o protagonismo político que até então desfiava e passou a atuar nos bastidores em apoio aos negócios daquela Casa Legislativa e em nome de seu novo presidente, Miguel Júnior, de quem passaria a ser o camisa dez, o capitão do time, conforme palavras do próprio Cachoeira (f. 241).

 

Nestas circunstâncias, Miguel teria se aproximado de Marcílio e, em troca do apoio político deste nas questões da Câmara, proposto e de fato iniciado a pagar aquela primitiva dívida contraída por Cachoeira em benefício dele, Marcílio, e pagou até que Cachoeira mandou que parasse, porque “não tinha negócios com ele”, Miguel (f. 223).

 

Diante destes supostos fatos, o Ministério Público entende que Marcílio se corrompeu por três vezes, ao apoiar Cachoeira na primeira tentativa deste em ascender à presidência da edilidade araxaense, depois a mando dele apoiando Miguel e, por fim, trocando de “padrinho”, por beneficiar Miguel diretamente ao longo destas e de outras importantes votações da Câmara dos Vereadores, inclusive votando em Miguel para a reeleição e cooptando sua substituta, a vereadora Onilda, durante sua ausência temporária na Casa de Leis.

 

Mais uma vez se vê como é impossível fragmentar os supostos crimes para depois cotejá-los em concurso material, como pretendeu o MP em seu pedido condenatório. Os alegados conchavos e conspirações se sucediam em uma tamanha rotina, se sequenciavam de forma tão vertiginosa, que o continuum criminoso, se é que existente, impõe o reconhecimento da continuidade delitiva e não da reiteração criminosa.  De qualquer modo, a denúncia aponta para o fato de que Marcílio seria um áulico do poder, primeiro beneficiando-se da proximidade com Cachoeira e, em seguida, aproximando-se de Miguel Júnior, sempre movido por supostos interesses financeiros espúrios.

 

Por duas vezes ouvido na polícia sobre este específico fato, o vereador Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, avisa que cedeu seu nome para o empréstimo que beneficiaria Marcílio e depois desobrigou Miguel Júnior de honrar a este pagamento, em ambas oportunidades sem qualquer troca de favores ou visando eventual contraprestação. Confira-se:

 

“Miguel Júnior pagou ao declarante duas parcelas do empréstimo de responsabilidade de Marcílio, a título da compensação de divida do Miguel Júnior com o Marcílio em decorrência da campanha política de Miguel; foram duas parcelas, uma de R$1000,00 e outra de R$ 900,00, em espécie e em mãos, para ´abater´ na dívida do Miguel com o Marcílio; o dinheiro recebido do Miguel Júnior não foi a título de compra de apoio político, mesmo porque não havia necessidade.”  (f. 199).

 

“O vereador Marcílio estava comprando um pedacinho de terra e precisava de dinheiro e como forma de ajudar Marcílio, como este ajudou o declarante no passado, decidiu realizar o empréstimo; a documentação referente ao empréstimo será juntada oportunamente pela defesa; duas destas parcelas foram pagas ao declarante pelo vereador Miguel Júnior a pedido do vereador Marcílio; segundo Marcílio este pagamento que Miguel estava efetuando era com forma de acerto de uma dívida que Miguel tinha com o mesmo desde a campanha de deputado de Miguel Júnior; recebeu o valor de R$ 1.000,00 das mãos de Miguel Júnior e um outro no valor de R$ 900,00; estes pagamentos ocorreram neste ano, não se recordando os meses ao certo; um pagamento foi feito no corredor da Câmara Municipal e o outro pelo que se recorda no gabinete de Miguel; na oportunidade do segundo pagamento, como o valor estava incompleto, mandou Miguel ´subir num coqueiro´, que se revoltou e falou para Miguel que não mais receberia os  valores de sua mão, pois não tinha negócio com ele; então falou com Marcílio e disse ao mesmo que iria receber o acordado das mãos dele, no dia do pagamento.” (f. 223).

 

Miguel Júnior, porém, é enfático. Pagava a dívida de Marcílio com Cachoeira para que aquele o favorecesse no dia a dia da Câmara dos Vereadores, desistindo de concorrer com ele, Miguel, ou de fazer-lhe oposição, votando emendas parlamentares que então beneficiariam o presidente daquela casa, o mesmo Miguel Júnior e intercedendo para que a vereadora Onilda Elias Soares votasse em seu novo padrinho financeiro para a sua recondução `a presidência daquela edilidade.

 

É bem verdade que esta vereadora e testemunha assevera: “Não foi procurada por Marcílio ou qualquer outro vereador para votar em Miguel. Votou conforme sua convicção. Mesmo sabedora qu é normal no jogo político a discussão e a troca de impressões sobre votos a serem proferidos, deseja esclarecer que não conhecia Mauro e conhecia Miguel. Fora sua professora. Considerava-o pessoa exemplar e apta ao exercício da presidência da câmara e sua escolha neste sentido foi fácil e não dependeu da interferência de quem quer que seja.”  (Onilda, f. 962).

 

Todavia, no crime de corrupção passiva previsto no art. 317 do CP e do qual Marcílio é acusado, a realização do ato “comprado” pelo corruptor somente majora a pena e não é elementar do tipo. Em outras palavras, ainda que Marcílio tenha recebido propina para fazer algo que de fato não fez, o simples fato de havê-la recebido, em razão de ser agente político, o tornaria hipoteticamente autor do delito em tela. Ainda que não tenha de fato intercedido para garantir o voto de Onilda em proveito de Miguel Júnior, se recebeu vantagem financeira para a tarefa, se corrompeu.

 

Marcílio, por sua vez, relata que Miguel Júnior lhe devia e que Cachoeira é seu amigo íntimo. Deste último obteve o favorecimento pessoal de um empréstimo contraído e que teria que honrar paulatinamente, junto ao segundo era credor de dívida de campanha dos idos de 2006. Miguel lhe devia e muitos anos depois resolveu pagar, sem qualquer vinculação com a compra de favores políticos, e tão somente porque lhe devia. Assim, Miguel teria começado honrar a dívida nova, entre Cachoeira e Marcílio, forrando a este último da obrigação.

 

Eis o que afirma Marcílio na defesa de sua tese:

(…)É vereador em seu primeiro mandato. É adversário político de Miguel. No entanto, trabalhou para Miguel na eleição de 2006, quando o mesmo se candidatou a deputado estadual e foi derrotado. Em 2006 ainda não era seu adversário. Ele era vice-prefeito e não vereador. Não havia rivalidade partidária entre ambos até então. Como trabalhou para Miguel naquela política, Miguel lhe devia dinheiro. A dívida se referia a um grupo de trabalho que o declarante arregimentou para aquelas eleições que era encarregada de serviço de caiação e pintura de muro em benefício da candidatura de Miguel. Se recorda das pessoas de Flavinho, seu irmão Mauro e Diogo, pessoas que contratou. Não foram pagos. A dívida onerou ao declarante. Por dez anos ficou sem receber, sempre cobrando inutilmente Miguel. Se recorda de duas oportunidades em que o cobrou, uma quando era vice-prefeito da primeira gestão de Jeová e acumulava as funções de secretário. Foi vê-lo na secretaria e quase foram às vias de fato, porque ele se recusou a pagar. Depois, na porta do estádio Fausto Alvim, também passou pelo constrangimento de novamente cobrar Miguel inutilmente. Depois que ambos se tornaram vereadores em concomitância na última legislatura, diversas vezes o cobrou. Por fim estava muito apertado de dinheiro. Seu amigo de muitos anos, o professor Cachoeira, também vereador e réu neste processo, o ajudou emprestando-lhe o nome para que pegasse dinheiro emprestado. Pagaria a prestação feita em nome de Cachoeira. Desde 2014 pagava Cachoeira a dívida em parcelas que vinha descontada no contracheque deste último. Em maio e junho de 2015 finalmente não suportou mais o aperto financeiro e procurou Miguel. Relembrou-lhe a dívida. Pediu a Miguel que pagasse direto as prestações a Cachoeira. Combinaram os dez mil, dívida atualizada, seriam quitados através das prestações que eram de mil reais cada e que Miguel repassaria mensalmente a Cachoeira. Por aquela época Miguel pagou duas prestações a Cachoeira. Não pagou mais porque foi o próprio Cachoeira quem pediu ao declarante que tirasse Miguel da conversa dos dois, do negócio dos dois, porque Miguel era enrolado para pagar dívidas e mesmo nas duas míseras prestações que se obrigou a pagar, soube por Cachoeira que a segunda prestação Miguel nem chegou a pagar os mil reais, pagando só novecentos e poucos reais. Daí então voltou a pagar do próprio bolso e continua pagando até hoje a dívida contraída por Cachoeira em seu benefício. Não era afinado com a política de Miguel na casa legislativa deste município. Miguel compunha e fomentava o denominado grupo dos 9, composto por vereadores eleitos que apoiavam o prefeito Aracely de Paula, que havia perdido as eleições para Jeová Moreira da Costa, mas depois assumiu a prefeitura em virtude da cassação deste último. Quando Jeová foi cassado, Cachoeira, que fazia oposição inicial a Miguel, bandeou para o lado do grupo dos 9. Até então era dissidente. Compunha a dissidência com o declarante, Garrado, José Domingos e Roberto do Sindicato. A partir de então passou a ser o articulador político de Miguel com os demais vereadores. Não está falando de estratagemas escusas, mas de articulação política. Cachoeira chegou a lhe pedir que apoiasse Miguel, mas mesmo sendo amigo de Cachoeira, o declarante não acatou-lhe o pedido. Não só não se vendeu para Miguel Jr, não só não apoiou Miguel Jr em troca de compensação financeira, como desconhecia tais fatos, inclusive no que se refere aos demais réus. Se soubesse teria denunciado. Enquanto Miguel espoliava a Santa Casa em uma de suas interinidades como prefeito, o declarante buscava dinheiro para a Santa Casa através de convênios e mecenato. Se recorda que havia um primo de Juninho da farmácia, seu colega vereador, que trabalhava na câmara através de uma empreiteira terceirizada. Era Francisco. Se recorda que Francisco foi mandado embora durante a gestão de Miguel. Depois disso, não sabe dizer se Miguel continuou pagando Francisco ou Juninho. Desconhece o fato de Miguel auxiliar no pagamento de faculdade de parente do vereador José Domingos. Jamais soube de constrangimento de José Domingos a apoiar Miguel em troca de sua blindagem política. Também era adversário político do Sgt Amilton e perdeu para ele a eleição de vice presidência na primeira eleição para a mesa diretora, em 2012. Não sabe como Amilton e Miguel eram na intimidade. Vistos de fora eram correligionários. Não sabe de dívida entre o Amilton e Miguel. (…) Durante toda sua legislatura, por um mês ficou afastado para tratar de saúde. Sua correligionária e suplente Onilda o substituiu por este período. Em momento algum solicitou de Onilda que votasse neste ou naquele candidato para presidência da câmara. Na época, Mauro e Miguel disputavam. Mauro chegou a lhe pedir voto. Como estava se afastando por motivo de saúde, respondeu que o voto não seria dele, mas de Onilda. Não a orientou a votar em quem quer que seja. Ficou gravado nos anais da câmara o pedido de voto de Mauro ao declarante e a resposta do declarante. Era vereador ao tempo das três eleições discutidas nestes autos, internas da câmara: a primeira para a presidência da câmara, a modificação da lei orgânica da câmara para autorizar a reeleição e a reeleição propriamente dita de Miguel. Votou contra Miguel na sua primeira eleição para a presidência. Na modificação da lei orgânica, votou a favor, mas o fez ideologicamente. Considera a presidência da câmara um cargo executivo. Se prefeito pode ficar quatro anos, considera que presidente da câmara também pode, e por isso votou a favor da modificação da lei mencionada. Também votou assim porque Miguel havia dito no dia do seu aniversário que não iria se candidatar a reeleição, no entanto voltou atrás e se candidatou. Para a sua reeleição o declarante não votou porque estava afastado por motivo de saúde. Eustáquio fazia parte da mesa diretora e apoiava Miguel. No entanto, não sabe de qualquer conluio ou conchavo entre eles. Não se recorda se tratou do assunto referente às prestações que contraiu em nome de Cachoeira e as quais Miguel honrou algumas parcelas. Quando foi preso, foi preso apenas com Cachoeira. Não encontrou-se com os demais envolvidos detidos. Não ouviu Cachoeira dizendo na DEPOL que era o “camisa 10” de Miguel, mas ouviu dizer que falou. Acredita que isso se refere ao fato de que era o principal articulador político de Miguel, sem qualquer conotação de ilicitude. Na televisão também ouviu trechos das conversas interceptadas entre Cachoeira e Miguel. Lembra de Cachoeira dizendo nos áudios que determinada coisa era uma “bobaginha”, mas não saberia dizer a que se refere. Melhor dizendo, acredita que era Miguel que dizia isso. Está em sua primeira legislatura. (…) Os cerca de dois mil reais que recebeu de Miguel foram pagos por ele diretamente a Cachoeira. É fato que não se dava bem com Miguel. Como disse, quase brigou com ele por conta de dívida. No entanto, de fato conversou com ele ao telefone sobre o apoio de Onilda. Miguel lhe pediu que conversasse com ela. Respondeu cortesmente que iria ver, mas nada fez. Acredita que o bom trato entre colegas vereadores supera as desavenças políticas e pessoais porventura existentes, e por isso atendeu Miguel com cortesia, muito embora não lhe acatasse o pedido. Como já disse, abordou Onilda para conversar generalidades e acabaram tocando na segunda eleição para presidência da câmara. Onilda chegou a lhe perguntar em quem votaria, mas o declarante respondeu que o voto era dela. Onilda e o declarante são do mesmo partido, PT. Carlos Alberto, vulgo Cachoeira, era o líder do governo na câmara por ocasião da gestão de Jeová. Acredita que seria possível que Cachoeira se candidatasse a presidência da câmara caso Jeová não tivesse sido cassado. Existia essa possibilidade. Acredita que Miguel hoje o odeie. O odeia por dois motivos: em primeiro lugar ele em um de seus últimos projetos de lei queria sancionar o funcionamento de uma associação de mercado municipal que nem existe em Araxá. Pediu a Mauro que segurasse e não levasse a voto, e disse publicamente a Miguel que nem mercado havia nessa cidade. Depois se sentiu pressionado pela advogada Dra. Valquíria e a xingou no plenário. Não sabia que Valquíria e Miguel tinham um relacionamento amoroso e depois soube, e acredita que isso também apimentou os ânimos de Miguel contra o declarante, mas isto foram coisas que descobriu depois da eclosão das denúncias que redundaram neste processo. Ouviu áudio em que Miguel fala para Cachoeira arrebentar com o declarante. Indagado da estranheza causada pelo fato do interlocutor de Miguel ser Cachoeira, amigo do declarante há mais de trinta anos e que teria acatado a trama de Miguel para arrebentá-lo, tem a dizer que não tem como explicar isso, “fazer o que?”, conforme se expressa. Não acredita que áudio que ouviu contemple a adesão de Cachoeira ao plano político de Miguel para prejudicá-lo. No áudio Cachoeira ouve quieto a pretensão de Miguel de prejudicá-lo. (…) Quem apresentou o projeto da reeleição foi o vereador Alexandre dos Irmãos Paula, e houve unanimidade quando da assinatura da proposta, salvo engano. Inclusive Alexandre lhe pediu o voto, adesão, assinatura, no plenário. Na época se Miguel não tivesse voltado atrás e tentado a reeleição, acredita que tudo caminhava para Juninho da farmácia se tornar presidente da câmara. Miguel deu a palavra e não cumpriu. Não sabe se ele prometeu para Juninho não se candidatar. Ele tornou público que não o faria. Quando foi preso seu estado emocional sucumbiu às fortes emoções e ao constrangimento que causou à sua mãe então cardiopata. Pouco tempo depois ela, de tão acabrunhada, faleceu. Sua filha foi para a escola no dia seguinte à sua prisão e colegas de escola a apontavam e ridicularizavam por estar com o pai preso. Não teme a justiça, teme a falta dela. Acredita que não precisaria ser preso e que desde o inquérito sua inocência estava clara para os delegados. Depôs na polícia bastante abalado. Foi acareado com Miguel enquanto esteve preso. Miguel voltou atrás. O delegado regional foi para a imprensa dizendo que Miguel poderia ser preso novamente e então Miguel procurou a polícia e voltou a acusá-lo novamente. No segundo depoimento de Miguel o declarante já estava solto. O delegado não quis ouvi-lo novamente, nem acareá-lo de novo com Miguel. Achou que a nova versão de Miguel a acusá-lo era a definitiva e suficiente e não convocou novamente o declarante. Cachoeira ficava doido dentro do cárcere, a base de remédios. (…) O empréstimo que fez no nome do Cachoeira finda no fim de 2017. Em momento algum foi influenciado pelo pedido de apoio político de Miguel. Cachoeira foi seu primeiro professor de educação física. O declarante é de origem humilde e não tinha dinheiro para uniforme. Seu primeiro uniforme foi doado por Cachoeira. Jamais prometeram ou concederam vantagem econômica através de Cachoeira ou qualquer outro vereador ao longo de sua história como representante do poder administrativo municipal. (…) Tinha um relacionamento parlamentar muito frutífero com Juninho da farmácia. Ele era presidente de uma das comissões e procurava o declarante para trocar ideias técnicas sobre este ou aquele tópico parlamentar. Pelo que sabe Aracely convidou Juninho para ser seu secretário. Isso fez com que Juninho abdicasse da vereança. Jamais ouviu dizer, como já referiu, de qualquer contato espúrio dentro da câmara, muito menos entre Miguel e Juninho. É escriturário concursado pela prefeitura e trabalha até as dezessete horas quando na ativa. Conciliava sua atividade com o apoio que dava a Miguel após o horário laboral e mesmo antes fazia contatos e terceirizava este apoio. Como já disse, cobrava Miguel ao longo de dez anos. Dizia no bar do Betão que o Miguel era caloteiro. Nunca pensou em propor ação adequada para cobrá-lo, porque no íntimo esperava receber dele. Foi candidato a vice na primeira eleição de Miguel e perdeu para Amilton. Amilton era chato dentro da câmara. Compunha o militarismo nos corredores. Nada desabonava sua conduta, mas achava ele um chato.(…)” (Marcílio de Faria, f. 1083/1087, destaquei).

 

Ouvido especificamente sobre os fatos relacionados com Marcílio, Cachoeira em juízo reitera em termos o que falou na polícia:

 

(…)Na primeira eleição para a presidência da câmara em que Miguel concorreu, Marcílio e o declarante se opunham ao grupo dos 9. Perderam a eleição. Marcílio é seu amigo de longa data. É como se fosse seu irmão. Em janeiro de 2014 Marcílio precisou de dinheiro e estava com problema no SPC. Lhe emprestou seu nome, tirou empréstimo pessoal para Marcílio pagar. Foram trinta mil reais emprestado. Marcílio teria que pagar quarenta e três parcelas de mil reais aproximadamente. Não teria porque comprar Marcílio para reeleger Miguel quando Marcílio era oposição a Miguel e já o havia sido na eleição anterior. Certa vez foi procurado por Miguel que lhe quis pagar a dívida de Marcílio. Por aquela época Marcílio lhe devia e não pagava alegando agruras financeiras e o declarante estava bem financeiramente e ia perdoando. Viu aquele gesto de Miguel e disse que a dívida não era dele e que resolveria com Marcílio. Dispensou Miguel da obrigação. Chegou a mandá-lo catar coquinhos, brincando. Disse ainda que quem o devia era Marcílio e não ele Miguel. Na época Marcílio chegou a dizer que Miguel assim procedia porque havia uma dívida entre ambos antiga, de campanha política antiga, que Miguel lhe devia. Tanto assim o é que Marcílio continua pagar até hoje. Não teria motivo para comprar Marcílio para apoiar Miguel, quando Marcílio da primeira vez não apoiou. Não teria motivos para emprestar seu nome a Marcílio para pagamento parcelado de empréstimo que vence no final de 2017, bem depois do término do mandato de ambos como vereador. Se tivesse tanto prestígio assim para angariar o voto dissidente de Marcílio, seria o declarante candidato a presidência da câmara, não necessitando apoiar Miguel ou quem quer que seja. Já emprestou dinheiro para outras pessoas. Sempre ajuda as pessoas. (…)Não votou em Miguel na primeira eleição e nem Marcílio. Se opunham a eles. (…) Marcílio se afastou para fazer uma cirurgia por ocasião da presidência de Miguel. Quem assumiu o lugar dele foi Onilda. Não tem bom relacionamento com Onilda e não sabe dizer se Marcílio pediu que ela votasse em Miguel. (…) Marcílio seria idiota se se vender por dois mil reais para ficar submisso a Miguel por um período de três anos. A alteração da lei orgânica foi aprovada por onze ou doze votos para autorizar a recondução do presidente da câmara. Não se recorda como Marcílio votou. Miguel buscava ser prefeito e estava cacifado para se manter presidente da câmara. Não era necessário muito afinco para apoiá-lo. Se recorda que Miguel foi candidato em 2006 a deputado estadual. Sabe que ele perdeu a eleição. Sabe que ele adquiriu dívidas com a eleição. Não sabe se uma dessas dívidas era com Marcílio. Marcílio afirmava ter acertos a receber daquela eleição, mas era vago. Só soube que um de seus devedores era Miguel quando este tentou pagar prestações do empréstimo que o declarante angariou em nome próprio para ajudar na situação financeira de Marcílio. Se recorda da testemunha Juarez. Ele sempre está envolvido em campanhas políticas. Hoje ele faz campanha para Aracely de Paula. Faz contato com o pessoal da parte de marketing. Hoje não usa mais pintar muro. Quando era possível, era com esse pessoal que mexia. Não lembra dele trabalhando para Miguel em 2006. (…) Segundo Marcílio, a dívida existia. Miguel não lhe falou dessa dívida. Desconhece inimizade entre Miguel e Marcílio (…). Acredita que não eram inimigos porque todos votaram em Miguel.(…)” (Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, f. 1028/1031).

 

Há diversos problemas em se crer nas palavras de Marcílio, ainda que engenhosas e alicerçadas em simulacro de prova. Em primeiro lugar, a versão de Marcílio se choca frontalmente com as falas de Cachoeira, muito embora ambos (e somente eles) se digam amigos de longa data e as declarações de Cachoeira denotem a clara intenção de beneficiar Marcílio. Em segundo lugar, ao defender o colega, Cachoeira contradiz a si mesmo. Por fim, o conteúdo de trechos degravados das interceptações telefônicas revelam uma verdade bem distinta daquela que Marcílio tenta demonstrar.

 

Mas caminhemos passo a passo.

 

Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, afirma na polícia que o amigo íntimo Marcílio havia se endividado porque comprou uma ” um pedacinho de terra “ (f. 223). Em juízo, a origem da dívida de Marcílio, segundo Cachoeira, era outro: “estava com problema no SPC”. (f. 1028). Em juízo, aliás, Cachoeira, conquanto bastante loquaz e dono de uma retórica poderosa, cala sobre o tal “pedacinho de terra”.

 

Marcílio afirma em juízo que Miguel chegou a pagar duas prestações e depois parou, obstado por Cachoeira. Miguel Júnior também relata semelhante versão. Mas esqueceram de combinar com Cachoeira, que desmente em juízo: “certa vez foi procurado por Miguel que lhe quis pagar a dívida de Marcílio. Por aquela época Marcílio lhe devia e não pagava alegando agruras financeiras e o declarante estava bem financeiramente e ia perdoando. Viu aquele gesto de Miguel e disse que a dívida não era dele e que resolveria com Marcílio. Dispensou Miguel da obrigação. Chegou a mandá-lo catar coquinhos, brincando (…) (f. 1030). Ou seja, segundo Cachoeira, em sua derradeira narrativa dos fatos, Miguel não chegou a pagar um centavo do resgate da dívida de Marcílio.

 

Marcílio e Cachoeira se dizem amigos intensos e de longa data. Ainda assim, Cachoeira é peremptório: nunca ouvira dizer que Marcílio trabalhara para Miguel em anterior campanha política e, aliás, estes eram adversários ferrenhos. Tampouco ouvira dizer de dívida existente entre ambos, até Miguel tentar honrar o tal débito antigo. Disse, ainda, jamais ter ouvido falar de desavença entre Marcílio e Miguel (f. 1031), supondo até mesmo a amizade entre ambos.

 

É importante reparar, quanto a este pormenor, que na polícia Cachoeira chega a descrever como recebeu as duas parcelas da dívida antiga, através de Miguel Júnior, bem como seus valores: recebeu o valor de R$ 1.000,00 das mãos de Miguel Júnior e um outro no valor de R$ 900,00; estes pagamentos ocorreram neste ano, não se recordando os meses ao certo; um pagamento foi feito no corredor da Câmara Municipal e o outro pelo que se recorda no gabinete de Miguel.” (f. 223). Em juízo, estes detalhes minuciosos de uma memória prodigiosa desaparecem por completo.

 

Marcílio afirma que brigou com Miguel Júnior, quase foram às vias de fato, e muito mal dele falava no conhecido “Bar do Betão”, popular e saudável ponto de encontro da boemia local. Eis o que diz Marcílio: “Cobrava Miguel ao longo de dez anos. Dizia no bar do Betão que o Miguel era caloteiro.(f. 1087). Ninguém, contudo, ninguém sabia desta dívida até a eclosão dos fatos destes autos, o que gera alguma estranheza. Segundo Marcílio, ele e Miguel quase se estapearam publicamente, quase foram às vias de fato, Marcílio confessadamente o alcunhava de mau pagador em locais públicos desta cidade ainda provinciana, e ainda assim ninguém sabia da desavença ou da dívida entre ambos.

 

Marcílio também afirmou que Miguel lhe nutria ódio mortal por sua oposição política e porque certa feita destratara a advogada da Câmara em plenário. Novamente, só ele, Marcílio, dá conta disto. Nem seu par e amigo Cachoeira ouvira dizer da intensa desinteligência entre ambos e que só Marcílio enxerga, ou finge enxergar. Ainda assim, Marcílio admite, e os áudios interceptados o demonstram, que mantinha contato cortês com Miguel Júnior ao longo do relacionamento fisiológico de ambos na Câmara Municipal. Algo, sem dúvida, estranho entre dois opositores ferrenhos e do ódio mortal que Miguel supostamente lhe nutre.

 

É fato que Marcílio não bandeava escancaradamente para a bancada política de Miguel Júnior, e a denúncia assim não o relata. Marcílio era discreto. Ele próprio afirma: ” Era vereador ao tempo das três eleições discutidas nestes autos, internas da câmara: a primeira para a presidência da câmara, a modificação da lei orgânica da câmara para autorizar a reeleição e a reeleição propriamente dita de Miguel.” (f. 1086).

 

Adiante em suas declarações, Marcílio revela como votou naquelas três ocasiões, opondo-se a Miguel no primeiro prélio político em favor de Cachoeira e porque estes dois disputavam, então, a presidência da Casa de Leis. Na segunda oportunidade, por ocasião da emenda parlamentar que autorizava a reeleição do presidente, votou a favor de Miguel, segundo Marcílio por motivos ideológicos. E, na terceira polêmica votação, se encontrava afastado e sua suplente, Onilda, elegeu Miguel no seu lugar.

 

Seria muito escandaloso que Marcílio, opositor político de Miguel Júnior e do seu Grupo dos Nove, ou G9, votasse pessoalmente pela reeleição do adversário.

 

Marcílio, neste ponto, não contradiz a denúncia. Ao contrário, confirma-a. De início estava alinhado com Cachoeira, que lhe emprestara dinheiro. Depois, Cachoeira passou a ser o capitão do time de Miguel Júnior e Marcílio, na penumbra, também migrou para o mesmo lado, e Miguel procurou então resgatar a dívida dele com Cachoeira.

 

É curioso que Marcílio se diga amigo íntimo de Cachoeira e inimigo ferino e mordaz de Miguel Júnior. Ninguém dá conta de uma ou outra destas afeições dele e os áudios degravados demonstram o oposto, que Marcílio se acercava de Miguel e era por ele orientado e que Miguel e Cachoeira  dele debochavam e escarneciam. Além disso, de todas as pessoas ouvidas nestes autos, ninguém sabe de qualquer intimidade entre Marcílio e Cachoeira que não aquela gerada pelo dia a dia da Câmara.  Por exemplo, às f. 114 dos autos do IP 419539, apenso, se retrata uma conversa amistosa entre Miguel e Marcílio. Amistosa e plena de confidências, em que Miguel, tal como um preceptor de seu apadrinhado, discorre sobre a reunião do também vereador Zé Domingos com outros colegas edis em um bar. Mas há mais:

 

Cachoeira: Tá igual eu falei, o Marcílio tá bom. Num tem problema não Marcílio. É, é porque somos oito.  (falando para Miguel Júnior).(F. 08, IP 4163897).

 

 

Cachoeira: Ele já me ligou umas vinte vezes, o Marcílio.

Miguel Júnior: Ahm, e aí?

Cachoeira: Aí eu num atendo ué!

Miguel Júnior: Pra ele largar de ser bobo.

Cachoeira: Eh, pra ele é, pra ele é… OU, até quando Miguel que a gente vai conviver com gente enjoada hein, sô?

Miguel Júnior: A gente não dá conta disso não, hein chefe. Ou, se fosse um amigo seu, alguma pessoa que gostasse de você, cê ainda aguentava, mas mala que quer sua cabeça e ainda fica aguentando. (…)(F. 20-21, IP 4163897).

 

Miguel Júnior: O Marcílio, a informação, a informação cê tem que ter, cê pode checar todas comigo, a que for verdade eu falo com cê na hora, eu tenho compromisso mesmo Marcílio, eu num dou conta de fugir não. Eu não tenho que mentir pra você cara, nem de jeito nenhum, inda mais com umas bobeirinhas dessas. (…)

Marícílio: Entendi.

Míguel Júnior: Quando o Cachoeira fez aquilo ontem lá, o Hamilton aceitou ser secretário de esporte.

Marcílio Vereador: É mas só que eu já tinha falado pra ele tamém, eu já tinha falado pra ele, pro, pro Juninho, que eu tinha compromisso com você, já sabia que eu tinha.    (f. 46, IP 4163897)

 

Cachoeira: E aí o Marcílio veio falar pra mim, cê vai ver como é que se faz política, tô afastando, vou colocar a Enilda a Onilda. Ele acha que no futuro a Onilda vota nele, vai trabalhar pra ele. É inocente demais, é!

Miguel Júnior: (risos) Acho incrível. É retardado esse rapaz.

Cachoeira: É… Mas aí ele falou assim pra mim, ah, ocê vai arrepender, lembra do que eu tô te falando.(f. 98, IP 4163897).

 

Cachoeira: É! Tava tomando cerveja. Ficou tonto, de lá ele ligou pra Lídia é… trocando ideia com o Valdeci, sabe? Então, ele é o informante deles.

Miguel Júnior: Ele é um informante, é o tipo de pessoa… é o Judas, né cara, traidor. Esse é o pior, pior, pessoa que existe né, se você conhece seu adversário é bom cara. Cê sabe como é que lida com ele. Agora, um adversário mentiroso fica do seu lado sentado e depois vai lá e futrica de cá, futrica de lá… isso é… Pelo amor de Deus! Chama-se prostituição, né?(f. 112, IP 4163897).

 

Pelos áudios se observa que Marcílio é o tempo todo orientado por Miguel Júnior ou mal falado e criticado por este e por Cachoeira, o pretenso super amigo de Marcílio.  Pelo clima que estas conversas denotam, se vê que não existe qualquer vínculo pessoal forte de amizade entre Marcílio e Cachoeira que justificasse um empréstimo financeiro de monta, R$ 30.000,00 (trinta mil reais), firmado por este em nome próprio e em proveito daquele. Tampouco havia amizade sincera entre Miguel e Marcílio que justificasse àquele resgatar a dívida deste. E tampouco os áudios informam a alegada beligerância entre Miguel e Marcílio e que só este afirma.

 

A bem da verdade, ninguém mais dá conta de dívida entre os envolvidos ou inimizade ou amizade intensa entre os três, que justificasse a troca de favores financeiros entre Cachoeira, Marcílio e Miguel Júnior. Também destoa da narrativa de Marcílio a robusta prova colhida e que demonstra que o mesmo, conquanto publicamente se opusesse a Miguel, de fato e no cotidiano parlamentar o beneficiava:

 

Marcílio na verdade lhe pediu que pagasse um empréstimo inteiro. Só houve interrupção no pagamento por interferência de Cachoeira. (…)Cachoeira quando impediu o declarante de continuar pagando a dívida de Marcílio, disse que eram vinte ou trinta mil reais ao todo, que não era justo o declarante pagar Marcílio e que ele, Cachoeira, não tinha garantia alguma de que o declarante continuasse a pagar por Marcílio.” (Miguel Júnior, f. 1021\1027).

 

O convívio de Cachoeira e Marcílio é meramente profissional. Não sabe de amizade íntima entre eles “absolutamente”, conforme se expressa.” (Eustáquio, f. 1096).

 

Jamais chegou ao conhecimento do declarante que Miguel devesse dinheiro a Marcilio. Jamais chegou ao conhecimento do declarante que Marcilio tenha dito no bar do betão que Miguel é caloteiro. (…) O relacionamento de Cachoeira com Marcílio era normal, como com os demais vereadores. Jamais ouviu dizer que Cachoeira e Marcílio fossem amigos íntimos.(Amilton Marcos Moreira, f. 1090\1091).

 

“O relacionamento entre Marcílio e Cachoeira sempre aparentou ser meramente profissional e sem maiores intimidades, pelo que reparou.” (José Domingos Vaz, f. 1099).

 

“Jamais ouviu dizer de dívida entre Miguel e Marcílio.” (José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, f. 1102).

 

Marcílio é falado como integrante do G9. Não percebeu Marcílio fosse adversário político de Miguel. (…)Percebia que Marcílio apoiava em geral a pessoa de Miguel no exercício da vereança.(…)” (Onilda Elias Soares, f. 963).

 

“Pelo que sabe Carlos Alberto não era opositor político de Miguel. Nenhum dos demais acusados era opositor político de Miguel. Todos o apoiavam. Por qual motivo o apoiavam, não sabia.” (Mauro da Silveira Chaves, f. 967).

 

“Marcílio era um vereador independente. Não pertencia ao G9, mas vez ou outra votava com o grupo conforme suas convicções pessoais. (…) Nunca soube de qualquer dívida financeira de Marcílio com Cachoeira. Nunca ouviu dizer de Miguel pagando dívida de Marcílio para quem quer que seja. (…)Jamais ouviu falar de Marcílio receber dinheiro de Miguel em troca de apoio político. Não se recorda de qualquer votação polêmica em que Marcílio tenha se oposto de maneira veemente ao grupo político de Miguel. Na reunião que descreveu no Horizonte Perdido, Marcílio não estava. Já presenciou embates de Marcílio e Cachoeira em plenário. (Fabiano Santos Cunha, f. 970\971).

 

Não há, portanto, vinculação pessoal entre estes três envolvidos, réus e à época vereadores, Cachoeira, Miguel Júnior e Marcílio, que justificasse o toma lá dá cá havido entre eles. Só a testemunha Juarez Luzia França, f. 959, e que teria trabalhado na política para Miguel a pedido de Marcílio nos distantes idos de 2008, dá conta da mencionada dívida. Esta testemunha, aliás, é de ter suas declarações analisadas com bastante cuidado, porque ao mesmo tempo que se recorda com integral eficiência da existência da dívida e de sua origem, não sabe dizer detalhes prosaicos sobre a vida de seu contratante Marcílio, como sua profissão, origem, ou outras pessoas que tenha contratado. É lacônico e meticuloso conforme sua conveniência: ” Não sabe dizer a profissão de origem de Marcilio. Não sabe se ele é servidor público. Não se recorda dos nomes dos integrantes da equipe de Marcilio.” (f. 959).

 

Ora, Marcílio sempre foi popular, membro do PT, conhecidíssimo em todas as rodas de Araxá, bastante querido na prefeitura local onde exerce já há vários anos a profissão de escriturário, condição que já detinha à época da suposta dívida. É inverossímil que Juarez, lembrando-se da dívida, não se recorde destes outros detalhes, até porque teria sido contratado por Marcílio a quem conhecia ou devia conhecer.

 

A situação narrada por Marcílio é, de fato, implausível. Pretende que se acredite que por cerca de dez anos Miguel lhe deveu e não pagou. Afirma que cobrou com estardalhaço e disso ninguém sabe. Não cobrou seus direitos, não tem como demonstrar a dívida, da qual nunca ninguém ouviu falar. Conviveu com Miguel na Câmara dos Vereadores e, a princípio, nada lhe falou sobre o valor devido, que só lembrou de cobrar quando Miguel dele precisou politicamente, para votar a emenda parlamentar que autorizava a reeleição e para abster-se em lugar da suplente Onilda, antiga professora de Miguel e a ele naturalmente simpática, por ocasião desta efetiva reeleição.

 

Vou além. Ainda que a dívida existisse, sua cobrança oportunista por Marcílio, ou o fato deste aceitar o pagamento amiudado oferecido por Miguel, deixa clara a existência do conluio político e da troca de favores a permear o acerto.

 

Voltando ao caso da suplente Onilda, muito embora Marcílio afirme que não a procurou e não intercedeu em seu benefício, o que a então vereadora confirmou em juízo (f. 962), já foi dito ser desnecessário, para configuração do delito do art. 317 do CP, que Marcílio em efetivo cumprisse a promessa de interferência política. Mesmo assim, há prova decorrente das interceptações telefônicas e que atesta que o contato ocorreu e foi barganhado e combinado entre os três pilares desta específica trama criminosa, Marcílio, Cachoeira e Miguel Júnior:

 

Marcílio: Não, vou afastar sem remuneração, ué.

Miguel Júnior: É sem remuneração?

Marcílio: Sem remuneração. A Onilda vai assumir, a Onilda vai assumir.

Miguel Júnior: Ah, não, tá, tá beleza.

Marcílio Vereador: Entendeu? Trinta dias.

Miguel Júnior: Mas, é como é que vai ficar? Ela, ela tá sabendo que vai dar uma força pra gente? Que vai votar na gente?

Marcílio: Não! Já chamei ela lá meio dia, já chamei ela lá meio dia, essa noite. Aí eu já chamei ela lá meio dia, já vou conversar com ela, deixar pronto.

   (f. 47, IP 4163897)

 

Marcílio: Aquela filhadaputa daquela Lidia dando entrevista lá dando entrevista, cê tava escutando a entrevista, né? A Regina falou num negócio de oncologia da Santa Casa. Ela falou, é nóis num sabia, nóis foi informado ontem pela câmara, entendeu? Filha da Puta!

(…)

Miguel: Mas, brother, você num vai afastar um mês, dia vinte?

(f. 49, 4163897)

 

Cachoeira: E aí o Marcílio veio falar pra mim, cê vai ver como é que se faz política, tô afastando, vou colocar a Enilda a Onilda. Ele acha que no futuro a Onilda vota nele, vai trabalhar pra ele. É inocente demais, é!

Miguel Júnior: (risos) Acho incrível. É retardado esse rapaz.

Cachoeira: É… Mas aí ele falou assim pra mim, ah, ocê vai arrepender, lembra do que eu tô te falando.(f. 98, IP 4163897).

 

Marcílio: É difícil. Ocê conversou com a Onilda?

Miguel Júnior: Conversei com ela um pouquinho, rapidim, mas ela tá muito satisfeita, muito feliz de você ter dado essa oportunidade pra ela. Falou que pode contar que já falou com ela.

Marcílio: Ah, então tá beleza.

Miguel: Ela me falou que conversou com…

Marcílio: Não, já tá tudo certinho, só pra não ficar chato, entendeu?

Miguel: Não. Ela falou: não, o Marcílio já conversou comigo Miguel, e eu gosto muito de você também, tudo. Tá tudo ótimo. Obrigado pela solenidade. Obrigado pelo prefeito ter vindo, num é por mim não, uai. Eles gostam de você, num é por mim não, uai. (…).

Marcílio: Hâ râ… Então beleza, só pra mim saber se você tinha batido um papo com ela. Então tá beleza. (f. 161, IP 4163897).

 

 

Cachoeira: O Marcílio caiu a ficha que ele errou por ter tirado licença.

Miguel: Mas por que tirar licença? Me explica.

Cachoeira: Ele achou que…

Miguel: Eu não entendi.

Cachoeira: Ele achou que ia te assustar levando a Onilda, aquele negócio todo. E ele jamais imaginava que a gente ia marcar a reunião pro dia dois, né?

MIguel: Gente, mas quê isso?

Cachoeira: Ele não vai participar.

Miguel: Ele num tá com nenhum problema pessoal não? Ele fez isso só por política?

Cachoeira: Tá não, tá não, inclusive eu tenho que ir atrás dele pra pegar mil real do empréstimo que eu tenho que pagar esses juízes hoje, sabe Miguel?

Miguel: O juiz que fez o campeonato aí pro ocê?

Cachoeira:É. Mas aí eu vou fazer…

Miguel: Ele num tem grana não? Ele fez um empréstimo no seu nome, né?

Cachoeira: Fez.

Miguel: Mas ocê num aprende não, né, tem que bater nocê.

Cachoeira: Mas num é isso não, Miguel, é o seguinte: isso lá na frente do jeito que tava caminhando, eu já tava preparando o terreno pra ser presidente, viu? Igual você fez. Igual você fez, uai.(IP 419539, f. 52)

 

Miguel: Deixa eu falar uma coisa, qual é o telefone dela que eu também tenho que ligar pra ela, cara? Eu não encontrei com ela. Eu gosto demais dela, numa boa, eu mais ela já foi vereador junto. A Onilda é uma pessoa fantástica, né cara?

Marcílio: Com ocê tá sossegado. Eu mais ela conversou, entendeu? Num tem erro não.(f. 103, IP 419539).

 

 

A sucessão de conversas degravadas é perfeita em demonstrar que Marcílio de fato procurou Onilda, a suplente que então o substituía, para alinhá-la aos interesses de Miguel Júnior. Ainda que assim não fosse, ele promete a Miguel fazê-lo. Se era seu adversário e desafeto, o único motivo para semelhante apoio – quando Marcílio estava afastado por motivos de saúde – prende-se ao fato agora já bastante óbvio de que Miguel o beneficiava com favores financeiros em virtude deste apoio.

 

Convenha-se, não haveria outro motivo para Marcílio ajudar Miguel de maneira tão intensa e incessante. Ele, licenciado por motivo de saúde, permanecia tramando nos bastidores a reeleição de Miguel Júnior. Publicamente, era adversário político deste último. Em juízo, afirma que eram inimigos pessoais. Então, por qual recôndito motivo iria Marcílio apoiar este seu desafeto e opositor de maneira tão incisiva? Não há outra explicação possível, infelizmente, que não o apoio financeiro prometido e em parte cumprido, e aqui vou além, para dizer que ainda que existente a pretensa e antiga dívida entre Miguel e Marcílio, ainda assim seu resgate movido ao conchavo firmado caracteriza a obtenção de vantagem ilícita que caracteriza o crime de corrupção passiva.

 

Miguel Júnior fala de Marcílio diversas vezes na polícia, e em uma delas se desdiz, se contradiz, e nega a culpa do comparsa (f. 219). Em cima disto, Marcílio e sua competente defesa técnica afirmam que Miguel apenas acusou a este réu quando estava preso e para ver-se liberto. Tão logo solto, teria procurado inocentar o comparsa e, novamente premido pela autoridade policial que ameaçou requerer-lhe nova segregação, de novo comparece ao inquérito para acusar Marcílio (f. 207).

 

Realmente, Miguel foi e voltou nas acusações a Marcílio em sede policial. Já se viu que a delação de Miguel não é exculpante, e portanto é séria, e que esta delação sozinha não pode alicerçar condenação de qualquer natureza (art. 4o, parágrafo 16, da Lei 12.850\13). Ainda assim, Miguel Júnior se justifica já em juízo sobre a aparente contradição de suas declarações policiais:

 

“É fato que se retratou temporariamente com relação às acusações que fez a Marcílio. Estava em um dia extremamente complicado, sua ex mulher com problemas emocionais graves faltara ao casamento civil de seu filho que então se realizava. (…)Estava na DEPOL e viu aquela situação degradante de Marcílio. Por um simples momento e por questões sentimentais se retratou e disse não ter certeza quanto a culpa de Marcílio, se era ou não certo que Marcílio se beneficiara com compra de apoio político. O certo é que se beneficiara conforme esclareceu depois para a mesma autoridade policial. Viu Marcílio deplorável e algemado, aquilo o tocou. (…) Com ele solto, voltou a dizer a verdade” (Miguel Júnior, f. 1026).

 

O delegado regional que supervisionou o inquérito, dá idêntica notícia (f. 976), que arremata: “Para a polícia civil não há dívida alguma de Marcílio com Miguel para a campanha de deputado. É perfeitamente possivel condicionar não prorrogar uma prisão ou não a pedir a colaboração do suspeito.”  Ou seja, o fato de Miguel ter sido convencido a delatar premido pela hipótese de voltar a ser preso não torna sua delação menos eficiente como meio de prova, notadamente quando, em juízo e por três vezes, novamente delata Marcílio.

 

Como bem salientado pelo próprio Miguel Júnior, opositor político de Marcílio, seria incoerente pagar-lhe as contas sem uma contraprestação dele, no caso apoio político (f. 1361). O argumento é invencível.

 

A isto se some o também contundente argumento ministerial (f. 1347): “se  (Miguel Júnior) tivesse confessado o recebimento para si de dinheiro desviado da Santa Casa, sem descrever todo o esquema de compra de votos, responderia a uma acusação bem mais restrita. Destarte, ele em nada se beneficiou ao delatar os demais criminosos  e o esquema criminoso existente. O que ocorreu foi o oposto, sendo que sequer delação premiada houve contra ele”.

 

Portanto, a tergiversação de Miguel Júnior não fulmina a seriedade da delação. Ela não é exculpante. Como bem lembrou o Ministério Público (f. 1347), Miguel sairia de seus problemas judiciais bem menos afligido caso calasse a existência de comparsas em seu esquema criminoso. Ao delatar, piorou sua situação penal. Não há argumento para justificar a ajuda de Miguel a Marcílio, ou a ajuda de Cachoeira a Marcílio, que não a troca de interesses buscando apoio político. Não está demonstrada a pré-existência de dívida legítima entre estes envolvidos, e ainda que esta existisse, seu resgate oportunista não descaracteriza a corrupção ativa ou passiva aqui enfrentada e detectada. Mesmo que Marcílio tenha blefado ao afirmar cooptar sua suplente Onilda Elias, o blefe serviu-lhe ao sustento do favor financeiro.

 

Por todos estes motivos, exaustivos e exaurientes, Marcílio merece responder integralmente às iras do art. 317, caput, do CP, por duas vezes e em continuidade delitiva, porque por duas vezes foi corrompido, por Cachoeira e por Miguel Júnior. Quanto a este último, as parcelas que recebeu de Miguel, em número de duas, não podem de idêntico modo ser consideradas crimes autônomos, mas sim iter voltados a um único desígnio criminoso, e assim por um delito merece Marcílio justa absolvição, na forma do art. 386, I, do CPP.

 

Como corolário desta conclusão, é imperioso doravante esmiuçar a prova em detrimento do acusado subseqüente, Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, porque dele já se disse (e a prova o demonstrou), que de fato cooptou Marcílio em um primeiro momento para apoiá-lo, e assim o fez beneficiando-o ao contrair o multimencionado empréstimo cujo montante integral repassou ao seu áulico. Foram trinta mil reais em dinheiro vivo, cujas parcelas passaram a onerar paulatinamente o holerite de Cachoeira, conforme informação prestada pelo próprio na polícia e em juízo (f. 223 e 1028).

 

Também já se viu inexistir intimidade suficiente entre Marcílio e Cachoeira que propiciasse semelhante dádiva, e muito antes pelo contrário, toda a prova produzida aponta para o fato de que estes dois acusados, colegas é fato de longa data, na verdade tinham convívio superficial fora da política e dos meandros da edilidade local. Nada justificaria que Cachoeira, já as voltas com dívidas angariadas na gestão do prefeito cassado Dr. Jeová Moreira da Costa, que lhe era mentor político, criasse uma nova fonte de problemas amealhando novo empréstimo tão somente para prover ao colega Marcílio. Para que se tenha idéia das agruras financeiras então vividas por Cachoeira, confira-se que na denúncia se narra que este acusado procurava com Miguel Júnior uma maneira legal de pagar despesas com arbitragem de futebol, almejava financiar a própria caminhonete e articulava com Miguel um “plano B” para quitar a dívida negaceada pelo anterior alcaide deposto.

 

É o que se colhe da denúncia, f. 06v, e se depreende da prova colhida, sendo o próprio Cachoeira o primeiro a confirmar que possuía, sim, dívidas financeiras decorrentes e sua atuação política e que buscava saldar com celeridade:

 

(…)Não teria motivos para emprestar seu nome a Marcílio para pagamento parcelado de empréstimo que vence no final de 2017, bem depois do término do mandato de ambos como vereador. Se tivesse tanto prestígio assim para angariar o voto dissidente de Marcílio, seria o declarante candidato a presidência da câmara, não necessitando apoiar Miguel ou quem quer que seja. Já emprestou dinheiro para outras pessoas. Sempre ajuda as pessoas. Esse é um hábito corrente e aceito em nossa cidade, inclusive entre autoridades. (…) Foi líder de Jeová na câmara durante todo o período de gestão do prefeito depois afastado. Enquanto foi vereador com Jeová no poder, era líder. (…) Fez um evento de futebol e enquanto organizava já contava com aprovação de lei municipal para a redução de gastos, essa lei municipal não houve. Entrou em contato com Miguel Jr por telefone e contou de seu problema. Miguel sugeriu trazer o time de veteranos do Cruzeiro para um evento particular que fomentasse o pagamento do evento local cujo gasto já estava comprometido. Não houve nem plano A e nem plano B, não houve prazo, mas ainda se houvesse, não envolveria dinheiro público. Não teria tempo de esperar Miguel fazer os contatos e lhe dar socorro porque seus cheques já voavam pela praça e precisava saudá-los. Por isso não aceitou. (…) Não foi necessário financiar sua caminhonete para cobrir o prejuízo do evento. O que disse nos áudios é que qualquer coisa financiaria a sua caminhonete para pagar a dívida. Não disse que de fato fez. Não precisou fazê-lo. Com recursos próprios arcou com sua dívida. (…) Só soube que um de seus devedores era Miguel quando este tentou pagar prestações do empréstimo que o declarante angariou em nome próprio para ajudar na situação financeira de Marcílio.(…)” (Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, f. 1028\1.031, destaquei).

 

Há também as transcrições das interceptações telefônicas a complicar a versão de Cachoeira de que tranqüilamente emprestava dinheiro para Marcílio e mesmo para outras pessoas, quem precisasse, conforme Cachoeira se expressou em juízo. Através destas conversas degravadas, se percebe que este acusado precisava de dinheiro para quitar as despesas com o evento que realizou, a “Copinha”, e açodava-o a necessidade desta quitação, tanto que em juízo afirma que seus cheques “voavam” e não teria tempo de aguardar o auxílio de Miguel Júnior (f. 1.030). As conversas telefônicas auscultadas são também bastante claras sobre a premente necessidade financeira de Cachoeira, bastando a atenta análise dos áudios degravados de f. 109-110, IP 419539, para que se verifique que este acusado, de fato, preocupava-se com o próprio bolso, afligia-se com dívidas a pagar, e não poderia demonstrar tamanha magnanimidade com um colega vereador simplesmente por uma amizade íntima não confirmada e, de fato, inexistente.

 

Ninguém, em sã consciência, empresta em nome próprio trinta mil reais em dinheiro, quando necessita honrar dívidas próprias e prementes, e não possui lastro financeiro para fazer benemerências de alta monta a seus superficiais conhecidos e com superficiais recursos. A dádiva obsequiosa de Cachoeira, de fato, somente poderia encontrar fundamento no aliciamento político do também vereador Marcílio, o que não é somente uma ilação. A prova produzida não permite outra versão para este fato, outra interpretação para a convicção do magistrado, e portanto afirma e aponta para um juízo de certeza contundente e imprescindível para sedimentar a condenação visada pelo Ministério Público.

 

Esta certeza técnica apta a condenar em matéria penal deve possuir, segundo ensinamentos de Mittermayer, algumas condicionantes. Em primeiro lugar, carece de motivos consagrados pela razão e pela experiência comum, porque só assim os fatos certos podem servir de base à convicção judicial. Em segundo lugar, devem estes fatos certos ser aferidos mediante um significativo esforço imparcial, aprofundando e afastando os meios que tenderiam a admitir solução contrária. Em terceiro, esta certeza somente pode vir à luz quando desaparecidos todos os motivos para a impossibilidade ou inadimissibilidade da acusação. Em quarto, imprescindível indagar das incertezas do espírito conforme se busque identificar os motivos para a prática do ilícito, somente se admitindo a autoria deste quando dissipada a mais mínima dúvida quanto ao mote contrário. Por fim, é também necessária atenção às hipóteses imaginárias ou plausíveis, ao juízo de probabilidade e possibilidade, e somente quando todos esses argumentos da mente convirjam para a admissão do libelo é que se pode dizer da justiça da condenação.[6]

 

Ainda para este célebre autor, a prova trata de “patentear a evidência dos fatos, que pertencem ao passado, que, por conseguinte, já não podem em sua primitiva pureza ser sujeitos ao exame material do jui, e de que, enfim, a realidade só pode ser estabelecida por via de indução, tomando-se por ponto de partida os efeitos, os sinais característicos, os vestígios de toda espécie.” [7]

 

O Direito Penal Brasileiro é tradicional e mundialmente conhecido por buscar incessantemente a absolvição do suposto autor do ilícito. É dos mais lenientes do mundo, porque embasado em legislação que empiricamente exige o perene respeito à amplitude da defesa e comanda ao magistrado o supervisionamento ininterrupto do respeito às garantias individuais dos cidadãos envolvidos no processo penal, à despeito da gravidade da ofensa à tessitura social que esteja em pauta julgar. O primeiro defensor do réu, no processo penal brasileiro, é o juiz. É um dogma invencível que decorre da visão técnica que aqui se tem do Direito Penal como o instrumento do cidadão para se livrar do poder punitivo estatal, e do processo penal como o caminho para esta alforria.  Esta visão, hoje, só existe no Brasil, de tal sorte que todo juiz pátrio, todo magistrado brasileiro, quando julga uma ação penal, o faz com olhos postos – em primeiro lugar – nos interesses da defesa, do acusado. Em sentido contrário, só decide em proveito da sociedade e para condenar quando não somente isenta de quaisquer dúvidas a culpa formada e provada, como também inevitável o reconhecimento da prática do ilícito e de sua autoria.

 

Espancadas todas as probabilidades em sentido diverso, por mais implausíveis que fossem, afastados todos os argumentos da defesa, verificada a consistência do argumento acusatório, só assim no Brasil é possível condenar com juízo de certeza. E, aqui nestes autos, a verdade provada e inquestionável é que o acusado Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, de fato concedeu favor financeiro ao também réu Marcílio de Faria por motivos que somente poderiam se prender à atividade parlamentar deste último, uma vez que todas as outras possibilidades, todos os outros subterfúgios e hipóteses, foram afugentados pela prova exaustivamente colhida e analisada.

 

Não há a menor dúvida, portanto, que Cachoeira concedeu, e Marcílio recebeu, favor financeiro em contrapartida ao apoio político que este último prestava ao primeiro, seu preceptor. É outro célebre autor, Malatesta, quem ensina que a “não conquistada certeza do delito obriga à absolvição.” [8] Aqui, contudo, não resta dúvida alguma da tramóia entre estes dois acusados, mercadejando apoio político nos corredores e meandros da Casa de Leis deste município sede da comarca, visava recíproco benefício ímprobo. Conquanto muitas das pessoas ouvidas nestes autos se refiram a Marcílio como um vereador independente, não é esta independência que ele demonstra nas degravações dos áudios interceptados. Muito antes pelo contrário, há em suas tratativas e sua atuação a subserviência àqueles que o patrocinaram, primeiro Cachoeira e depois Miguel Júnior.

 

Veja-se, apenas a título de exemplo:

 

Marcílio: Eu vou afastar a partir de amanhã, é a partir de amanhã eu vou resolver uns problemas pessoais e eu vou afastar um mês, certo?

Miguel Júnior: Uai, beleza, mas tem que, mas ó segue o ritmo normal aí, pede a Girlaine algumas ações que tem que fazer porque aí ocê num toma bomba aí, tá?

Marcílio: Não, é isso que eu vou fazer, é isso que eu vou fazer.

Miguel Júnior: É cê tem que passar por uma perícia, tem que fazer uns negócio aí, se não depois num, o Ministério Público entra em cima de mim, do cê, aí.

Marcílio: Não, vou afastar sem remuneração, ué.

Miguel Júnior: É sem remuneração?

Marcílio: Sem remuneração. A Onilda vai assumir, a Onilda vai assumir.

Miguel Júnior: Ah, não, tá, tá beleza.

Marcílio Vereador: Entendeu? Trinta dias.

Miguel Júnior: Mas, é como é que vai ficar? Ela, ela tá sabendo que vai dar uma força pra gente? Que vai votar na gente?

Marcílio: Não! Já chamei ela lá meio dia, já chamei ela lá meio dia, essa noite. Aí eu já chamei ela lá meio dia, já vou conversar com ela, deixar pronto.

(f. 47, IP 4163897)

 

Cachoeira: Ele já me ligou umas vinte vezes, o Marcílio.

Miguel Júnior: Ahm, e aí?

Cachoeira: Aí eu num atendo ué!

Miguel Júnior: Pra ele largar de ser bobo.

Cachoeira: Eh, pra ele é, pra ele é… OU, até quando Miguel que a gente vai conviver com gente enjoada hein, sô?

Miguel Júnior: A gente não dá conta disso não, hein chefe. Ou, se fosse um amigo seu, alguma pessoa que gostasse de você, cê ainda aguentava, mas mala que quer sua cabeça e ainda fica aguentando. (…)

(F. 20-21, IP 4163897).

 

 

Novamente valendo-me dos trechos transcritos das degravações, faço ver que a devoção de Marcílio à Cachoeira e à Miguel não poderia decorrer de amizade, inimizade ou ideologia. Ele era praticamente mandado, tanto e a tal ponto que somente se explica esta sua sujeição diante da versão apresentada na denúncia, em tudo e por tudo invencível até aqui, de que se acumpliciara aos demais vereadores por trinta dinheiros. E, se um de seus pagadores era Cachoeira, deve este réu, aqui, ser condenado pela prática do delito de corrupção ativa e na forma do art. 333 do CP.

 

Mas as acusações contra Cachoeira vão além. Ele também teria secundado Miguel Júnior ao aliciar o também vereador e réu José Domingos Vaz, o Zé Domingos, prometendo-lhe blindagem política rente diante dos aparentes escândalos envolvendo a gestão deste último à frente da Secretaria de Desenvolvimento Humano do governo municipal então recém extinto, isto sempre em troca de apoio político. E, ainda segundo termos da inicial acusatória, Cachoeira teria também recebido de Miguel Júnior promessa de vantagem indevida para apoiá-lo e que consistiria em auxiliar no pagamento dos prejuízos decorrentes do evento denominado “Copinha” e que, diante da ruína da anterior administração pública municipal, competiriam a Cachoeira arcar.

 

São, portanto, três as acusações a pesarem sobre Cachoeira. Corrompeu Marcílio, como já se viu que o fez. Teria, além disso, auxiliado Miguel Júnior a corromper Zé Domingos e teria sido, também, corrompido por Miguel, que prometeu saldar seus prejuízos da anterior gestão municipal. Além do delito do art. 333, caput, do CP, em continência com Marcílio de Faria, Cachoeira também responde pela mesma corrupção ativa em concurso com Miguel Júnior e tendo como sinalagma o vereador e réu Zé Domingos, e também é acusado de ter se corrompido (art. 317, CP) diante da promessa de vantagem patrimonial indevida propiciada por Miguel Júnior.

 

É fato que Cachoeira corrompeu Marcílio, como ad nauseam demonstrado, e até aqui é importante realçar que a denúncia permanece invencível e incólume. Todavia, doravante se torna necessário que lhes sejam impostas algumas rédeas, porque entendo que no tocante à tal promessa de apoio financeiro de Miguel Júnior à Cachoeira, não há prova suficiente para alicerçar uma condenação justa.

 

O próprio delator, o colaborador premiado Miguel Júnior é reticente em acusar Cachoeira. Quando o faz, permanece nas entrelinhas do discurso ambíguo. Miguel Júnior foi ouvido quatro vezes na polícia, f. 17\20, 24\26, 115\117, 135\136. Depois, foi ouvido por três vezes em juízo (f. 1021\1027, 2682\2683 e f. 19 dos autos do incidente de colaboração premiada apenso. Em todas estas oportunidades reiterou que Cachoeira não conhecia a parte financeira dos ajustes que firmava com os demais acusados e que, ele próprio, Miguel Júnior, não beneficiava a este seu aliado de ocasião por qualquer meio ilícito. Segundo Miguel, Cachoeira era seu articulador político, mas cuja atuação, aos olhos dele Miguel, não extravasavam os limites da legalidade.

 

Como já foi dito linhas acima, a delação de Miguel Júnior impressiona pela seletividade e precisão. Deixa de fora de suas acusações adversários e opositores e insere amigos e correligionários nos fatos criminosos que alardeia, tudo com absoluta precisão e de forma bastante crível. E este delator afirma que não prometeu qualquer vantagem patrimonial em benefício de Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira.

 

Se, contudo, a colaboração premiada e seu teor não são suficientes  para isoladamente condenar, tampouco de seu teor se pode extrair uma verdade absolutória inquestionável e aos ventos da vontade e opinião do delator. Sempre que da verdade emergente decorra conclusão distinta dos dizeres do colaborador\delator, não somente deve-se preterir a versão apresentada, como também invalidar os benefícios decorrentes desta homologação.

 

Mas não é isso o que ocorre aqui. Analisada minuciosamente a prova, vejo inexistente o mais mínimo vestígio de tipicidade que possa ser usado para imputar a Cachoeira também o delito de corrupção passiva preconizado no art. 317 do CP.

 

Conforme as degravações telefônicas amiúde expostas, o trato entre Miguel e Cachoeira era diário, cotidiano, e se referia a fatos lícitos e ilícitos, a soluções políticas e conchavos clandestinos, a ajustes entre vereadores e composições de chapas e lançamentos de candidaturas. Se Cachoeira e Miguel são claros em afirmar por diversas vezes a existência de contatos e ajustes com Marcílio, o que ambos fazem, e se também dizem que em efetivo se encontraram e cooptaram Zé Domingos, e isto também dizem, negam que um tenha auxiliado o outro no pagamento de despesas com evento patrocinado de início por Cachoeira.

 

E a prova produzida não consegue afugentar a negativa de ambos.

 

Dois delegados de polícia foram ouvidos ao longo da instrução, justamente aqueles responsáveis pela presidência e supervisão do inquérito policial que deflagrou a esta ação penal, os doutores César Felipe Colombari e Conrado Costa e Silva (f. 973 a 978 e f.1012 a 1016). Ambos acompanharam as oitivas e interceptações de sigilo telefônico e em nenhum momento conseguiram afirmar, em suas locuções, a existência de efetiva promessa de ajuda financeira de Miguel a Cachoeira visando pagar os prejuízos da multimencionada “Copinha”.

 

 

(…)Nas inúmeras conversas telefônicas interceptadas, sua maioria era Miguel e Carlos Cachoeira. Este último era o grande articulador de Miguel no controle da câmara visando sua perpetuação no poder daquela edilidade. Eles também mencionam como compravam apoio político e corrompiam outros vereadores. (…) Marcílio também devia Cachoeira e as escutas telefônicas revelaram que Miguel lhe pagara esta dívida. Miguel fala textualmente que pagou um empréstimo em duas parcelas de mil reais cada, que Marcílio fez junto a uma instituição financeira, usando o nome de Cachoeira. Depois Cachoeira fala com Miguel ao telefone. Miguel disse que já resolveu com Marcílio e foi tudo “bobaginha”. (…) Depois que acertam com Marcilio, Miguel e Cachoeira comentam ao telefone que haviam resolvido com ele. (…) Não houve oferta de delação premiada pelas informações prestadas por Miguel Junior. (…) O termo “bobaginha, bobaginha” captado em áudio se refere à segunda eleição. A polícia civil não indiciou Marcilio por vender seu apoio político na segunda eleição, mas na primeira. Não conseguiu provar ato de corrupção mais recente e ligado ao termo “bobaginha”. Reconhece o concurso de agentes, Miguel e Carlos Alberto Cachoeira, unidos para corromper os demais denunciados, não havendo que se falar em organização criminosa e nem associação por falta de número mínimo de agentes. (…) Confirma o que disse na imprensa de que Miguel e Cachoeira se armavam no sentido político para derrubar o sargento Amilton. Acredita que todos aqueles confessaram ou delataram o fizeram presos(…). Não se lembra de Miguel em momento algum negando a compra de apoio político. Adair chegou a dizer na depol que Pezão também se vendera. (…)A verossimilhança com que Miguel delatou prende-se ao fato de que ele foi cirúrgico nas suas acusações, delimitando, não acusando quem não tinha culpa. Acredita que Miguel possa ter poupado Pezão, tanto que o indiciou, mas quanto aos demais Miguel apontou quem precisava apontar e poupou quem de fato não tinha nada a dever, tanto que estes vereadores inocentes eram também decupados nas interceptações e as conversas que mantinham com Miguel eram absolutamente irrelevantes para com os fatos criminosos investigados. (…) Carlos Alberto Cachoeira negou por duas vezes qualquer envolvimento nas tramóias de Miguel. Por fim confrontado com provas em uma terceira oitiva, finalmente confessa ser “o capitão do time”, conforme se expressa, explicando que articulava com os demais vereadores o apoio a Miguel. (…) Ele também afirma que resolvia as coisas com Marcilio, mas em momento algum se refere a valores, benefício financeiro, propina, nada. Ele não relata intermediação no suborno em tese realizado por Juninho, Eustáquio e Amilton. (…)” (César Felipe Colombari, f. 973 a 978, destaquei).

 

 

(…)As delações de Miguel eram sólidas, verossímeis, sedimentando o convencimento da polícia. O que a polícia apurou foi que Marcílio recebeu vantagem para apoiar a primeira eleição de Miguel para a presidência da Câmara. As escutas envolvendo Marcílio, em que se extrai o termo “bobaginha” em conversa com o vereador Cachoeira, a polícia não entendeu com o significado de benefício financeiro ou pessoal. (…) Nas últimas falas de Cachoeira ele admite ser articulador político de Miguel. Não ouviu Cachoeira pedindo ou recebendo dinheiro de quem quer que seja. No seu relatório concluiu pela inexistência de organização criminosa. Hoje não mais acredita nesta possibilidade, convencido pelo entendimento ministerial expresso na denúncia. (..) Miguel delatou e Cachoeira confirmou que cedeu seu nome para que Marcílio se beneficiasse de um empréstimo. Os três admitem em declarações nos autos que Miguel pagou prestações deste financiamento em nome de Cachoeira para beneficiar Marcílio. No entanto Marcílio e Cachoeira não admitem o motivo para Miguel auxiliar no pagamento destas prestações, que seria a compra do apoio político de Marcílio para a eleição de Miguel à presidência da Câmara, a primeira. Isto só Miguel afirma. Não se lembra de existência de plano B ou de aportes financeiros a entidades como estratégias utilizadas pelos acusados. (…) A expressão “capitão do time” foi Cachoeira que disse em suas declarações na polícia. Foi exatamente o que ele falou. (…) Quando Cachoeira disse que era o capitão do time, disse no contexto das tratativas de Miguel com José Domingos. Foi dito quando se revelava a blindagem oferecida a José Domingos e também o pagamento da faculdade de sua filha. Quando Cachoeira assim o disse, não entendeu que seria no sentido de um simples articulador político, entendeu no contexto de que Cachoeira intermediava as vantagens financeiras e pessoais transacionadas entre os réus a mando e sob coordenação de Miguel Jr. Como já disse, quando Cachoeira se refere ao termo capitão do time, se refere a intermediação de vantagens ilícitas aos vereadores. Muito embora nas conversas degravadas entre Cachoeira e Miguel não houvesse menção objetiva a valores, não tem dúvida alguma de que Cachoeira era o intermediário de Miguel nas trativas ilícitas com os demais pares vereadores. O conteúdo malicioso das conversas não deixa qualquer dúvida para o depoente. Todos os envolvidos foram ouvidos com cortesia e acredita que em todas as oitivas estavam presentes promotores de justiça. Os advogados de defesa também se encontravam. (…) Ouviu apenas alguns áudios entre Cachoeira e Miguel. (…) Mas não falam sobre vantagem financeira. Comentário malicioso envolvendo a suposta existência de propina poderia ser o termo “bobaginha”. Miguel confirmou que pagou Marcílio em troca de seu apoio político. (…)  Se recorda de um áudio entre Cachoeira e Miguel em que Cachoeira avisa Miguel que já conversou com José Domingos que este iria passar no gabinete dele Miguel para acertar. (…)” (Conrado Costa e Silva, f. 1012 a 1016).

 

Dos dois delegados responsáveis pelo caso e como já dito, somente Conrado se recorda, e vagamente,  de conversas entre Miguel e Cachoeira envolvendo ajustes financeiros. Mesmo assim, salienta este valoroso delegado, ” não se lembra de existência de plano B ou de aportes financeiros a entidades como estratégias utilizadas pelos acusados.” (f. 1013\1014).

 

O termo “bobaginha, bobaginha”  é também muito falado nestes autos e é referido pelos delegados em questão. Proveniente de um dos inúmeros diálogos interceptados entre Cachoeira e Miguel Júnior, referia-se aos valores que este último ajustava com Marcílio e a visão reducionista sobre seu montante, claramente presente no colóquio, demonstra que ambos, Miguel e Cachoeira, estavam acostumados a transacionar interesses muito mais valiosos do que os singelos dois mil reais que Miguel então adimplia para Marcílio.

 

Outro fato interessante, proveniente da degravação, é que Miguel e Cachoeira a certo tempo de suas inúmeras conversas referem-se especificamente ao também vereador Fabiano Santos Cunha, o fazendo para – ironicamente, lamentavelmente para este país – afirmar que lhe contavam com o voto concedido “de graça”, “zero oitocentos”:

 

Cachoeira: Miguel, é importante pra mim no futuro, isso tudo você pode falar com Eustáquio mais o Fabiano, ohhh, é zero oitocentos que ele tá votando na gente, deu a palavra dele.

Miguel Jr: Não , com certeza é voto de amizade mesmo. É voto inteligente também, né Cachueira? Tem que aproximar do nosso governo, né cara.

(f. 88, IP 419539).

 

Ou seja, o voto consciente, ideológico, sem interesses escusos ou financeiros, era a exceção berrante ao tempo dos fatos da denúncia. Tanto que Cachoeira e Miguel divertem-se e ironizam, e mesmo elogiam, o colega edil Fabiano, por votar de graça e por amizade, apenas. O fato também salienta a falta de cerimônia e a habitualidade com a qual os dois acusados negociavam os favores políticos na Câmara dos Vereadores, e por certo fulmina qualquer esperança de que as estratagemas que levavam a termo possuíssem a indispensável transparência necessária ao funcionamento dos entes e instituições da República.

 

Com base neste amplo espectro de negociatas é que se torna possível afirmar que estes acusados, caso tivessem que tratar novamente do pagamento de vantagem pecuniária para o acerto do prejuízo financeiro de Cachoeira, o teriam feito. E esta verdade teria vindo à tona, seria perceptível dos áudios degravados, teria sido discernível pelos delegados que apuraram o caso.

 

É fato que Cachoeira e Miguel chegam a conversar ao telefone sobre um plano B para resgatar a dívida daquele, mas inexiste indício de qualquer natureza que informe que o hipotético projeto tenha saído do campo das tratativas e cogitações impuníveis. Além disso, Cachoeira não precisava deste motivo para auxiliar o colega e comparsa, então presidente da Câmara , Miguel Júnior. O acusado Cachoeira, já então, considerava-se grande articulador político do cúmplice, tecia e enredava teias de conexões lícitas e ilícitas, fazia contatos e conquistava adesões para o deleite do então chefe da vereança local. Esta sua condição de iminência parda, de artífice oculto, de cérebro a engendrar as hábeis escaramuças da política, Cachoeira deixa bem claro em suas declarações em juízo:

 

(…)Era oposição a Miguel enquanto o prefeito Jeová estava no poder. Com a saída de Jeová e a assunção de Aracely, buscou orientação no partido e lhe disseram para apoiar o atual presidente da câmara Miguel Jr. (…) Quando disse que era capitão do time, quis dizer que era um articulador, que era o construtor de contatos e conexões dentro do que a lei permite e a política exige. (…) Na primeira eleição para a presidência da câmara em que Miguel concorreu, Marcílio e o declarante se opunham ao grupo dos 9. Perderam a eleição. (…)Não votou em Miguel na primeira eleição e nem Marcílio. Se opunham a eles. Foi líder de Jeová na câmara durante todo o período de gestão do prefeito depois afastado. Enquanto foi vereador com Jeová no poder, era líder. Sua liderança era natural, mas não impôs esta liderança porque considera que não estar atrelado a presidência lhe dá agilidade maior para contatos políticos. Nunca teve a pretensão da presidência da câmara. Era melhor ter alguém para esse trabalho.” (Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, f. 1.028\1.030, destaquei).

 

Cachoeira se comprazia em varejar a presidência, em ser o mentor por detrás de Miguel Júnior, ambos experientes e consolidados líderes políticos destas bandas. Seus interesses em comum eram múltiplos, multifacetados, diários. Cachoeira não apoiaria Miguel simplesmente porque este último lhe ajudaria a pagar uma despesa. Isso era irrelevante para eles, era “bobaginha, bobaginha”. Planejavam comandar uma cidade de cento e vinte mil habitantes e avistavam ao longe, onde a vista alcançava e o auxílio recíproco na troca de interesses permitia. É remansosa a conclusão: Cachoeira não ajustava as pontas soltas do jogo político para Miguel Júnior simplesmente pelo pagamento de uma dívida, o fazia por muito mais, seja isto bom ou ruim, questionável ou não. Tampouco Miguel barganhava este apoio através da específica oferta do acerto financeiro mencionado na Denúncia.

 

Estes acusados não são virgens vestais, longe disso, mas o pagamento da dívida com a “Copinha”, que ensejaria o “plano B”, não chegou sequer a ir para o papel, não chegou a ser realizada, e nem serviu de argumento a Miguel para aliciar Cachoeira, ou deste para aquiescer aos planos criminosos do comparsa. São duas raposas velhas, dois enxadristas políticos conforme relatam suas conversações, estão no topo da cadeia alimentar da velha escola do toma lá dá cá e, muito embora para Hobbes o homem seja o lobo do homem, também é certo que lobo não come lobo.

 

         Portanto, no que se refere a este específico delito, aquele do art. 317 do CP, oponível a Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, a denúncia não merece prosperar e Cachoeira deve ser absolvido na forma do art. 386, I, do CPP. Em consequência, neste pormenor, desde logo adianto parte da decisão de mérito dedicada ao acusado Miguel Júnior e a ser adiante esmiuçada para, com relação a este tópico (auxílio financeiro a Cachoeira, corrompendo-o para pagamento de despesas com eventos políticos) absolvê-lo com base no mesmo art. 386, I, do CPP.

 

Há um terceiro evento criminoso imputado à Cachoeira. Ele teria concorrido com o hipotético comparsa Miguel na prática do crime de corrupção ativa em face do também réu José Domingos Vaz, o Zé Domingos, prometendo-lhe blindagem parlamentar em troca de seu apoio político. Passo à análise deste fato, parecendo-me necessário alinhavar que, assim o fazendo, adentro de fato também o julgamento das condutas imputadas também ao réu Zé Domingos.

 

A denúncia afirma que Cachoeira, orientado por Miguel, procurou Zé Domingos para negociar o apoio político deste nos negócios parlamentares, emendas, reeleição, etc… Em troca, Zé Domingos receberia a promessa de ficar “blindado” dentro da Câmara dos Vereadores. A barganha foi aceita e o réu corrompido teria passado a apoiar por ação ou abstenção ao presidente daquela edilidade, Miguel Júnior.

 

Os receios de Zé Domingos se prendiam, então, aos desdobramentos de sua gestão à frente da Secretaria de Desenvolvimento Humano, pasta que encabeçava no governo do então prefeito Dr. Jeová Moreira da Costa. Cassado este último, as ações e determinações de Zé Domingos como membro do gabinete despojado do poder passaram a ser questionadas. Inúmeras ações, com cópias acopladas aos autos, enunciam que este acusado, dentre outros ex-membros da gestão de Jeová, enfrentavam seqüelas políticas e jurídicas tão logo apearam do governo (f. 1378\1503).

 

Naquele frêmito após a troca contenciosa do alcaide do município, forcejada por ordem da Justiça Eleitoral, havia um murmúrio, um burburinho, envolvendo inevitáveis e previsíveis conseqüências políticas e judiciais para os membros desterrados do alto escalão do governo do prefeito cassado Dr.Jeová Moreira de Costa. Zé Domingos poderia ser, a vista disso, alvo fácil da instauração de fóruns comunitários, sindicâncias, comissões processantes, etc… Afinal, já respondia judicialmente pelas ramificações de sua gestão. De volta à Câmara dos Vereadores, passou a sofrer o assédio de Miguel e Cachoeira, que queriam seu apoio.

 

Quanto a estes fatos, os supostos corruptores o afirmam categoricamente: procuraram Zé Domingos, tentaram conquistá-lo, trazê-lo para o lado forte, conforme se expressou Cachoeira em juízo. Dizem, cada um ao seu estilo e conforme a versão que lhe beneficia, que este específico fato se tratou de barganha política natural, típica, comum de ocorrer nos meandros do poder:

 

” Miguel precisava do apoio de José Domingos e lhe pediu que o intercedesse. Foi até a casa de José Domingos. Disse a ele para conversar com Miguel. Não disse de blindar ninguém. Não falou de vantagem financeira. Depois ligou para Miguel e afirmou a Miguel que José Domingos iria procurá-lo. Confirma o que disse às fls. 241. Realmente a pedido de Miguel procurou José Domingos e um dos argumentos que utilizou foi a malsinada blindagem que referiu. No entanto, na verdade deu conselho a José Domingos. Disse a ele que caso houvesse problemas, seria melhor estar do lado dos fortes. Não o fez em tom de ameaça. Não prometeu impedir investigação, comissão processante, ou coisa que o valha, não teria poderes para tanto. Usou argumentos para convencer José Domingos a procurar Miguel e conversar com ele porque os tempos eram difíceis para seu partido.” (Cachoeira, f. 1028, destaquei).

 

 

“Quanto a Carlos Cachoeira, ele era o líder do governo na Câmara quando o prefeito era Jeová. Era sua função tentar aprovar o máximo de projetos para o alcaide de então. (…) Fazia contatos. Articulava apoio, mas se soube de algum proveito econômico barganhado com vereadores, guardou para si e jamais o explicitou para o declarante. Certa vez a pedido do declarante ligou para José Domingos e o “assustou um pouquinho”, conforme se expressa. Cachoeira procurou José Domingos para dizer que ele não teria o apoio do declarante ou de Cachoeira para eventualmente acobertar problemas seus na gestão pública municipal, como secretário de governo que José Domingos havia sido pouco tempo antes. Se houvesse problemas, que José Domingos não contasse com seu apoio, esse era o teor da ameaça velada, porque Cachoeira não sabia que José Domingos e o declarante já estavam conversados financeiramente.(Miguel Júnior, f. 1023\1024, destaquei).

 

O suposto corrompido aqui, Zé Domingos, nega o acerto e confirma o encontro, desmistificando-o:

 

(…)Miguel é um grande mentiroso. Desconhece por completo qualquer esquema de compra de votos na câmara dos vereadores. Só Miguel o diz. É cunhado e era secretário do ex prefeito Jeová Moreira. Eleito vereador, imediatamente foi convidado e aceitou a secretaria de desenvolvimento humano e deixou seu cargo para sua suplente Credinéia. Quando o Dr. Jeová foi cassado, todo seu gabinete foi desfeito e o declarante retornou para sua atividade legislativa. Quando o fez o quadro político já estava desenhado, pronto. Quando retornou a reeleição já tinha sido aprovada por treze dos quinze votos possíveis. Seriam necessários só oito para sua recondução à mesa. Votou nele para esta recondução, já então de volta à câmara, porque a oposição estava fragilizada depois da cassação do Dr. Jeová e não havia outro caminho possível e politicamente viável. (…) Cachoeira o visitou e aconselhou a que votassem partidariamente com Aracely e com Miguel, mas nada prometeu de benefício financeiro. Não foi ameaçado por Miguel depois que retornou à vereança para apoiá-lo. Não lhe foi prometida a blindagem política. Ouviu dele uma bravata quando era secretário de desenvolvimento humano, mas não lhe prestou atenção e não teve qualquer preocupação com isso, porque trabalhava corretamente e nunca temeu medidas colegiadas em seu detrimento porque não tinha motivo para isso. Na época, Miguel lhe disse que estavam falando de uma cassação do declarante, havia “um zum zum zum”, conforme se expressa. Na primeira eleição de Miguel para a presidência da câmara, foi seu opositor derrotado. Sempre foi seu oponente político. Sempre foi seu concorrente e adversário.” (Zé Domingos, f. 1099).

 

O fato passa a ser incontroverso. Zé Domingos foi, mesmo, procurado por Cachoeira à mando de Miguel Júnior e visando sua adesão política ao novo presidente do Poder Legislativo de Araxá. E, sintomaticamente, após este contato em que Zé Domingos afirma ter ouvido bravatas e ameaças veladas, de fato este réu aderiu ao jogo de poder de Miguel e passou a apoiá-lo na Câmara. Segundo Zé Domingos, por conveniência política e não por receio desta ou daquela providência parlamentar. Para Miguel, Zé Domingos parou de lhe fazer oposição porque Cachoeira o assustou um pouquinho (f. 1024). Conforme a versão de Cachoeira, somente deu conselhos ao amigo de longa data Zé Domingos, lhe alertou para que ficasse ao lado dos fortes (f. 1028).

 

Estes encontros foram bastante mencionados nas conversas telefônicas interceptadas, e inclusive remontam a duas fases: em um primeiro momento, Zé Domingos recebeu em casa Cachoeira a mando de Miguel Júnior. Depois este último recebeu aos dois na presidência da Câmara. As reuniões informais, quiçá clandestinas, são bem reportadas:

 

Cachoeira: É. Escuta o que acontece. Agora, a peça chave agora, a peça chave agora, eu vou passar um susto no Zé Domingos…

Miguel: ahun?

Cachoeira: Aí eu vou fazer o Zé Domingos declinar, porque aí eu deixo o Mauro falando sozinho.

Miguel Júnior: Deixa eu te falar, deixa eu te falar. O Zé Domingos tá correndo risco, sabe? Se ele for problema, se ele for tumultuar, ninguém, eu num vou fazer mal pra ninguém porque meu medo é de Deus, sabe, se tiver que pagar depois a natureza cobra, mas ele vai arrumar falta de apoio, ele num vai ter apoio de ninguém. Ele sem, sem uma âncora, hein? Ocê num vai ajudar, entendeu, ele vai ficar sozinho, porque Garrado nun gosta, ninguém gosta dele, Roberto num gosta dele. Então, a única forma de ele poder ter um ombro de um amigo…

(f. 114, IP 4163897).

 

Miguel Júnior: É! Brother… Mas conversa com o Zé Domingos, fala com ele pra baixar a bola.

Cachoeira: O Zé, o Zé Domingos cê deixa ele comigo, comigo.

Miguel Júnior: Fala com ele pra baixar a bola, porque…

Cachoeira: Ele já deu, ele já deu sinal de zap que o Mauro é enjoado, viu?

(f. 122, IP 4163897).

 

Aracely de Paula: Eu vou chamar ele aqui, vou contar com a disposição dele, vou por até o Zé Domingos do seu lado.

Miguel Júnior: Aquele lá tá cagando de medo, aquele lá até tá querendo conversa comigo, porque ele tá com tanto medo.

Aracely: Vai ficar mais ainda. Mais ele vai ficar ainda. E aquele negócio que eu te falei ontem depois eu converso pessoalmente com você, viu?

(f. 127, IP 4163897).

 

 

Parece-me óbvio o plano posto em execução por seus dois artífices e que procuravam o apoio político de Zé Domingos. Cachoeira se oferece e vai de fato ao encontro de Zé Domingos, o que este não nega. Estaria, conforme Miguel Júnior, cagando de medo (sic – f. 127, autos apensos) das conseqüências políticas de suas ações e precisaria do apoio e do amparo dos fortes, conforme Cachoeira explicitou ao ardilosamente seduzir seu alvo com a promessa de blindagem política. O termo, aliás, não é negado por Cachoeira (f. 1028).

 

O acusado José Domingos Vaz, o Zé Domingos, respondeu em juízo que não seria pusilânime em aderir ao alerta velado, que não detinha mais peso político relevante e que pudesse fazer frente a Miguel Júnior e que a ele de fato não se opôs por orientação partidária.

 

O benefício da dúvida poderia, em uma apressada análise, valer para beneficiar Zé Domingos e Cachoeira, porque há aqui um aparente impasse. A manobra de Cachoeira teria sido corruptora e criminosa ou mero jogo de cena político? A decisão de Zé Domingos se originou da promessa de vantagem pessoal ilícita (blindagem política) ou de conveniência partidária? A dúvida aqui, se invencível, serviria para inocentar Cachoeira, Zé Domingos e Miguel Júnior deste específico delito.

 

Há alguns pormenores, detalhes, que impedem a adesão a este raciocínio fácil, todavia, e porque fácil, equivocado.

 

Não há dúvida alguma que, após o encontro entre Cachoeira e Zé Domingos, este cessou dissentir ou a criar empecilho à administração de Miguel Júnior à frente da edilidade local, e também auxiliou na sua reeleição àquela presidência. Se o apoio proviesse de orientação partidária, e não da cantilena ameaçadora de Cachoeira, não seria necessário o prévio contato, a conversa, a negociação, o alerta e a promessa.

 

Conquanto notórios opositores e adversários, depois deste contato com Cachoeira, já mencionado, Zé Domingos ficou dócil aos interesses de Miguel, tanto que passou a cortejá-lo, marcou com este no gabinete da presidência, prometeu que não havia problemas, apoiou a reeleição, não se opôs ás deliberações cotidianas da presidência.

 

Um posicionamento explicável e lógico de Zé Domingos seria deixar de lutar, não concorrer, isto seria explicável. Seu partido, o PDT, se fragilizara com a cassação do prefeito e cacique político Jeová Moreira da Costa, aliás concunhado deste réu. O que não é explicável é que tenha passado a auxiliar, a votar a favor, a aderir aos planos de Miguel Júnior, e isto após a tal conversa em que Zé Domingos teria sido intimidado por Cachoeira a mando de Miguel. Tanto que marcou encontro, foi, ligou para o assessor da presidência, e em seguida deixou de representar qualquer perigo aos interesses de seus opositores.

 

Ao contrário do que afirma Zé Domingos, sua posição na vereança não era a de um simples espectador político. Sua presença parlamentar, sua popularidade, sempre lhe geraram respeito e liderança. As transcrições são óbvias em mencionar a importância que a adesão dele representava aos interesses de Miguel e Cachoeira:

 

 

Alcameno Alves e Silva: Oi presidente!

Miguel Júnior: Fala Irmão!

Alcameno: Se você puder, dá uma chamada no vereador Zé Domingos, viu?

Miguel Júnior: Ahh, tá, nós já conversamos.

Alcameno: Ehhhh… Acabei de conversar com ele e tal, e ele falou que quer conversar com você primeiro.

Miguel Júnior: Ah, tá, fala com ele pra ir na câmara amanhã cedinho que a gente bate um papo.

Alcameno: Tá jóia.

Miguel Júnior: Fala com ele amanhã bem cedo. Eu num vou conversar com ele por telefone não, amanhã bem cedo.

Alcameno: Não, você não deve fazer isso, não.

(f. 135, IP 4163897).

 

Cachoeira: É o seguinte, aquele rapaz me deu retorno, sete e meia ele marcou?

Miguel Júnior: Marquei sete e meia da manhã com ele, amanhã na câmara pra conversar, por que por telefone pra conversar com ele é muito ruim.

Cachoeira: Não! Ocê tá certo, aí ele ligou todo satisfeito. Eeee lá…

Miguel Júnior: Vou vê se amanhã ele faz igual você, que que ocê acha?

Cachoeira: Eu acho que seria?

Miguel Júnior: um ou outro!

(…)

Miguel Júnior: Então amanhã nós vamos falá com ele, e ocê me ajuda, aí nós damo mais um balde no adversário lá.

Cachoeira: Uma paulada, vai escutando, lá na casa dele a gente conversando, ele me contando uma fita se ele tivesse me ouvido mais, as coisas não teriam chegado no ponto que chegou, certo?

Miguel Júnior: É, com certeza, né Cachoeira? Você é político demais da conta, se ele tivesse te ouvido.

(…)

Miguel Júnior: Pois é e não dá valor. Pode deixar irmão! Se você puder aparecer lá no horário lá, marquei sete e meia, marquei com ele lá, aí ele aparece lá pelas oito.

Cachoeira: Isso, combinado!

Miguel Júnior: Oito horas se tá lá, porque se me ajuda a fechar com ele.

Cachoeira: E outra coisa, cê fala com ele que vai ficar blindado porque vai mesmo. Por que deu a palavra tem que cumprir.

(f. 140-141, IP 4163897).

 

A adesão buscada era tão espúria que Miguel, alertado por seu assessor, afirma que não iria tratar de qualquer fato com Zé Domingos ao telefone (f. 135, IP 4163897). Se a negociação era as claras, se não envolvia vantagem indevida, se não era criminosa, porque a surdina, a clandestinidade, o anonimato?        Valho-me aqui, e novamente, do eterno Malatesta: “Só a injustiça tem necessidade do escudo temível do segredo: a justiça, ao contrário, tranqüila e segura, não tem razão para temer o olhar de ninguém, derruba por terra todos os escudos e os véus e mostra-se no seu olímpico esplendor.” [9]

 

         E há mais. Cachoeira e Miguel, na verdade, comprometiam-se com Zé Domingos a não realizar ato de ofício, a não agir como parlamentares íntegros e imparciais, fazendo olhos e ouvidos de mercador aos supostos escândalos que até então afligiam ao vereador pródigo e que à casa retornava e que lhe rondavam a atuação política.  Isto fica bem claro em determinado trecho das degravações, quando Miguel pede a Cachoeira que esteja no gabinete, para auxiliá-lo a fechar com Zé Domingos (f. 141, IP 4163897). Também fica claro quando Miguel afirma a Cachoeira que não iria realizar gestão para o caso do risco político sofrido por Zé Domingos  (f. 114, IP 4163897), demonstrando aqui e por outra via, que o contrário seria verdadeiro: com a adesão do colega e comparsa, atuaria de forma a silenciar a turba, interromper ou fazer cessar a ameaça ao cargo político do adversário cooptado.

 

É nítido que Zé Domingos se sentia na berlinda, sua posição estava ameaçada, sua reputação posta em cheque. Por isto aderiu á proposta indecorosa de seus dois corruptores, e não por orientação partidária. Não que seu voto tivesse “peso” para decidir a reeleição de Miguel para a Câmara. Esta, é fato, já se encontrava decidida. O que interessava a Miguel era prosseguir no poder sem empecilhos, conforme ele mesmo relata às f. 1021:

 

Deseja esclarecer que na presidência da Câmara precisava de apoio político para tudo, e não está falando aqui só de eleição para a presidência ou de reeleição. Também se refere à mudança da lei orgânica e ao dia a dia na Câmara. Governar e liderar seus pares poderia ser difícil com adversários políticos a espicaçá-lo. Passou então a construir alianças, conquistar seus pares, se necessário com vantagens. Isso foi contínuo. Era rotineiro. Nunca parou.”  (Miguel Júnior, f. 1021, destaquei).

 

Ouvido em duas outras oportunidades, Miguel novamente dá conta do que almejava de Zé Domingos, e o que realizou ao lado do comparsa Cachoeira:

 

“Cachoeira a seu pedido procurou Zé Domingos para oferecer blindagem política em troca do apoio dele Zé Domingos nas coisas da presidência da Câmara já então exercida pelo depoente.” (f. 2683).

 

“Quanto a Carlos Alberto Ferreira, vulgo Cachoeira, não propriamente diria que determinou que chantageasse José Domingos, mas lhe pediu que fosse até José Domingos e dissesse que se houvesse a colaboração deste último iria blindá-lo e impedir que o mesmo fosse questionado na Câmara ou fora dela por sua gestão a frente de uma das secretarias do governo de Jeová Moreira da Costa. (…) Não diria chantagem, diria pressão, ´rastro de onça´” (f. 19, autos  0040.17.001.724-4).

 

Este rastro de onça criminoso funcionou com a precisão de um relógio suíço, porque Zé Domingos doravante passou a deixar de representar oposição a Miguel, fortalecendo a este último sobre o documentado, interceptado, demonstrado compromisso de desídia funcional: protegeriam e nada iriam fazer contra Zé Domingos, em troca de sua cooptação política escusa. Feito o ajuste, se tranquilizam seus protagonistas, como a prova é límpida em demonstrar:

 

Miguel: Oi, Cachú!

Cachoeira: O Zé… O Zé… O Zé tá meio assustado. Ocê percebeu, né?

Miguel: Vi. Tá demais. Muito preocupado.

Cachoeira: É. Nós demos corda pra ele e fizemos o certo.

Miguel: É coitado. Mas bom num foi?

Cachoeira: Ótimo. Resolveu o seu problema.

Miguel: Não e ele também vai ter um pouco de… Pelo menos um pouco… Um galho na corredeira pra ele segurar, né, Cachoeira?

Cachoeira: É. Ele vai mais aí nós vamos ter que cumprir né, Miguel?

Miguel: Claro. Da nossa parte, rapaz? Que isso!

(…)

Miguel: (…) Você conversou mais com o Zé depois?

Cachoeira: Conversei. Falei “Zé, sabe aquilo que conversamos na sua casa? Eu vou cumprir. Agora faça o dever de casa e deixa o resto por nossa conta.

(f. 153-154, IP 4163897, destaquei).

 

Não estamos falando, aqui, de um contato político inocente, comum, corriqueiro nos corredores palacianos. Não é como, por exemplo, um Presidente da República negociar apoio político em troca de Ministérios, porque o presidente nomeia ministro a quem bem entenda. A ação pode ser considerada imoral, mas não é criminosa. O fato aqui é mais grave, porque Miguel e Cachoeira acenavam à Zé Domingos com a abstenção ilícita na  atuação parlamentar e lhe ofereciam a impunidade, vantagem indevida oferecida por uns, aceita por outro, todos três devendo responder ás inteiras pelo delito do art. 317, caput, do CP (José Domingos Vaz), e art. 333 do CP (Miguel Júnior e Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira).

 

Cessados os crimes imputados a Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, na denúncia, iniciado o julgamento dos dois ilícitos imputados ao outro réu, José Domingos Vaz, o Zé Domingos, verifico que o mesmo resta recém condenado pela prática do delito descrito no art. 317, caput, do CP, e porque teria vendido sua adesão às tramóias de Miguel Júnior em troca de sua blindagem política.

 

Resta agora a necessidade de dizer do outro delito imputado a Zé Domingos, porque o Ministério Público também se lhe acusa de ter aceito e de fato recebido ao menos duas parcelas de propina no valor individual de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais) que lhe serviriam para auxiliar no custeio da faculdade de medicina da filha, também em troca de apoio político. Por este específico delito, o MP também pretende a condenação de Zé Domingos novamente pela prática do delito autônomo descrito no mesmo art. 317, caput, do CP, corrupção passiva. E, como corolário, pretende que Miguel seja também condenado como corruptor e conforme art. 333 do mesmo diploma.

 

`As f. 147\160 há prova inequívoca de que, para o custeio direto da faculdade da filha, o dinheiro supostamente exigido por José Domingos não era. Apesar de desnecessário, no entanto, é imperioso lembrar que para a caracterização dos delitos de corrupção ativa ou passiva desinteressa por completo a destinação dada ao valor da propina ou ao benefício ilícito visado. Assim, ainda que o numerário solicitado por Zé Domingos e pago por Miguel Júnior (em tese), se destinasse a despesa outra, distinta daquela alvo da acusação de Miguel, o repasse dos valores não só teria o condão de tipificar o crime em tela como de exaurir a este tipo penal.

 

Isso caso esteja provado. Se há prova técnica segura, insofismável, monolítica, asseverando tão grave crime, este sim infamante. O fato de Zé Domingos ter cedido às paixões de momento e procurado se resguardar aceitando um acordo de leniência improvisado, a meu ver, pode atiçá-lo ao banco dos réus e deflagrar sua condenação, como de fato ocorreu, mas não considero o fato tão grave assim e a ponto de aviltar-lhe a reputação, decretando na prática sua morte social e política. Com o recebimento de propina, se dá efeito mais grave, mesmo em um país acostumado a tantos escândalos políticos de corrupção. O fato é asqueroso, vil, repugnante, e para que se declare sua existência e autoria, é imprescindível aquela certeza absoluta aqui já referida, que torne inviável a possibilidade da existência de verdade outra distinta da acusatória e que atraia o convencimento do magistrado como um vórtex lógico invencível.

 

E, quanto a este gravíssimo fato, dele só Miguel fala. É imperioso reiterar aqui: a colaboração privilegiada, a delação premiada, válido instrumento de colheita da prova, aríete acusatório, ainda que adquira ares de verdade e não seja contraditada por qualquer outra prova, ainda neste caso, não pode servir sozinha para condenar. É o mandamento inscrito no art. 4o, parágrafo 16, da Lei 12.850\2013.

 

Portanto, para demonstrar o fato, além da delação de Miguel Júnior, é preciso analisar o restante da prova colhida e, neste passo, causam-me estranheza dois pontos da prova acusatória, duas nuances quase imperceptíveis e que não consegui elucidar com a necessária e definitiva certeza que me permitiria convir com o Ministério Público e também condenar, aqui, a José Domingos por mais este delito que lhe é imputado.

 

É que desde o início da instrução pergunto-me porque choveram no molhado com Zé Domingos, porque Miguel lhe ofereceu dinheiro, ou atendeu à sua solicitação financeira, quando Zé Domingos já estava “comprado” pela prometida leniência parlamentar.  Observo que, das tratativas entre Miguel e Cachoeira, se observa o afinco com que buscavam intimidar Zé Domingos para assim, e só assim, obterem sua simpatia para as causas da política.  Se Zé Domingos já estava no “bolso” de Miguel, não seria necessário o teatro de horrores a que novamente o submeteram.

 

Por outro lado, se o pedido de dinheiro de Zé Domingos foi subseqüente ao seu esperneio diante dos temores insuflados de perseguição na Câmara, foi após o acordo que o resguardava com a blindagem política, então Zé Domingos, que já barganhara, não tinha mais poder de negociação algum para exigir mais o que quer que fosse de Miguel Júnior, muito menos valores mensais consideráveis, a ele Miguel, retratado aqui por Marcílio e outros como enrolado e mau pagador.

 

O outro ponto que não se soluciona é o fato, para mim incrível, de que Cachoeira e Miguel, trocando intimidades ao telefone, conversando sobre inconfidências políticas lícitas e ilícitas, destratando seus áulicos e maldizendo seus desafetos durante suas conversações degravadas e interceptadas e como claramente o fizeram, ainda assim não se refiram em tempo algum à estratagema envolvendo o dinheiro solicitado por Zé Domingos e pago à Miguel.

 

É claro que se poderá dizer, diante deste raciocínio, que Miguel e Cachoeira, raposas velhas da política e da vida, não iriam falar claramente de subornos e propinas ao telefone. Ocorre que sequer sonhavam em grampos e investigações quando trataram de outros assuntos também criminosos e ilícitos através do mesmo meio telefônico e com uma habitualidade e naturalidade alvissareiras ao eficiente trabalho policial que então se descortinava. Ou seja, se não calavam sobre o dinheiro pago à Marcílio, sobre a chantagem a Zé Domingos, porque não dizer também da propina paga a este último?

 

A indagação é renitente e não se soluciona. Em um processo pantanoso em que se sujam reputações, em que confissões e delações atingem reciprocamente os acusados, em que estes se digladiam e chegam a se ofender nos autos da instrução, se pode perfeitamente entender que Zé Domingos chame a Miguel de grande mentiroso (f. 1099), e que este último insista em acusá-lo, ou que Marcílio chame Miguel de caloteiro (f. 1084), e das degravações se colha que Marcílio também ofenda adversária política, alcunhando-a de filhadaputa (f. 49, 4163897). O incompreensível é que Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira, porventura sabedor da propina exigida por Zé Domingos e a ele paga por Miguel Júnior, se cale, quando não possuiria qualquer obrigação moral ou partidária, ou pessoal de fazê-lo. Muito antes pelo contrário, poderia ser beneficiado, quando não como colaborador premiado, ao menos na forma do art. 65, III, “d”, do CP.

 

Não há este relato de Cachoeira, e olhem que ele é loquaz. Repito: só Miguel Júnior diz da propina exigida e paga, o que é insuficiente para o decreto condenatório, isto por força das discrepâncias, buracos, lacunas da prova, acima esmiuçada, e porque os termos da colaboração premiada de Miguel, os termos de sua delação no processo e fora dele, não podem sozinhos ensejar condenação válida e segura, a teor dos dizeres do art. 4o, parágrafo 16, da Lei 12.850\13. Não se está dizendo, é bom frisar, que Miguel mentiu. Pode, perfeitamente, ter falado a verdade, mas esta verdade não é de molde a permitir condenação segura, quando legalmente há vedação expressa e, principalmente, diante do demais depurado e do qual não soçobra um indício que seja e que permita acoplar os termos da colaboração premiada a qualquer elemento de prova possível para auxiliar no édito condenatório visado por este específico crime.

 

A certeza é a única base legítima para a condenação criminal, já o disse o citado Malatesta[10]. A colaboração premiada de Miguel, sozinha, é mero indício que não alicerça condenação válida.  A este respeito, excelente doutrina:

 

“No manejamento dos indícios, o juiz criminal tem de ter cuidados extremos, porque, de todas as provas, a mais desgraçada, a mais enganosa, a mais satânica é, sem dúvida, a prova indiciária. O indício, na eterna ironia das coisas, é a prova predileta da vida contra os inocentes. Toda inocência, por isso mesmo que inocência, é a vítima de eleição da prova indiciária. Com indícios, se chega a qualquer conclusão; imprime-se ao raciocínio a direção que se quiser. Condenar ou absolver é o que há de mais fácil e simples, quando o julgador aposta com os indícios o destino do processo. Julgar só mediante indícios, e com eles condenar, é o adultério da razão com o acaso, nos jardins de Júpiter.” [11]

 

         Imperiosa a absolvição de Zé Domingos por este delito, portanto, aquele do art. 317, caput, do CP, referente ao recebimento de dinheiro espúrio em proveito da filha, na forma do art. 386, VII, do CPP. Por via de conseqüência, deste delito também se há de inocentar Miguel Júnior de sua conduta ativa e de idêntica forma. Curiosamente, aliás, ele confessa este delito, cujo conteúdo sinalagmático, entretanto, impede a previsão do extraneous sem o intraneous. Além disso, a confissão é notável meio de prova que, porém, não vincula o magistrado e vez ou outra pende de adesão de outros elementos do mosaico probatório, aqui inexistentes.

 

Passo agora ao julgamento de José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia. Este é acusado de ter recebido de Miguel a dádiva de pagamentos de quantias que orçavam R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais) ao mês, durante alguns meses, e que se destinariam ao primo de Juninho, Francisco Fernando do Prado, o Chico. Narra a denúncia que, em troca de apoio político, abstendo-se Juninho de embater com Miguel pela presidência da Casa de Leis local, este pagou uma compensação financeira a Francisco, recém demitido da Câmara em obediência a acordo firmado com o Ministério Público. De fato, e em virtude deste favor, Juninho não concorreu, não se opôs à reeleição de Miguel Júnior e lhe deu apoio que só cessou quando Juninho foi convidado e aceitou ser secretário de agricultora do novo governo Aracely de Paula.

 

Na verdade, a denúncia diz de dois distintos crimes de corrupção passiva perpetrados em tese por Juninho, pretensão depois reiterada pelo parquet em suas derradeiras falas: “O combinado era que José Maria Lemos Júnior ajudasse Miguel Júnior afora as votações rotineiras, de duas maneiras claramente definidas: uma votando na emenda  qeu permitiu a reeleição do Presidente da Casa de Leis de Araxá, favorecendo a pretensão de Juninho, o que se confirmou, tanto pelo voto de Juninho na mesma, como pela própria reeleição de Miguel, que não seria possível sem tal alteração legislativa; a outra consistiu em “Juninho” não se candidatar a Presidente da Câmara. José Maria cumpriu a primeira parte de sua contrapartida aos favores recebidos. A segunda, também, porque o então edil deixou a vereança para se tornar Secretário do Poder Executivo de Araxá.” (f. 1352\1353).

 

Curiosamente, tão logo afastado da vereança a pedidos e para se dedicar à nova pasta executiva, Juninho teria deixado de ver o primo contemplado com as benesses de Miguel, a quem não interessaria fazer gracinhas, auxiliar o próximo e ser caritário com o parente demitido do colega vereador. O que interessava a Miguel era o apoio político então comprado e cuja moeda de troca perdera o valor com a saída voluntária de Juninho da edilidade araxaense.

 

Há um específico excerto degravado retratando conversa telefônica entre José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, e Miguel e que trata especificamente desta trama:

 

“José Maria: Bom presidente?

Miguel: E aí, brother, beleza?

José Maria: Correu bem lá?

Miguel: Correu. Tranquio. O Zé Domingos declarou voto lá, o…

José Maria: Declarou pra quem?

Miguel: Pra mim, uai.

José Maria: Uai, coisa boa, então tá tranquilo.

Miguel: Arrebentaram com o Mauro lá hoje, coitado. O Mauro sozim, sozim.

José Maria: E alguém falou que votava pra ele?

Miguel: Não, ninguém.

José Maria: Então ficou esquisito. Ficou ruim, hein?

Miguel: Ah, Coitado! É inexperiência, né, Junim?

José Maria: Ah, é, num é por aí, não.

Miguel: Deixa eu te contar, eu tô vendo que até sexta feira… Amanhã deve sair o pagamento? Pra mim te pagar aquele negócio do Francisco que eu tô te devendo pro ocê, sô!

   José Maria: Tá ok! Num esquenta não.

Miguel: Deve ter depositado hoje a tarde, amanhã na hora que eu sacar eu te ligo e passo pra você, viu?

José Maria: Tá. Eu falo pra ele. Deixa eu te falar um negócio…

Miguel: Oi!

José Maria: Ocê tem ideia de quando vai pagar o abono natalino?

(…).

(F. 156-157, IP 4163897).

 

Juninho negou todo o tempo a obséquio do favor proscrito para si, dizendo também que somente deixou de fazer oposição às pretensões de Miguel de reeleger-se presidente da Câmara porque foi convidado e aceitou assumir a secretaria de agricultura do Município. Equivale dizer que Juninho não condiciona, em sua versão, sua adesão aos planos de Miguel, ainda que por abstenção, ao pagamento de vantagens indevidas ao primo Francisco Fernando do Prado. Ou seja, segundo a versão deste acusado, sua abstenção não se deveu a qualquer favor pré-firmado, prometido ou em cumprimento por parte de Miguel Júnior.

 

No que interessa, eis o relato do então acusado José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia:

 

(…)Na primeira eleição de Miguel, o grupo havia fechado que os presidentes seriam Roberto do Sindicato, o declarante ou Miguel. A articulação foi caminhando para a candidatura do declarante, que já era vice presidente de Roberto. Fizeram uma reunião. Roberto faltou com a palavra e decidiu sair candidato. Se indispôs com ele. Miguel havia composto uma coalisão paralela com Pezão, Fabiano, Eustáquio e Farley, além de Alexandre e Amilton. Então apoiou Miguel e não quis mais ser vice, criando o grupo dos 6 que depois virou grupo dos 9. Abriu mão por Amilton que acabou eleito. Amilton resolveu candidatar porque seu partido possuía três cadeiras conquistadas e o lógico é que ao menos a vice presidência fosse de um de seus representantes. Por ocasião da votação da emenda que propiciou a recondução para a presidência da câmara dos vereadores, permanecia edil. Votou a favor da emenda. Deseja esclarecer que de janeiro a setembro daquele ano de 2014 não se falava em reeleição, e geralmente projetos polêmicos são discutidos amplamente entre os vereadores antes de serem submetidos a escrutínio. (…) Se levantou e foi para a mesa diretora, e a sessão toda gravada e filmada pode demonstrá-lo, e indagou de Miguel por qual motivo se pretendia aquela reeleição quando sua presidência já estava acertada e Miguel desistia de permanecer ocupando a chefia da edilidade. Miguel respondeu que aquela seria uma opção a mais para o grupo caso o nome do declarante não alcançasse número suficiente para se impor. Naquela hora notou que algo diferente ocorria, fora do planejado. Acabou votando a favor da reeleição porque seu voto não faria diferença. Duas semanas depois foi chamado ao gabinete por Miguel que lhe disse que resolvera lutar pela prefeitura de Araxá e que não teria evidência ou holofotes ou importância para tanto se retornasse a ser vereador. Precisava ser presidente da câmara. Explicou que o declarante era um bom aliado, com grande alcance político, mas seria obrigado a romper o trato com o declarante. Chegou até a convidar informalmente o declarante para ser seu vice. O declarante simplesmente se levantou e foi embora chateado. Logo em seguida surgiu o convite de Aracely para que assumisse a secretaria de agricultura e aceitou prontamente. Pretendia mostrar-se administrativamente ao eleitorado araxaense e foi mostrado. Seu primo trabalhou para a câmara na gestão do Roberto por trato com o MP, por TAC. Foi feito concurso e Francisco, seu primo, que era precário, foi demitido corretamente. Francisco então o procurou. Soube que havia mais vagas na câmara, de livre nomeação,e solicitou do declarante que instasse junto a Miguel por uma das vagas, ou mesmo num emprego fora da câmara. Foi ter com Miguel e pediu por seu primo. Não solicitou nada e nem ofereceu nada em troca. Naquela oportunidade Miguel era presidente em exercício e não se falava em reeleição. Não havia nada pelo que barganhar e nem se submeteria a isso. Miguel pediu que Francisco o procurasse e deu o recado a seu primo. Não teve mais conversa com Miguel sobre isso. Seu primo é que o procurou depois na farmácia para lhe dizer que Miguel lhe prometera ajudar financeiramente do próprio bolso até que ele Francisco arrumasse emprego. Disse para Francisco que não iria dar certo e que Miguel não iria pagar, pois sua fama de mal pagador é antiga. Passados alguns meses voltou a estar com Francisco. Francisco lhe disse que Miguel pagara um pouquinho, cerca de duas parcelas, em dois meses distintos, no primeiro semestre daquele ano, e mais duas parcelas no semestre seguinte, e em seguida parara de pagar. Achou ruim e estranho, mas Miguel, segundo Francisco, dissera que era dinheiro dele e honesto, e os dois eram maiores e capazes, então não interferiu. Francisco disse que Miguel parou de pagar alegando falta de dinheiro. Não acredita que tenha parado de pagar porque o declarante deixou de ser vereador para se tornar secretário de governo. Não teve qualquer influência nas tratativas de Miguel com Francisco e Miguel não precisaria agradar o declarante. As coalisões e desavenças na câmara não resvalavam para o bem ou para o mal na vida privada do declarante. Tem vinte anos de atuação direta ou indireta na política e foi vereador por duas legislaturas. (…) Achou estranho Miguel pagar Francisco para que esse não trabalhasse, como disse, não se intrometeu. Miguel alegou problemas financeiros para parar de pagar Francisco. Jamais daria, achou estranho, e inclusive disse que Francisco não iria receber, mas recebeu, por pouco tempo mas recebeu. Nunca recebeu dinheiro diretamente de Miguel para repassar a Francisco. De 15 a 25 de novembro tomou posse da secretaria de governo local a pedido e convite do prefeito Aracely. Nunca fez acordo de votação em bloco com seu grupo político durante suas duas legislaturas. (…) O dinheiro pago a Francisco foi anterior ao suposto desvio de dinheiro da Santa Casa. Miguel e Francisco eram vizinhos de cinquenta metros de distância no máximo. Seu primo quando trabalhava numa empresa chamada GEPAN apoiara Toninho para prefeito e Miguel para vice, à revelia do declarante. Francisco e Miguel já tinham uma proximidade antiga e que independia do declarante, de sua relação com Miguel ou no exercício conjunto da vereança por ambos. Não teve outra conversa com Miguel acerca de sua iminente reeleição, além daquela que já narrou. (…) Ouviu a gravação de sua conversa com Miguel. Reconheceu sua voz. Se lembra de comentar com Miguel sobre sua posse ciceroneado por Aracely e Lídia, novo prefeito e vice, à época. No final, na hora de despedir, foi Miguel que lembrou de Francisco e o declarante apenas disse que daria o recado a ele. Lembra direitinho que Miguel disse que receberia e repassaria o dinheiro, e o depoente respondeu que daria o recado a Francisco. Entendeu que Miguel falou que seria repassado por ele Miguel a Francisco. (…)” (f. 1101\1104).

 

O pivô de toda a embrulhada foi Francisco, que assim se manifestou em juízo:

 

 “(…)Era funcionário da Câmara e foi demitido por Miguel Jr. Procurou seu primo José Maria Lemos Jr, o Juninho da farmácia, que narrou seu problema, narrou sua extrema necessidade de manter o emprego. Juninho falou que ia olhar. No dia seguinte lhe disse que havia conversado com Miguel e que este último iria resolver o problema dele, bastando procurá-lo. Procurou Miguel. Miguel respondeu ao depoente que não poderia readmiti-lo, mas diante da intensa necessidade do depoente, pagaria do próprio bolso para o depoente cerca de mil e setecentos reais por mês. Lhe pagou, em dinheiro. Uma vez do banco do Brasil, outras na porta da sua casa. Não trabalhou para Miguel ou qualquer pessoa em troca do dinheiro. Recebeu como doação, a troco de nada, até que um belo dia Miguel só lhe pagou mil e quinhentos e disse que não tinha mais como continuar pagando. Recebeu ao todo três parcelas de mil e setecentos e a última de mil e quinhentos. Não foram quatro meses seguidos. Ele atrasava muito. Foram dois meses seguidos, um semestre depois mais dois. Foi no ano de 2014. Começou em janeiro. Pelo que sabe em nenhuma das ocasiões Miguel era prefeito interino. Ele era presidente da Câmara. Foi reeleito em novembro daquele ano. Quando Miguel parou de pagá-lo, Juninho ainda era vereador e ainda não tinha se tornado secretário do poder executivo municipal. Reclamou com Juninho na sua farmácia quando Miguel parou de pagar. Tem certeza que Juninho ainda não era secretário. “Foi depois”, conforme se expressa. (…) Juninho não intercedeu junto a Roberto por sua contratação. Juninho ou Miguel jamais lhe disseram que a dádiva que recebia do último seria em troca de algum favor político. Nunca antes apoiara Miguel Jr. Nunca o apoiou. Seu primo Juninho foi vereador por duas vezes. Era ele que o apoiava.(…)” (Francisco Fernando de Paula, f. 1020).

 

Os autos informam algumas datas importantes sobre este tópico específico da eventual responsabilização penal de Juninho da Farmácia. A degravação da conversa telefônica interceptada, esta datada de 25 de novembro de 2014 (f. 156), é portanto posterior em um dia ao seu afastamento a pedidos da edilidade por conta de sua assunção ao cargo de secretário municipal de agricultura do governo do novo prefeito Aracely de Paula (f. 442 e 463). Miguel Júnior foi eleito a primeira vez para o cargo de Presidente da Câmara dos Vereadores de Araxá bem antes de qualquer tratativa com Juninho e em 01 de janeiro de 2013 (f. 466). Em 16 de setembro de 2014 foi aprovada a emenda que autorizava a reeleição para o cargo de presidente daquela Casa de Leis, o que interessava sobremodo a Miguel Júnior (f. 470), contando com a adesão de todos os vereadores, inclusive Juninho da Farmácia. Finalmente, em 02 de dezembro de 2014, foi Miguel Júnior reconduzido à presidência do parlamento araxaense, já então quando Juninho da Farmácia integrava o poder executivo e era susbituído pelo suplente empossado. Ou seja, não participou daquela votação corporificada às f. 503.

 

Como a acusação contra Juninho não se refere nem sequer em tese à primeira das votações polemizadas, para o primeiro mandato de Miguel Júnior, analisemos as outras duas, expressamente mencionadas pelo parquet na denúncia, através de pugna depois reiterada em suas alegações finais.

 

O acusado Juninho da Farmácia, como sobredito, votou de fato a favor da emenda parlamentar que autorizou a reeleição para a presidência da Câmara, a então possível recondução de Miguel Júnior à presidência daquela edilidade. Naquela ocasião, como já ressaltado, todos os vereadores acataram a emenda sem maiores problemas e em votação unânime (f. 470). Este fato se deu depois da demissão de Francisco, servidor terceirizado da Câmara, uma vez que esta demissão foi levada a efeito ainda na primeira gestão do acusado Miguel.  Ou seja, Juninho apoiou a emenda parlamentar visada por seu suposto corruptor mesmo quando este já havia demitido-lhe o primo Francisco.

 

Em seguida, a data da segunda votação polêmica: a reeleição de Miguel, fato que gerou tantos eventos danosos nestes autos. Ela se deu em 02 de dezembro de 2014, depois da conversa telefônica entre Miguel e Juninho (25\11\2014) e depois do afastamento de Juninho da vereança. Aliás, do escrutínio desta conversa se percebe que Juninho pergunta a Miguel sobre o andamento das votações com alguma curiosidade, o que se explica: já então estava afastado do parlamento de Araxá (f. F. 156-157, IP 4163897).

 

Do teor desta conversa, minuciosamente analisada, também se percebe que Juninho liga para fazer perguntas várias, nenhuma delas relacionadas com o caso do primo Francisco. É da iniciativa de Miguel tratar do caso, e Juninho apenas responde que sim, ok e que vai falar com o primo. Juninho não demonstra o mínimo interesse no problema já então, aparentemente, segmentado, e que não era seu. Segundo Juninho afirma em juízo, f. 1.101\1.104, sem ser fustigado por prova alguma em sentido contrário, narrou o problema para Miguel e este ficou de ver o que fazia, simplesmente. Segundo também Francisco, novamente sem ser confrontado por versão alguma que pudesse ser demonstrada em sentido contrário, após Juninho tocar no assunto, foi ele Francisco a procurar Miguel e dele receber valores a título pessoal, dinheiro dele Miguel e não público, tanto que negaceou, enrolou e por fim parou de dar em um ou dois meses, f. 1.020.

 

Miguel Júnior afirmou que pagava favores a vereadores para facilitar seu dia a dia no poder à frente do Poder Legislativo local, genericamente, sem que os favores em contrapartida e que esperava fossem necessariamente específicos ou visando esta ou aquela votação em particular. Talvez por isto entenda piamente que cooptou Juninho através do favor que prestou a Francisco. É a tendência natural do ser humano medir aos outros com a própria régua. No entanto, os autos são muito claros em informar que Juninho fazia oposição a Miguel Júnior, dele discordava e atuou de maneira coerente como parlamentar durante todo o tempo em que atual na Câmara ao lado de Miguel.

 

Aqui me socorro de novo das evocações colhidas dos diálogos telefônicos interceptados:

 

Sgt Amilton: Não, mas pra falar a verdade eu, eu… Ah eu falei com ele, sabe o que eu falei com ele?

Miguel Júnior: Hum?

Sgt. Amilton: Eu falei com ele, ó Aracely eu na verdade estou pretendendo ser o presidente da Câmara, aí ele assustou assim, né? Mas peraí, falar em presidente, falar por senhor aproveitando quee nosso candidato direto e indretamente é eu, o Junim que  cê já chamou ele pra trabalhar, é eu e o Miguel, mas nosso grupo é um grupo formatado que num vai momento algum ser quebrado por nada, pelo contrário, do  outro lado tá chegando gente por nosso lado, o bom tá, o senhor pode ter certeza que vou fazendo cosia em prol do povo de Araxá. Aí ele falou ó, o nome seu mais do Miguel são nomes bons. O Miguel é uma pessoa muito boa, experiente e tal, entendeu?

(…)

Sgt Amilton: Ali tem muita gente envolvido que é cúmplice com pré candidatos, foi candidato a vereador e tal.

Miguel Jùnior: É né! Ah então é terreno minado?.

Sgt Amilton: É tudo campo minado, cê vai pisar, ocê tem que tomar cuidado senão cê toma bomba pra lá e pracá.

( f. 42, IP 4163897)

 

Cachoeira: (…) A única forma de levar o Mateus, que trabalhou na campanha, que teve voto, é tirar o Junim pra agricultura, ou ou dá pro pro, dá a agricultura pro Miguel pra ele por o Jairinho ou coisa assim, sabe? (…) Ou levar Pezão, ele tem que, ele tem que fazer uma, uma gracinha lá. Agora ele sabe fazer, ele sabe, ele vai investir, sabe? Ele já foi na câmara conversar com os vereadores duas vez, viu? Essa política dos ceis antiga de esquema, de como fala, de toma lá dá cá , falei ah Jeová, (inaudível) sua é boa mas eles te cassou. (F. 10, IP 4163897).

 

Cachoeira: (…) Falei pro Jeová ontem, sabe o que o Jeová falou?

MIguel Júnior: Ahn?

Cachoeira: Cês dois num faz a presidência nunca. O Bosco vai fazer é o Junim. Falei ah, Jeová…

Miguel Júnior: É outro imbecil que não entende nada de política.

(F. 22, IP 4163897).

 

Estas gravações ocorreram em tempo real, retratando conversas entre os acusados Miguel Júnior, Cachoeira e Amilton, entre 14 e 28 de novembro de 2014. Por aquela época Juninho estava prestes a aceitar, como de fato aceitou, o convite para abster-se da Câmara e assumir pasta executiva. Até então, e os áudios o revelam, era um risco para Miguel Júnior e Cachoeira. Como forma de opor-se a Miguel, outros caciques políticos destas cercanias, o prefeito Aracely de Paula, o prefeito cassado Jeová Moreira da Costa e mesmo o Deputado Estadual Bosco são citados nas conversas como protagonistas de conjecturas que visavam criar obstáculo real à proposta de continuidade política de Miguel Júnior. Este e Cachoeira cogitavam que Juninho saísse, e ansiavam que aceitasse assumir cargo executivo, porque assim teriam o voto do suplente dele. Não contavam com o apoio de  Juninho e isso parece bastante claro.

 

Fica muito estranho crer que Juninho, que à época em tese devia favores políticos a Miguel Júnior, se opunha à vontade deste e resistia-lhe ao domínio. O simples fato de que Juninho em um primeiro momento aderiu à emenda parlamentar que autorizou a reeleição e em um segundo momento se licenciou da vereança e não votou para esta mesma reeleição não pode servir como condutor lógico da conclusão de que o fez, em ambos os casos, porque cooptado e subornado por Miguel Júnior.

 

Porque a denúncia, de cujos termos o Ministério Público não pode escapar, está erigida no fato de que Juninho foi visado e se corrompeu para cooperar em dois fatos distintos, e em ambos não há demonstração de qualquer contrapartida política de Juninho. A votação unânime que aprovou a emenda parlamentar da reeleição, obviamente integrada por este réu, pode possuir inúmeras outras explicações que não o favorecimento político barganhado e ilícito que é o mote da acusação. A se crer desta maneira, então, todos os demais vereadores que secundaram Juninho podem e devem ser lançados ao banco dos réus e diante deste mesmo raciocínio.

 

E por falar nos demais vereadores, são também dois destes, testemunhas nos autos, que explicam os entremeios e o cotidiano de Juninho com os demais réus, seu ímpeto e frustração, sua adesão a contragosto aos planos de Miguel Júnior, etc…

 

(…)que era vereador ao tempo da deflagração dos fatos da denúncia. Foi o candidato derrotado a presidência da Câmara quando o requerido Miguel para esta função se reelegeu. Durante a disputa jamais ouviu falar de promessas de vantagens indevidas, recompensas ou propina em busca da reeleição de Miguel. Como era opositor a ele, se soubesse de tal fato, iria denunciar imediatamente. Depois que o fato veio à lume, o surpreendeu. (…) Dos acusados, faziam parte do grupo Eustáquio, José Maria e Amilton. Acha que Carlos Alberto não fazia parte. José Domingos exclusivamente não fazia parte. Era um grupo formado para votar em bloco e definir votações, não necessariamente para eleger ou reeleger Miguel. No entanto acabou apoiando sua reeleição. (…) Tinha bastante contato com Marcílio e Juninho e sentava mais próximo de ambos. (…) José Maria Lemos se opôs à segunda eleição de Miguel e também procurou pleitear a presidência da câmara naquela oportunidade. Depois lhe disse que não conseguiu apoio para ser eleito, disse chateado, e acabou aceitando o convite para ser secretário para o atual governo municipal. José Maria estava chateado com o próprio grupo o qual compunha, G9, que lhe prometera apoiar para a presidência da câmara e acabaram optando por manter Miguel no cargo. (…) Quando Juninho, que é José Maria Lemos, foi constrito por falta de apoio a não manter sua candidatura em afronta a Miguel, o depoente lhe perguntou o que achava dele, depoente, manter a candidatura. Juninho respondeu que deveria manter, deveria concorrer com Miguel, que na pele do depoente, ele, Juninho, manteria, que deveria ir até o fim. (…)” (Mauro da Silveira Chaves, f. fls. 967/968, destaquei):

 

 

(…)que é vereador. Já o era ao tempo dos fatos. Estava em plenário como vereador nas duas eleições de Miguel para a presidência da câmara e também na sessão legislativa que aprovou projeto que autorizava a recondução da presidência daquela casa de leis. Nas três oportunidades votou com Miguel. Compunha o G9. (…) Nas duas eleições de Miguel, José Maria pretendeu a presidência que acabaria não conseguindo. Em ambas oportunidades abriu mão das candidaturas. Não foi traído pelo grupo G9 ao qual sempre pertenceu. (…) Se recorda de um funcionário da Câmara chamado Francisco, primo de Juninho. Não sabe dizer quem contratou Francisco para a câmara. Se recorda de Francisco por lá no início da sua candidatura em 2013. Ele era frequente e assíduo. Não sabe se ficou empregado muito tempo. Ele ali estava quando Miguel era o presidente. Não sabe dizer quando Francisco saiu. Não sabe se foi em data concomitante à saída de Juninho para integrar a secretaria de agricultura do governo de Aracely. (…) Não se recorda em quais momentos, mas ouviu várias vezes Juninho dizendo de sua frustração por não ocupar a presidência da câmara, não concordar com a permanência de Miguel no poder e de sua reeleição. Por várias vezes ouviu Juninho exteriorizando estas suas opiniões. No entanto Juninho nunca viabilizou seu pleito de maneira prática. Era apenas uma esperança que guardava consigo. Não sabe dizer se Juninho foi convidado a ser secretário de agricultura ou se se ofereceu para tanto. Juninho batia-se pela alternância do poder da câmara. Não concordava com reeleições. (…)” (Fabiano Santos Cunha, f. 970\971, destaquei).

 

O delito de corrupção passiva não exige, para se concretizar, o evento naturalístico visado pelo corruptor. Basta, para a plena configuração do crime descrito no art. 317 do CPP, que o servidor público, no caso agente político, aceda ou peça o benefício indevido. Este raciocínio conduz à conclusão de que Juninho, ainda que não tenha de fato cooperado com Miguel Júnior, poderia ser responsabilizado criminalmente porque aceitou o favor ilícito em troca de um presumível apoio político que jamais forneceu. E é fato que jamais forneceu de maneira empírica, direta, objetiva.

 

Só que, para o Ministério Público, há um outro problema, e aqui volto às datas: quando Juninho já saído da vereança conversou com Miguel, os pagamentos deste a Francisco estavam em vias de ocorrer ou já ocorriam (ao contrário da afirmação de Francisco). Então, e agora ao contrário do que disse Miguel, Juninho não era mais útil ao seu jogo subreptício de poder. Isto é importante: Miguel salienta com algum ímpeto que prestava este e outros favores, a Juninho e outros colegas parlamentares, porque visava contraprestação. E diz mais, quanto a Juninho, afirma que parou de fazê-lo quando Juninho não mais poderia ameaçá-lo, ele que era cortejado por três forças políticas locais, de Jeová, do prefeito Aracely de Paula, do Deputado Bosco.

 

Ora, as conversas telefônicas apontam: Juninho já não era mais vereador, e ainda assim Miguel auxiliava-lhe o primo… (f. 157, IP 416389-7). Voltando ao teor de uma conversa tão prolífica em mitificar contextos divergentes, nela se observa – atenção – que não é da iniciativa de Juninho cobrar o que quer que seja. Está preocupado sobre o pagamento do abono natalino e sobre os resultados das votações de seus antigos pares. É sobre isso que fala a Miguel. É este último que entra no assunto, que Juninho nem menciona. Foge do tema, diz que vai passar a informação e passa rapidamente para outro tópico.

 

O brilhante e valoroso delegado regional, Dr. César Felipe Colombari, dentre os inúmeros préstimos que ofereceu à população araxaense, também auxilia a prova ao comentar a reação de Juninho quando, preso temporário, foi apresentado ao conteúdo das interceptações: não sabia o que ocorria, desconhecia o teor das acusações contra si e se surpreendeu, se estarreceu com o conteúdo da conversa interceptada (f. 973 a 978).

 

Confira-se, por exemplo: Lembra de um áudio de Miguel e Juninho em que Miguel casualmente diz a Juninho que amanhã iria receber, pegaria parte do dinheiro para repassar para Juninho passar para Francisco. Ele diz “aquele negócio do Francisco”. Juninho era dos mais destemidos em negar a culpa. Apelava até para motivação religiosa ante Miguel para convencê-lo a voltar atrás na delação. Miguel se manteve firme, mesmo antes da descoberta do trecho que incriminava Juninho. Perscrutaram as interceptações para descobrir o trecho da conversa acima mencionado e então convocaram de novo Juninho e Miguel. Juninho ficou transtornado quando ouviu a gravação. Suava muito, mas não confessou. Não se recorda de ter confirmado com Juninho se a voz ouvida era de fato a dele. Não se recorda da explicação dada por Juninho diante de mais uma recusa.(…)” (f. 975\976).

 

O destemor de Juninho destoa das reações dos demais acusados ao longo da prisão temporária que supliciaram. Ele estava de fato surpreso e acredito, agora revolvida a prova de maneira pia e convicta, que este acusado de fato não desconfiava até então de qualquer ilicitude a permear sua conduta e que porventura propiciasse sua abrupta prisão. Evidente que o desconhecimento da lei é inescusável, e por vezes indivíduos de poucas letras perpetram crimes e por eles são punidos e presos sem que sequer desconfiem da ilicitude de suas condutas. Contudo, este não é o caso de Juninho: farmacista, comerciante, parlamentar experiente, se de nada sabia é porque nada havia para saber.

 

         O Dr. César Felipe Colombari, no entanto, afirma que conversou com Francisco, e este primo de Juninho que Miguel lhe pagava “por fora” para ficar em casa, a pedido de Juninho, situação que perdurou até o afastamento de Juninho da edilidade araxaense (f. 976). Pode ser que a referida e notável autoridade policial tenha ouvido isso informalmente de Francisco – e Francisco é homem de fato de pouquíssimas letras, com deficiências óbvias em sua capacidade de se expressar, o que demonstrou na instrução. No entanto, esta versão não se repetiu nas declarações escritas de Francisco na DEPOL ou em sua oitiva judicial. O contexto da história de Francisco também está errada: os pagamentos, dois ou três, estavam se dando quando Juninho já não era mais vereador, e isso está claro. Nem quanto às datas Francisco se recorda ou sabe precisar, e erra quanto a elas.

 

Juninho sabia que Miguel pagava algum dinheiro a Francisco. Era dinheiro dele, Miguel. Podia fazer por pena, caridade ou por interesse, mas não é possível demonstrar que Juninho soubesse que a intenção de Miguel ao fazê-lo fosse, necessariamente, a mais indigna e espúria. Juninho não tinha o dever legal de obstar aquele pagamento, ou de comunicá-lo, porque não ocorria com dinheiro público. Juninho desconversou quando Miguel insinuou o fato ao telefone, não se interessou, era para ele assunto estranho e desinteressante, o que afronta a versão de que procedeu uma reviravolta na carreira pública, votou pela reeleição que repudiava, votou contra seu ideal de alternância no poder, votou contra seu opositor Miguel, movido por uma paga que sequer lhe interessava… Francamente, presumir daí a existência de crime de corrupção passiva de José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, é retirar as provas de um contexto obscuro para explorá-las sob as luzes distorcidas dos argumentos genéricos e das conclusões superficiais.

 

Aqui, vou voltar a Malatesta: “o princípio e o fim da pena levam a uma conclusão: a pena só deve atingir aquele certamente réu”.[12] É o mesmo festejado tratadista que delimita os três estados de conhecimento humano acerca de um fato: a credulidade, a probabilidade e a certeza. Se há os dois primeiros, mas não há a certeza, o caminho correto é a absolvição. Se o juiz acha provável a culpa, mas não há destrincha indubitavelmente da prova colhida, deve absolver. E conclui o mestre peninsular: “se o juiz, embora sentindo-se pessoalmente convicto da culpabilidade do acusado, sente que suas razões não são tais que possam gerar igual convicção em qualquer outro cidadão racional e desinteressado, deve absolver.” [13]

 

         A absolvição de José Maria Lemos Júnior, o Juninho da Farmácia, é, portanto, medida de rigor, a teor do art. 386, I, do CPP, isto quanto a todos os delitos dos quais é acusado. Por óbvio, como o fato crime não ocorreu e como inexiste o corruptor sem o corrompido em casos desta natureza, aqui Miguel Júnior também merece absolvição diante deste mesmo fundamento.

 

Resta analisar a culpa, no que remanesce, do acusado principal, Miguel Alves Ferreira Júnior, o Miguel Júnior.

 

Ele está acusado da prática de vinte e três crimes  de corrupção ativa e em concurso material, conforme os art. 333 e 69 do CP. O referido concurso material não ocorreu, como já referi, mas sim a continuidade delitiva preconizada no art. 71 do mesmo diploma e dado o continuum delitivo a evidenciar a sucessão de causas e efeitos a permear os inúmeros ilícitos em progressão, e não na reiteração individualizada e compartimentalizada destes.

 

Miguel Júnior é acusado de, por duas vezes, aliciar o colega edil Sargento Amilton; por uma vez fazê-lo em detrimento do também réu Eustáquio; por duas vezes  corrompendo Juninho da Farmácia; por duas vezes corrompendo José Domingos Vaz, o Zé Domingos; por duas  vezes em detrimento de Marcílio de Faria e por uma vez contra Carlos Alberto Ferreira, o Cachoeira.

 

A conta não fecha. São treze crimes de corrupção ativa, ao todo e uma vez que se conclua pela procedência integral da denúncia, o que não é o caso. De qualquer modo, em se tratando de crimes continuados, a discussão em torno de sua totalidade perde um pouco de importância, até porque parece que os pagamentos fragmentados que Miguel oportunizou aos parlamentares que corrompeu foram tratados pelo Ministério Público como delitos autônomos, desconsiderando o iter criminoso que me parece claro diante das ações deste acusado ao longo dos ilícitos que perpetrou.

 

Indo além, destes crimes, Miguel foi absolvido dos dois que teria cometido em concomitância com Juninho da Farmácia, por um outro do qual foi acusado de aliciar Zé Domingos, de um contra Cachoeira, um em face de Marcílio e outro em face do Sargento Amílton. Miguel Júnior, por via analógica e recíproca, sai forro destes delitos,  e ironicamente os tenha confessado em seu interrogatório e nos termos de sua colaboração premiada homologada em juízo.

 

Isto porque os  delitos de corrupção ativa e passiva tem natureza sinalagmática em que ao extraneous corruptor corresponde um intraneous corrompido em casos deste jaez. Além disso, por força de tudo o que aqui foi decidido e suscitado se considerou, para absolver aos demais réus corrompidos por Miguel o fato de que os crimes alvo destas absolvições ou não ocorreram ou não houve provas suficientes para por eles se condenar.

 

Com efeito, se dialeticamente a sentença afirma que o crime de corrupção passiva não se deu, e.g., que o servidor público ou agente político não se corrompeu, poderia ser bastante possível que, apesar desta conclusão, se pudesse atingir a hipótese elocubrada de que ainda assim o agente corruptor tivesse realizado o núcleo do tipo do art. 333 do CP. Ou seja, que tenha oferecido a vantagem patrimonial, e isto bastaria para a forma consumada do crime em tela, que é formal e não exige consumação fática, não exige evento naturalístico, não exige resultado.

 

Se esta sentença assim o fizesse, porém, seria uma sentença suicida. As razões de decidir nela incrustadas impedem que se reconheça que Miguel prometeu ou ofertou vantagem ilícita aos corréus nos casos em que estes últimos restaram absolvidos. No que toca em específico aos casos de Amilton Marcos Moreira e Marcílio de Faria, aqui se entendeu que não houve concurso e que os pagamentos ofertados a estes acusados foram parcelas diferidas no tempo de um mesmo todo elemental do tipo. Ou seja, iter absorvido pelo crime de corrupção ativa e passiva em seu todo considerado.

 

No que tange à Cachoeira e Zé Domingos, este juízo entendeu por bem decidir que o fato, que é em suma uma representação da realidade, não ocorreu ou não há provas de que tenha ocorrido. Em sentido oposto, há a colaboração premiada firmada por Miguel e homologada em juízo, e sua confissão e delação ao longo de todo o processado e que afirma os fatos, mas estas considerações não me puderam considerar os eventos existentes e válidos para condenar, porque prova isolada e tendo em vista o obstáculo legal criado pelo art. 4o, parágrafo 16, da Lei 12.850\2013. Então, é como se neste tópico a delação e a confissão não tivessem ocorrido, e se não podem condenar os corrompidos, tampouco podem deflagrar a condenação do corruptor.

 

Já quanto a Juninho da Farmácia, o fundamento absolutório foi outro. Decupei do contexto o fato ocorrido, que não considerei criminoso. Ocorreu, mas foi atípico, porque o Direito Penal brasileiro é subjetivo, principalmente no que toca aos crimes dolosos, como é o caso. Não vi intenção de Juninho em se corromper, aceitar ou receber oferta de propina ou esta propriamente dita. É claro que Miguel, se a ofereceu, merece sozinho responder por este delito, ainda que não tenha conseguido aliciar ao par vereador.

 

Aí calharia em tese punir Miguel Júnior isoladamente, mas aqui se apresenta um outro problema que também a isto impede: Miguel ofereceu dádiva pessoal a Francisco, e não a Juninho, por favores que este último não só jamais realizou, como não teria condições de fazê-lo.

 

         A corrupção ativa de Miguel Júnior, aqui, seria crime impossível (art.17, CP).

 

Miguel iniciou o pagamento quando Juninho já não mais podia beneficiá-lo em qualquer hipótese, e não haveria de fazê-lo à distância, dada esta óbvia impossibilidade material de votar em plenário nas duas ocasiões descritas na denúncia – uma anterior ao préstimo financeiro (emenda parlamentar da reeleição), outra subseqüente à saída de Juninho da Câmara dos Vereadores (reeleição de Miguel Júnior). Neste último caso, e conforme trecho degravado e ad nauseam referido, conquanto apeado da vereança, Juninho ainda assistia impávido Miguel pagar mimo financeiro a Francisco sem contrapartida lógica ou possível de qualquer apoio político parlamentar.

 

Portanto, resta a Miguel a absolvição por estes delitos, restando, por outro lado, condenado pela prática de quatro crimes de corrupção ativa, previstos no art. 333 do Código Penal, a saber: um em conluio com Eustáquio, outro com Amilton, um contra Marcílio, um contra Zé Domingos. Todos, como já frisado, em continuidade delitiva e conforme termos do art. 71 do CP.

 

Por fim, Miguel Júnior, além de confessar os ilícitos e assim obter os favores legais do art. 65, III, “d”, do CP, é também colaborador premiado. Depuro dos termos do que lhe foi proposto pelo Ministério Público, do que aderiu e foi por mim homologado e consta de f. 02 a 08 dos autos apensos e de número 0040.17.001.724-4, que em contrapartida desta sua colaboração este acusado angariou o direito a espiar pena em cela especial, `a redução até a metade de sua reprimenda reclusiva e o fracionamento em até dozes vezes de sanção pecuniária porventura imposta (f. 04).

 

Ao ensejo daquela tratativa, homologuei a colaboração premiada porque atende piamente aos requisitos dos parágrafos 12 a 14 do art. 4o da Lei 12.850\2013, além de observar os rigores dos arts. 13 a 15 da Lei 9.807\99 e também `as Convenções de Mérida e Palermo, às quais nosso país aderiu. Acrescento que, consoante dizeres do parágrafo 11 do art. 4o da Lei de Colaboração Premiada já mencionada, o colaborador atendeu àquilo que se obrigou e era previsto em lei: contou o que entendeu da verdade, nada omitiu, suas imprecisões decorrem do contexto em que entendeu os fatos que narrou e em momento algum se pode dizer que tenha peremptoriamente faltado com a verdade ou omitido fato conhecido. A utilidade de sua colaboração também é claríssima e reverbera: sem esta, não somente os ilícitos que cometeu permaneceriam impunes, como também aqueles outros que aqui em efetivo foram reconhecidos e geraram condenação seriam sequer conhecidos pela justiça e pela sociedade.

 

Assim, ao ensejo de sua condenação, a Miguel Júnior devem ser concedidos os benefícios da colaboração premiada e na forma dosimetrada no acordo firmado, porque disto decorre a exata previsão legal. Portanto, deve ser condenado por corrução ativa, em continuidade delitiva e por quatro vezes, na forma do art. 333 e 71 do CP e art. 12 a 14 da Lei 12 a 14 da Lei 12.850\13, absolvendo-o quanto ao mais.

 

Do exposto, e diante de tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, assim o fazendo para:

  1. a) CONDENAR EUSTÁQUIO JOSÉ PEREIRA, já qualificado, nas iras do art. 317, caput, do CP, por uma vez.
  2. b) CONDENAR AMILTON MARCOS MOREIRA, o Sargento Amilton, já qualificado, nas iras do art. 317, caput, do CP, por uma vez, ABSOLVENDO-O quanto ao delito de corrupção passiva remanescente na forma do art. 386, I, do CPP.
  3. c) CONDENAR MARCÍLIO DE FARIA, já qualificado, nas iras do art. 317, caput, do CP, por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71, CP), ABSOLVENDO-O quanto ao delito de corrupção passiva remanescente na forma do art. 386, I, do CPP.
  4. d) CONDENAR CARLOS ALBERTO FERREIRA, o Cachoeira, já qualificado, nas iras do art. 333 do CP, por duas vezes e em continuidade delitiva, ABSOLVENDO-O quanto ao delito de corrupção passiva remanescente na forma do art. 386, I, do CPP.
  5. e) CONDENAR JOSÉ DOMINGOS VAZ, O Zé Domingos, já qualificado, nas iras do art. 317, caput, do CP, por uma vez, ABSOLVENDO-O quanto ao delito de corrupção passiva remanescente na forma do art. 386, VII, do CPP.
  6. f) ABSOLVER JOSÉ MARIA LEMOS JÚNIOR, o Juninho da Farmácia, já qualificado, das iras dos delitos do art. 317, caput, do CP, por duas vezes, na forma do art. 386, I, do CP, e portanto absolvendo-o integralmente.
  7. g) CONDENAR MIGUEL ALVES FERREIRA JÚNIOR, o Miguel Júnior, já qualificado, nas iras dos delitos do art. 333 do CP, por quatro vezes em continuidade delitiva e como colaborador premiado, conforme art. 71 do CP e art. 12 a 14 da Lei 12.850\13, absolvendo-o quanto aos demais delitos de corrupção ativa dos quais foi acusado na forma do art. 386, I e VII, do CPP, conforme os casos.

 

Passo à dosimetria penal individualizada, salientando que em obediência aos princípios constitucionais da celeridade e da economia processuais, que decorrem da garantia fundamental inserta no art. 5o, LXXVIII, da CF, para os casos de continuidade delitiva e tendo em vista  as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, idênticas para os casos análogos, será adotada uma só dosimetria sem que com isto, ao sentir deste juízo, se fira o princípio da individualização da pena ou o critério trifásico do art. 68 do já mencionado CP.

 

EUSTÁQUIO JOSÉ PEREIRA.

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: inerentes ao tipo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial efetivamente se realizou.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone. Muito antes pelo contrário, é elemento muito querido e admirado no seio da comunidade em que vive.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: demonstrou nítido arrependimento ao longo da instrução, o que deve ser observado em seu favor.

 

Antecedentes: excelentes, primário.

 

Motivos do crime: não posso deixar de convir que este réu afirmou direcionar a propina alcançada para préstimos a crianças carentes, o que o beneficia, na falta de prova em sentido contrário.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. Este acusado confessou o delito na fase extrajudicial e esta confissão foi utilizada também como fundamento para sua condenação, conquanto não confirmada em juízo. Desta forma, conforme art. 65, III, “d”, do CP, diminuo-lhe a pena em TRÊS MESES, passando a mesma ao montante de DOIS ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO. Este réu era maior de sessenta anos ao tempo dos fatos (f. 84), razão pela qual, na  forma do art. 65, I, do CP, diminuo-lhe a pena em mais TRÊS MESES, passando esta ao patamar definitivo e final de pena privativa de liberdade em DOIS ANOS DE RECLUSÃO, seu mínimo legal.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de DEZ DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

AMILTON MARCOS MOREIRA.

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: inerentes ao tipo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial se realizou ao menos em parte.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone. É conhecido como um policial ardoroso e foi um parlamentar rígido, o que não pode servir para denegrir-lhe a imagem ou majorar sua reprimenda, porque não se tratam de defeitos propriamente ditos, mas de características de sua personalidade.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: sem elementos que permitam acrescer ou suprimir montante penal.

 

Antecedentes: excelentes, primário.

 

Motivos do crime: inerentes ao tipo.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. O acusado confessou a prática do crime na fase inquisitorial, o que foi usado para condená-lo e muito embora esta confissão não tenha se repetido em juízo. Desta forma, e conforme art. 65, III, “d”, do CP, DIMINUO-LHE A REPRIMENDA EM TRÊS MESES, passando a mesma ao montante final de DOIS ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO, definitiva neste patamar, à míngua de circunstâncias agravantes ou atenuantes ou causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de TREZE DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de TREZE SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 13.000,00 (treze mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

 

MARCÍLIO DE FARIA.

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: inerentes ao tipo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial se realizou ao menos em parte.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: sem elementos que permitam acrescer ou suprimir montante penal.

 

Antecedentes: excelentes, primário.

 

Motivos do crime: inerentes ao tipo.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO, para cada um dos dois delitos alvo de sua condenação, definitiva até aqui neste patamar.

 

Como este acusado responde à dois crimes previstos no art. 317, caput, do CP e em continuidade delitiva, sendo idênticas em ambos os casos as circunstâncias judiciais, aplico aqui as regras do art. 71 do CP para considerar apenas uma das condenações, a ela acrescendo um sexto de pena, que assim passa ao montante derradeiro de DOIS ANOS E ONZE MESES DE RECLUSÃO, à míngua de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de QUINZE DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de QUINZE SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

 

JOSÉ DOMINGOS VAZ.

 

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: inerentes ao tipo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial efetivamente se realizou.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone. Muito antes pelo contrário, é elemento muito querido e admirado no seio da comunidade em que vive.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: demonstrou nítido arrependimento ao longo da instrução, o que deve ser observado em seu favor.

 

Antecedentes: excelentes, primário.

 

Motivos do crime: procurou ocultar possíveis erros de sua gestão pública com a blindagem política que angariou, o que a princípio agravaria a reprimenda. No entanto, sem este mote o crime não teria ocorrido, e portanto devo considerá-lo inerente ao delito.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. Este acusado ao tempo dos fatos era maior de sessenta anos (f. 86). Desta forma, conforme art. 65, I, do CP, diminuo-lhe a pena em TRÊS MESES, passando a mesma ao montante de DOIS ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO, definitiva neste patamar, à míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de TREZE DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de TREZE SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 13.000,00 (treze mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

         CARLOS ALBERTO FERREIRA.

 

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: demonstra um predomínio sobre os demais réus, que aqui direcionou para o caminho do mal, o que tende a prejudicá-lo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial se realizou ao menos em parte.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: um líder nato, demonstrou inteligência para além do normal e não procurou ofuscar sua culpa denegrindo a conduta dos demais réus, o que o beneficia.

 

Antecedentes: primário, registra absolvições que não podem prejudicá-lo.

 

Motivos do crime: inerentes ao tipo.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. Maior de sessenta anos ao tempo dos fatos (f. 222), na forma do art. 65, I, do CP, diminuo-lhe a reprimenda em TRÊS MESES, passando esta ao patamar de DOIS ANOS E TRÊS MESES DE RECLUSÃO para cada um dos dois delitos alvo de sua condenação, definitiva até aqui neste patamar

 

Como este acusado responde à dois crimes previstos no art. 317, caput, do CP e em continuidade delitiva, sendo idênticas em ambos os casos as circunstâncias judiciais, aplico aqui as regras do art. 71 do CP para considerar apenas uma das condenações, a ela acrescendo um sexto de pena, que assim passa ao montante derradeiro de DOIS ANOS SETE MESES  E QUINZE DIAS DE RECLUSÃO, à míngua de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de QUATORZE DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de QUATORZE SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

MIGUEL ALVES FERREIRA JÚNIOR.

 

Culpabilidade: intensa, sendo o fato pelo mesmo perpetrado deflagrador de enorme repulsa social e reprovabilidade pública.

 

Circunstâncias: demonstra um predomínio sobre os demais réus, que aqui direcionou para o caminho do mal, o que tende a prejudicá-lo.

 

Conseqüências: ruins, porque intensamente prejudicial ao bom nome das instituições, além do que o pagamento da vantagem patrimonial se realizou ao menos em parte. Como se não bastasse, os autos demonstram que enredou os demais acusados em uma teia de vícios que somente deturpa ainda mais sua conduta, para bem além da normalidade do tipo.

 

Conduta social do réu: nada há que o desabone.

 

Comportamento da vítima: é a administração pública, que não fomentou a prática do crime.

 

Personalidade do acusado: um líder nato, demonstrou inteligência para além do normal e não procurou ofuscar sua culpa denegrindo a conduta dos demais réus, o que o beneficia. Além disso, demonstrou sincero arrependimento em todas as oportunidades em que foi ouvido.

 

Antecedentes: primário, registra absolvições que não podem prejudicá-lo.

 

Motivos do crime: inerentes ao tipo.

 

Amparado nestes fundamentos, fixo a este acusado sua pena base em DOIS ANOS E NOVE MESES DE RECLUSÃO. Confessou espontaneamente todos os delitos que lhe foram imputados, e assim na forma do art. 65, III, “d”, do CP, diminuo-lhe a reprimenda em TRÊS MESES, passando esta ao patamar de DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO para cada um dos quatro delitos alvo de sua condenação, definitiva até aqui neste patamar

 

Como este acusado responde à dois crimes previstos no art. 317, caput, do CP e em continuidade delitiva, sendo idênticas em ambos os casos as circunstâncias judiciais, aplico aqui as regras do art. 71 do CP para considerar apenas uma das condenações, a ela acrescendo dois terços (foram quatro os crimes aqui reconhecidos, múltiplos, em excesso), que assim passa ao montante derradeiro de QUATRO ANOS E DOIS  MESES  DE RECLUSÃO. Conforme as regras da delação premiada aqui homologada, diminuo esta reprimenda à razão de sua metade (art. 12 e 14, Lei 12.850\13 e f.04 do apenso), passando a mesma ao montante de DOIS ANOS E UM MÊS DE RECLUSÃO, à míngua de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição de pena.

 

Amparado nos mesmos fundamentos alvitrados para fixação da pena corpórea, imponho a este acusado pena de multa no importe de ONZE DIAS MULTA, equivalendo o dia multa a um salário mínimo, perfazendo o montante final de ONZE SALÁRIOS MÍNIMOS assim contabilizados ao tempo da prolação desta decisão, benefício que deverá reverter em proveito do Fundo Penitenciário do Estado de Minas Gerais. A multa poderá ser parcelada em até doze vezes, conforme regras pactuadas e homologadas da delação premiada apensa.

 

Condeno o acusado no pagamento das custas processuais pro rata.

 

O acusado respondeu solto ao processado, é primário e de bons antecedentes, razoáveis as circunstâncias judiciais aqui obtemperadas. Parelho a isto, não cometeu aqui crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa. Por isto, faculto possa RECURSAR EM LIBERDADE e imponho o regime prisional ABERTO para o início do cumprimento de sua reprimenda.

 

Com fundamento no art. 44 do CP, porém e diante dos mesmos motivos acima alinhavados, SUBSTITUO a reprimenda corpórea por DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS: prestação pecuniária em proveito da Santa Casa de Misericórdia de Araxá e no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), acrescidos desta data até pagamento de juros e correção monetária, e limitação de finais de semana e feriados através de regras a serem estipuladas pelo juízo das execuções penais.

 

Suspendo os direitos políticos do réu (art. 15, III, CF).

 

DISPOSIÇÕES FINAIS.

 

Tendo em vista os enormes serviços prestados à sociedade araxaense pelos delegados de polícia César Felipe Colombari e Conrado Costa da Silva, independente do trânsito em julgado desta se deverá oficiar a Secretaria de Defesa Social e a Chefia da Polícia Civil informando do denodo e da dedicação destes profissionais para com os interesses do povo local e da estrita apuração da verdade dos fatos. Ao ensejo, sugerir a inserção elogiosa nos apontamentos funcionais destes briosos e competentes profissionais de segurança pública.

 

Informar por ofício e cópia desta decisão tanto à Câmara dos Vereadores de Araxá, quanto ao Sr. Prefeito Municipal, tendo em vista os óbvios reflexos administrativos do julgado.

 

Informar por ofício o teor desta decisão ao setor de identificação da PCMG.

 

Com o trânsito em julgado, extrair guia para pagamento da sanção pecuniária imposta aos acusados (multa, custas, prestação pecuniária), extrair guia de execução e formar autos de execução de penas, oficiar o Cartório Eleitoral e lançar o nome dos réus no rol dos culpados.

 

Certificar que o acusado José Maria Lemos Júnior, aqui absolvido, se encontra em liberdade.

 

Informar prontamente o Ministério Público, partes e advogados, do teor desta decisão, por qualquer meio de mídia possível e certificando, a fim de se evitar rumoroso e turbulento manuseio desnecessário do processo.

 

         Restaurar os autos, já em lamentável estado.

 

P.R.I.

 

Araxá, 01h54min do dia 02 de agosto de 2.017.

 

 

Renato Zouain Zupo,

Juiz de Direito.

[1] STJ – AÇÃO PENAL Apn 425 ES 2005/0112673-8 (STJ), Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, in https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7160785/acao-penal-apn-425-es-2005-0112673-8, consulta feita em 28/07/2017, 14h53min.

 

[2] in http://emporiododireito.com.br/a-investigacao-criminal-e-a-prerrogativa-de-foro-o-caso-do-ex-senador-da-republica-por-romulo-de-andrade-moreira/, consulta em 28/07/2017, 15h28min.

 

 

[3] “Minority Report”, de Philip K. Dick, Amblin Entertainment, direção de Steven Spielberg, EUA, 2002.

[4] HUNGRIA. Nelson. Comentários ao Código Penal. V. IX. Editora Livraria Forense. Rio de Janeiro. 1958. pg. 362\363.

[5] HUNGRIA, Nelson. ob. cit. p. 369.

[6] MITTERMAYER, CJA. Tratado da Prova em Matéria Criminal. trad. Herbert Wuntzel Heinrich. Bookseller. 1997. p. 65\55.

[7] MITTERMAYER, CJA. ob.cit. p. 57.

[8] MALATESTA. Nicola Fra Marino. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. trad. Paolo Capitanio. Bookseller. 1996. p. 82.

[9] MALATESTA. Nicola Fra Marino. ob. cit. p. 101.

[10] MALATESTA. Nicola Fra Marino. ob. cit. p. 84.

[11] Eliezer Rocha, Dicionário do Processo Penal, Editora Rio, 1.975, p.131, “apud” JURISPRUDÊNCIA MINEIRA, 104/156.

 

[12] MALATESTA, Nicola F., A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Bookseller. Trad. Emílio Brusa. 1996, p. 13, destaquei.

[13] Aut. Ob. Cit, p. 51.

Por Editor1

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