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A cidade de Araxá teve três participantes selecionados entre os 30 escritores para compor o livro SESI Literatura em Prosa e Verso.

A vencedora na categoria prosa foi Catarina Barbosa Torres Gomes. Ela é esposa de Tiago Antônio Torres Gomes, funcionário da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa a qual ela foi representando. Os outros selecionados foram Adriano da Silva Siqueira, representando a empresa Precismec Precisão Mecânica Indústria e Comércio Ltda, e  Ralfer Roberto Zaidan Martins, da CBMM.

Abaixo, reproduzimos os texto de Catarina e de Ralfer, os quais foram publicados no livro SESI Literatura em Prosa e Verso.

A Carta

Ralfer Roberto Zaidan Martins

Seis horas da manhã. Dona Diolinda chamava Pedrinho para o café. Sempre preocupada, deixava tudo já pronto para o filho. Atrasado como todos os dias, Pedro Fernando quase não tinha tempo para respirar. Tomava uma xícara de leite e saia correndo se despedindo da mãe.

Corria. Era a busca de um ideal que o fazia ter esperança com o futuro do comércio de Araxá. Cidade essa, conhecida nacionalmente por seu potencial na mineração, na culinária e no turismo. Na época da colonização, os bandeirantes batizaram o local de Sertão da Farinha Podre. Região que compreende hoje, parte do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

A presença de águas medicinais, tornou a terra dos “Arachás” em um privilegiado recanto. E a história se fez. Índios e escravos do quilombo “Tengo Tengo”, relacionavam-se em perfeita sintonia. E permaneceram assim por muitos anos. Com a chegada dos forasteiros, as tribos foram dizimadas e a terra de Beja, seguiu um caminho jamais imaginado.

Beja? Isso mesmo. Dona Beja – a dama de Araxá. Há mais de duzentos anos, chegava a região uma mulher de pulso forte e que mudaria a história daquele lugarejo. Ainda criança e com uma beleza inocente, Ana Jacinta (que seria mais tarde conhecida como Dona Beja) era comparada a uma típica flor do agreste, o Beijo. Seus olhos, com a mesma coloração de tal planta, despertavam elogios e atenções por onde passava.Na adolescência, alcançou posição de destaque na sociedadeem uma época onde prevaleciaa submissão feminina. Dona Beja, não só colocou Araxá para o mundo como também fez o mundo se interessar pela cidade.

Durante os primeiros cinco anos após a reabertura do Grande Hotel do Barreiro, que passou por uma grande reforma, o município se destacou pela hospitalidade. Durante todo esse tempo, Pedro Fernando trabalhou em uma fábrica de doces da cidade. Pela responsabilidade e dedicação, conseguiu juntar dinheiro para se tornar sócio de tal empresa.

Sua clientela era assídua. Muitos diziam que ele esqueceu sua vida particular, para dedicar-se exclusivamente ao trabalho. Sua parente mais próxima, era a mãe; que se mantinha bastante lúcida aos 80 anos. Dona Diolinda, sempre falava para o filho sobre a importância de se ter uma família consolidada. Em um mundo cada vez mais solitário, uma companhia seria importante para ele. Pedro, escutava os conselhos da mãe em silêncio. Com gestos, dava para ver que não concordava com o teor da conversa.

Era outono e as folhas cobriam o jardim em frente à sua casa. O tempo passou e Pedro começou a ter problemas financeiros na fábrica. Seu sócio, o Sr. Jasminor, envolveu-se em uma briga de bar e acabou assassinado.A fábrica de Doces “Arachás”, necessitava imediatamente de capital para novos investimentos e reposicionamento da marca. A concorrência era acirrada e o rapaz que sonhava com prosperidade, já não conseguia mais espaço no mercado local.

Certo dia, como de costume, Pedro adorava levar Dona Diolinda para um passeio no parque do Barreiro. Enquanto ela se divertia com as crianças próximas, ele não deixava de tomar seus banhos nas águas medicinais. Foi em uma dessas sessões, que conheceu uma mulher de charme incomparável. O perfume e o brilho nos olhos daquela moça, eram diferentes.

Ana, como se apresentou, conhecia muito bem o município. No momento, era empresária na capital do estado. Afirmou que sempre procurava Araxá para esquecer um pouco do estresse e da solidão. De tanto visitar a cidade, comprou um sobrado; principalmente, por existir um belo jardim nos fundos e onde adorava apreciar o fim de tarde.

Sem saber como, Pedro se viu envolvido com aquela moça. Passou a acordar todos os dias, animado. Até cantarolava algumas melodias que gostava. Os negócios ainda estavam estabilizados. Com a venda de uma chácara da família, conseguiu pagar dívidas e se manter no comércio de doces.

Seus encontros com Ana, ficaram mais frequentes e intensos. A moça, vinda de Belo Horizonte, sentia o gosto da felicidade nos passeios que fazia com Pedro em Araxá. Pela noite, encontravam-se na Praça Governador Valadarese conversavam muito.

Ele, enxergava em Ana, uma pessoa ideal. Ela, por sua vez, encontrava um ser puro e verdadeiro como companhia. Sabia que daquele convívio, ótimos frutos iria colher. Decidiu por vez, morar em Araxá. Aproveitou para entrar em sociedade com o amigo na fábrica. Juntos, poderiam traçar uma nova perspectiva para o negócio.

Pedro e Ana, nesta altura assumiam um romance. Dona Diolinda era sinônimo de orgulho pela relação. Sentia que tal união, representava o verdadeiro amor;aquela mesma chama que erradia no coração e transforma a vida em momentos inesquecíveis.

E o tempo passou. A fábrica de doces “Arachás”, era o próprio exemplo de um trabalho feito com muito carinho e dedicação. O casal conseguiu aumentar a produção; conquistando inclusive, vender para exterior. O município por sua vez, voltava ao crescimento.

Ana, era acostumada com a simplicidade de cidades do interior. Sua família no passado, foi proprietária de uma fazenda no estado do Mato Grosso. O pai havia falecido dois anos antes de conhecer Pedro. Porém, sempre foi decidida em suas atitudes e tinha o poder da palavra.

Quando o assunto era a fábrica de doces ou algo a respeito de seu amor, defendia de todas as maneiras. O relacionamento já era intenso e ambos viviam uma só vida.

Com uma vontade enorme em participar das decisões da região, Ana frequentava as sessões da câmara de vereadores e tinha voz ativa. Como moradora da cidade, ficava atenta aos novos investimentos e ações envolvendo a comunidade. Com uma visão de futuro, o casal montou filiais da fábrica de doces em São Paulo e Goiás. Prosperidade. Era assim que observavam o caminho a ser seguido. Os anos se passaram e Deus estendeu suas mãos a Dona Diolinda; deixando para trás, muita saudade. Aquela senhora e Ana, mais se pareciam mãe e filha.

Certo dia, após um de seus banhos rotineiros nas termas, Pedro procurou o gerente para satisfazer uma curiosidade. Estava à procura de informações que com certeza, percorreram seu imaginário durante muito tempo. Voltou ao ano em que conheceu Ana. Sua intenção era saber com que frequência, ele e o seu amor utilizavam aquele local. Para sua surpresa, nada encontraram sobre a empresária de Belo Horizonte. Muito angustiado e confuso com o resultado da busca, correu logo para casa.

Estacionou o carro em frente ao sobrado. O seu corpo já não respondia aos estímulos e o coração estava disparado. Ao entrar, gritou pelo nome de sua mulher. Sem nenhuma resposta, andou por toda casa. Foi ao jardim dos fundos; um dos lugares preferidos de Ana.

Já perdendo as forças e sem saber o que fazer, ligou para o Sr. Raimundo,  braço direito na fábrica de doces. O funcionário respondeu ao patrão, que Dona Ana teria informado no dia anterior que iria fazer uma viagem. Ela não tinha uma data exata de retorno. E pediu para que ele, o auxiliasse da melhor forma possível nas decisões da fábrica.

Sem conformar com a informação do funcionário, Pedro foi ao quarto do casal. Uma surpresa. O recinto continuava intacto – da mesma forma como foi escolhido e decorado por Ana. Apenas a janela que se encontrava aberta e a cortina bailava contra o vento. Em cima da cama, havia um papel. De longe, ele viu uma carta; que parecia cortar os destinos e apresentaria uma realidade que Pedro certamente não iria aceitar. Era um envelope em tom suave. Acabava de encontrar uma mensagem de Ana.

Alguma coisa lhe dizia, que aquilo seria uma despedida. No dia anterior, percebeu cores de tristeza no olhar de Ana. Ficaram horas no jardim contemplando a beleza. Conversaram muito e discutiram sobre o futuro.

Abriu o envelope. Em doces palavras, Ana começou o texto pedindo desculpas pela rápida partida. Era um momento de dor. Lágrimas desceram no rosto de Pedro que em um grito, fez cortar o silêncio da vida. Aquele seria o momento de continuidade, sem Ana. Onde o presente abriria portas para um futuro próspero. Ela havia partido para a memória. Sua missão, ao lado dele, teria terminado.

Anos atrás, Pedro encontrava-se em uma situação complicada. Endividado e com problemas comerciais, teve Ana como uma fonte de energia e apoio. Era o início da busca do progresso. Em todos os momentos, ela sempre esteve presente com palavras de conforto e carinho.

O bilhete apresentava o futuro de Araxá. Executando trabalhos voluntários na prefeitura, Ana, constatou que as pessoas estavam mais abertas para o diálogo. A cartalembrava ainda, a luta e sacrifício para o bom andamento da fábrica de doces “Arachás” – que conquistou espaço no mercado graças ao comprometimento e qualidade dos produtos e serviços.

Se tudo andava bem, Pedro ainda não conseguia entender o que passou pela cabeça de Ana. Ela, porém, sabia que o seu compromisso terminava ali. Feliz com os acontecimentos do município e satisfeita com a prosperidade do seu amor, viu que era hora do embarque para a eternidade.

Ela não morreu. Ana continuava presente. Como um anjo, deixou marcas na vida de Pedro. De repente, um pássaro chegou a janela do quarto. Seu canto maravilhoso, demonstrava liberdade. No final da mensagem, havia uma revelação surpreendente.

Ana, afirmava o grande valor da existência de cada pessoa. Ela, por sua vez, apareceu como em um conto de fadas. Existia para fazer com que os homens fossem mais otimistas com o futuro. Veio para saudar sua origem. Araxá era seu refúgio e inspiração para longas cavalgadas há mais de duzentos anos.

Agora, esteve ao lado de Pedro; o incentivando na caminhada da vida. Ela, a Ana, também eraJacinta de São José. Isso mesmo. Ana Jacinta de São José, a famosaDona Beja.

No passado, sua beleza era inconfundível. Sua personalidade ajudou a colocar Araxá no cenário nacional do turismo. E agora, como uma lenda, invadiu a vida de Pedro; ajudando-o a tomar decisões acertadas em seu comércio e encontrar prosperidade. O assunto correu a cidade em pouco tempo. Estaria o fantasma deDona Beja rondando suas origens novamente ou tudo não passaria da imaginação do Pedro? O rapaz por sua vez, fez suas malas e partiu para a capital. Estava decidido a encontrar notícias de seu único e grande amor.

Alguma Verdade

Catarina Barbosa Torres Gomes

Eu queria te contar uma coisa: sabe aquela garça ali? Pois é…Eu fico pensando nela às vezes, quando venho aqui. Nem sei se é mesmo engraçado isso, talvez um pouco de insânia. Penso na garça como tal e ela nem é o que penso dela. Em suas pernaltas, de um laranja-pôr-do-sol e asas encolhidas, tingidas por um branco latex, meio leitoso, talvez fite-me, incessante! A criatura ou eu? Subjetivo. Fito-a sem me dar conta do ânima que embala a água da fonte. E quase nem percebo os raios de sol da manhã, capturando o viço luzidio das rubras carpas.. quase moiras surreiais, nadando utópicas num lupe infinito.  Esbanjam ares de criatura vívida, quase perenes. Desafiam, em olhos de peixe, o esguio simulacro de ave, parecem ingadá-la; porque tão inerte? Porque tão covarde…tão indiferente? Desditosa persuasão!

Cético, não posso crê-la! Repulsa-me tanto dogma, assombra-me a sua falta de espécie e não me familiarizo com a sua taxionomia, embora a perceba quase ave. Quase objetiva! Chega a ser presunsão seu desígnio, sem ânsia e vagamente leal à forma. Quem sabe, lembra-me um pouco as outras, aquelas de lá, que eu-menino gostava de ver pescando, de alvoroçar, atirando pedras nas margens do rio Pratinha. Reminiscências me alienam, sinto calafrios agora.

Diante dessa inércia, experimento um sono d’alma. Ouço, ao longe, um rouco grito, inspira-me certo temor. Tem dias que sinto ímpetos de espantá-la para longe, de alvoroçá-la para o céu lilás da tarde, de tapar seus olhos com tinta spray e tornar-me vândalo, mas ressinto encolhido diante de tanta fixidez, em fantasia. Quero quebrá-la, destroçá-la, desenformá-la do cerne pétreo e libertá-la para longe…talvez de mim, dessa agonia inquietante, dessa presença desencarnada de onde sobem e descem calorosas formigas em desvairio. Contraste manifesto em forma fria e dura.

De repente, em paralelo, lembro-me daquele sujeito lá, no famoso calçadão de Copacabana. Poeta sentado, despojado de seu modernismo, afrontado em presença e, ao mesmo tempo, sem rosa,  com e sem povo, sem poemas e prosas. Resta-lhe o bronze nas retinas, nas mãos, nas pernas cruzadas e na rotina da tarde, encarando caliginoso os transeuntes, muitos Raimundos, quantas Marias, muitos sem nome, e ele, poeta, esbanjando identidade. Embora não se irrompa, não sinta as marés, nem as antíteses naturais que varrem o tempo…inda que não mais veja que “o dia não veio”, que “o bonde não veio”, que “tudo acabou”, que “tudo fugiu”, que “tudo mofou”, não mais questiona o pobre José. Mas, e daí? Nem todos o sabem e uns, poucos, o sentem. O Pirata, por exemplo, figura manjada nos arredores cariocas, sempre com seu meio litro de cachaça sob o braço, parece fugido de uma letra musical de Bossa Nova. Senta-se no banco-poema, homenagem. Abraça o Drummond de bronze, que mesmo pensativo, acompanha calmamente a cantoria ébria,  desse baconiano, Zé Ninguém. Eu sei que Drummond, também cantava. Quem sabe, sóbrio, apolíneo. O poeta de bronze, remete-me ao imortal encarnado em versos que dispensam o gabo. Ele é, inclusive, escultura, arte. Vive encantado nas letras, nos refúgios idílicos dos olhos que espreitam as muitas páginas que o perpetuam.

Mas, e tu? Pois bem, eu aqui, bebendo em alma de poeta, não miro, nem vejo mais  garça. Pudera! Não tenho mesmo as astúcias de Riobaldo, quisera ter a de Pirata. Não a quero garça! Não mais! Rescindi sua presença artificial. Resolvi que isso não tem nenhum sentido! Eu vou dormir…vou embora! Outro dia, quem sabe, eu volte aqui…quem sabe eu consiga lhe carpir, ou sei lá, lhe embotar alguma dúvida renascentista que lhe conceda ao menos um sorriso duvidoso e um olhar indecifrável! E eu, serei o seu Pirata. Talvez te abrace, te dê água ardente. Rodopie na chuva, em sua companhia. Talvez te empurre na fonte e a faça beber as carpas e comer a água, até te afogues e possa brotar depois, essencialmente. Quem sabe ressurjas em algum outro lugar ou te dissolvas entre os vãos das pedras, no meio do caminho. Quem sabe, encontrarás, com sorte, o Drummond; o de bronze ou o de poemas, tanto faz. Mas, por favor, encontre alguma verdade. E então, talvez, eu volte para continuar essa prosa e, te veja como Drummond viu a “ausência” em “O corpo”, sentindo-a branca, assimilada.

Por Editor1

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