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Ana pela América

22//04/2016- 11:25

PorEditor1

abr 22, 2016

Ana Laura (10)Parte 4

Foram seis dias em San Pedro de Atacama, uma cidade que é um verdadeiro oásis no deserto mais seco do mundo, mística, cheia de histórias e lugares surpreendentes com uma beleza exótica. De lá, o destino é chegar à Bolívia.

A araxaense Ana Laura Teixeira, tecnóloga em alimentos, de 25 anos, iniciou sua aventura de bike no dia 27 de fevereiro, partindo da cidade de Ushuaia,  no extremo sul da Argentina.  Já são 55 dias superando adversidades extremas, alimentada por um sonho de se aventurar por países da América do Sul, sol forte , chuva, frio, calor, grandes altitudes, onde o ar rarefeito potencializa o desgaste físico, tudo compensado pelo prazer de pedalar, de estar em contato direto com a natureza, com o sentimento de liberdade e o prazer de conhecer lugares simplesmente maravilhosos que compensam qualquer sacrifício. Ao lado desta guerreira, o Jornal Interação vem relatando seus principais momentos dessa aventura. Ana descreve mais esta etapa cheia de desafios.

De San Pedro, segui para Calama 102 km. Os primeiros 40 km, praticamente subida. Saí bem cedinho, não eram nem 6h. Quando o sol saiu, não estava nem em um terço da subida que teria que fazer. Mais fui tranquila, escutando música e cantando, sem me preocupar com o que estava por vir. Quando percebi, já tinha terminado de subir e estava em uma reta interminável. Parei para almoçar em uma casinha de oração que tinha na estrada. Tinha preparado uma marmitinha com macarrão e ovo cozido e acrescentei um pouco de molho e atum para dar uma enriquecida. Fiz um quilinho de uma hora e segui. Depois do almoço, foi só alegria: apenas descidas até Calama, uma cidade feia, bastante poluída, devido à mineradora que tem na entrada da cidade. Cheguei às 17h, foram quase 10 horas de pedal. Logo procurei um hostel para passar uma noite. Tomei aquela ducha, saí para jantar e voltei. Não eram nem 20h quando me deitei. Dormi de um lado só.Ana Laura (18)

Após a cidade de Calama, dirigi-me para a fronteira com a Bolívia. A rota seguia passando por Chiu Chiu, onde está a igreja mais antiga do Chile. Feita em adobe, com teto de palha e toda pintada de branco, tem um aspecto simpático de casa colonial. Nessa cidade, reencontrei Jorge, um senhor que havia conhecido em San Pedro de Atacama. Estava indo para a fronteira levar um material de construção. Acabou me oferecendo uma carona e, com as insistentes dores no joelho, acabei por aceitar. Na fronteira, tomei um lanche reforçado e segui. Os primeiros 10 km supertranquilos. Depois… não podia acreditar! Um areião, que você pedalava e a bike afundava. Não tinha como seguir pedalando. O jeito era empurrar. Haja força para empurrar tanto peso! O joelho chegava a latejar. Empurrava dez minutos, parava meia hora. Isso foi durante umas três horas, até surgir um filho de Deus que estava indo para Uyuni, a cidade onde ficaria por três dias para conhecer o maior deserto de sal do mundo.

Era pra ser uma semana de muito esforço, mas, como as dores no joelha só aumentavam, não me importei de pegar uma caroninha. Até que não acho ruim essas caronas, pois a cada dia que pego, conheço uma história diferente que faz com que enxergue a vida totalmente diferente, aprendendo sempre a dar valor no mínimo e que não precisamos de muito para ser feliz.

Chegando em Uyuni, passei por vários hostels para ter ideia de preço. Depois de olhar uns oito, fui me hospedar no quinto que havia olhado. Além de ser bem arrumadinho e mais em conta, fui muito bem recebida quando fui perguntar o preço. Um hostel familiar, de pessoas super-receptivas, me senti em casa! Aproveitei o resto do dia para dar uma volta pela região, para conhecer e comprar algumas frutas e algum lanche para o dia seguinte.

Ana Laura (2)A vontade de atravessar o salar pedalando era grande, mas como não arrumei companhia, confesso que fiquei com medo de atravessar só e me perder no meio daquela imensidão branca. Então resolvi procurar uma agência de turismo, que seria mais seguro. Depois de pesquisar em três, fechei com a segunda. Saímos às 10h30, em uma 4×4; no meu grupo havia três americanos, um casal de chilenos e uma japonesa. Foi muito divertido, pessoal muito animado e extrovertido. Primeiro passamos pelo Cemitério de trens, que são diversas locomotivas abandonadas e oxidadas pelo tempo. Eram locomotivas utilizadas no transporte de minério até a costa do Pacífico, no início do século 20. Com a segunda guerra e o declínio do comércio, os trens foram abandonados no meio do deserto, criando um “cemitério”. Depois passamos pelo povoado de Colchani, que fica bem próximo da entrada do Salar de Uyuni. Ali parece que o tempo parou. Muito rústico e desértico. Havia muitas barraquinhas de artesanato. Esse minúsculo povoado vive da extração de sal, utilizando o mais tradicional e remoto processo de refinamento, iodização e embalagem. Tudo é feito artesanalmente.

A partir de Colchani, o cenário vai se transformando. Aos poucos, o pó começa a diminuir, e a paisagem se torna cada vez mais branca. A primeira impressão é de se estar num desolado canto do Ártico. A ofuscante brancura estende-se a perder de vista, até encontrar o azul do céu no horizonte. E assim, quando a gente se dá conta, já está nos domínios do Salar de Uyuni. Não existe uma estrada delimitada!  Os experientes motoristas vão buscando o melhor caminho na imensidão branca, que pode variar de acordo com a estação seca ou chuvosa. Poucos quilômetros depois de Colchani, é possível avistar centenas de cones de sal, amontoados pelos extratores, uma vez que é preciso remover uma camada de 5cm para atingir o sal bom para o consumo nacional.

A uns oito quilômetros do povoado, chegamos ao antigo Hotel de Sal (que hoje funciona apenas como museu). À primeira vista, parece uma construção feita com blocos de mármore branco. Mas os blocos são de sal maciço. Dentro do hotel, está exposta uma coleção de esculturas (quéchuas), que não poderiam ser de outro material senão de blocos de sal. Há bandeiras de vários países hasteadas em frente ao Hotel de Sal.

Após o almoço, continuamos seguindo para o interior do salar, sentido Ilha Incahuasi, conhecida também como Isla del Pescado, uma ilha no meio do deserto de sal, com cactos gigantes que chegam a dez metros de altura. É realmente impressionante! O nome da ilha vem do formato de peixe de seu reflexo no espelho d’água que se forma no período de chuvas (entre dezembro e março). Há uma trilha em meio à ilha maravilhosa, de aproximadamente uma hora de caminhada.Ana Laura (15)

Para finalizar, seguimos para um ponto do salar, onde continha água. Acompanhar o reflexo do pôr do sol nas águas de um dos lugares mais bonitos do mundo é um privilégio. Foi impressionante. Depois do espetáculo, fomos embora. Chegamos a Uyuni às 20h.

A vontade era tanta de pedalar naquele lugar que não poderia deixar de ir de bicicleta, já que sabia o caminho. Como me faltou coragem para atravessar o salar, pelo menos uma volta teria que dar. Então, no dia seguinte, peguei a magrela e fui direto para o salar. Fui até o antigo Hotel de Sal, onde estão as bandeiras. É uma sensação de infinito, de estar em qualquer lugar, menos na terra. Parece pedalar e estar no mesmo lugar sempre. É um sonho. Não demorei tanto, pois teria que descansar, pois, no outro dia, pegaria estrada novamente.

Quando cheguei ao hostel, deixei minhas coisas prontas para no outro dia seguir. Acordei bem cedo, tomei aquele café da manhã caprichado e segui rumo a Rio Mulatos. Cem quilômetros de muito sol forte e vento contra (estava fraco, mas, de todo jeito, atrapalhava). As paisagens não mudavam. Sempre as mesmas. Mas não estava preocupada com isso. Queria mesmo era chegar, pois não aguentava mais aquele vento e o joelho incomodando. Depois de nove horas de pedal, cheguei ao povoado. Ruas de terra, pessoas vendendo comida na beira da estrada e te cercando, oferecendo aquela comida que parecia sobra do almoço. Logo avistei um alojamento, onde já me hospedei. Bem precário, banheiro caindo aos pedaços, ducha gelaaaada e o quarto era de dar medo, parecia cena de terror de um filme, com quadros antigos, cheio de teia de aranha, a cama não podia nem mexer que parecia que iria desmanchar. Uma barulheira durante a noite, que não dava para entender o que era. Mal pude dormir, confesso que senti medo essa noite. Não via a hora de amanhecer para pegar a estrada. Assim que deram 5h, já levantei, tomei meu café e saí. Fazia muito frio, mas antes partir morrendo de frio, do que ficar naquele lugar assombroso. Fui rumo a Challapata, mais 98 km. Bem tranquilos, estrada mais plana, com pouco movimento e, graças ao bom Deus, não tinha vento contra (joelho agradece…rsrs), estava apenas um sol de rachar. Foram sete horas e meia de pedal. Um povoado bem simples e supersimpático. Quando cheguei próximo a uma mercearia, uma senhora veio me parando, perguntando de onde vinha, para onde estava indo… enfim, aquelas mesmas perguntas que todos fazem. Disse que tinha acabado de fazer umas empanadas de queijo e imaginava que eu estaria com fome. Veio com duas e me entregou com aquele sorriso de uma pessoa que parece ser tão sofrida! Agradeci e perguntei quanto era. Disse que não precisava pagar. De todo jeito, tirei 10 bolivianos e entreguei para ela. Custou aceitar. Mas tenho certeza de que precisava mais do que eu. Conversamos um pouco e me indicou um alojamento bem próximo de sua mercearia. Fui direto e me hospedei lá. Estava bem cansada, pois foram dois dias de 100 km praticamente.

No dia seguinte, não madruguei tanto assim. Saí já eram quase 9h, rumo a Oruro. Seriam 120 km. Mas tinha pensado em fazer em duas etapas. Quando estava nos 65 km, joelho começou a latejar, vi que precisava parar, mirei uma árvore a uns 5 km dali e pensei em armar a barraca, mas, pensando bem, porque não tentar uma carona? Ainda eram 16h, estava muito cedo, teria que esperar escurecer para armar o camping, para não chamar tanto a atenção. Então resolvi estender o dedo… rsrs. Na quarta tentativa, parou uma caminhonete, com um casal de senhores que estava voltando de Uyuni para Oruro, onde moravam. Ficaram admirados com a minha coragem! Nem acreditavam que estava ali sozinha! Alertaram-me mil vezes para tomar cuidado, pois Oruro era uma cidade muito perigosa. Todos os lugares por onde passo as pessoas dizem ser perigoso. Claro que tenho que ter cuidado em todos os lugares que passo, mas até agora, não vi nada de ruim acontecer e não passei por nada também. Deus está sempre comigo.

Em Oruro, levaram-me para um hostel de um conhecido, que fez pela metade do preço. Disseram que não poderiam me receber em casa, porque estava em reforma e estava toda bagunçada. De toda forma, agradeci muito pela carona e por me levarem a um hostel de um amigo. Mesmo pegando essa carona, sentia muita dor no joelho e senti que não poderia pedalar no dia seguinte; teria que ficar alguns dias de repouso para continuar. Mas se ficasse ali, gastaria muito dinheiro com alimentação e hospedagem. Então resolvi pegar um bus para La Paz, que estava a 255 km de Oruro.

Ana Laura seguiu para a casa de um ciclista que recebe cicloviajantes, onde as despesas seriam apenas com alimentação. Com a lesão no joelho se agravando, Ana procurou um especialista em joelho que constatou, além de inflamação, uma lesão de ligamento que requer um tempo considerável para recuperação. Questionado pelo fato da necessidade de continuar a viagem, o especialista foi taxativo, argumentando que a lesão provavelmente se agravará desencadeando para um quadro  cirúrgico mais grave. Naturalmente abatida, Ana Laura vai tirar uns dias para descansar e reavaliar a situação, com a possibilidade de dar uma pausa ou concluir antecipadamente este vitorioso projeto “Ana pela América”. Um momento difícil que, com certeza, Ana deve estar lamentando a possibilidade de ter que esperar para conhecer os muitos lugares que certamente ainda conheceria no decorrer da viagem, mas quando ela olhar para trás e relembrar todos os momentos maravilhosos que viveu até agora, por certo conseguirá decidir seu destino usando dos princípios da razão ao invés da emoção, mesmo porque a dimensão de uma aventura de bike como esta não se mede pela distância percorrida, mas pela emoção, pela alegria e prazeres que ela proporcionou. O Jornal Interação deseja boa sorte para a aventureira Ana Laura e continuaremos trazendo seus relatos até o término deste projeto.
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